Dilma 2 e FHC 2, a diferença na semelhança
Pesquisa Datafolha recém-divulgada sugere que Dilma Roussef 2, em 2015, repete a situação política de Fernando Henrique Cardoso 2, em 1999. Há semelhanças inegáveis entre o início deste governo e o início daquele, mas, também, há diferenças fundamentais e decisivas. Avaliá-las bem nos ajudará a entender o presente e a vislumbrar o futuro.
Essa pesquisa acaba de mostrar que a presidente da República está na mesma situação que FHC no início de seu mandato, em 1999.
Contexto político-econômico das reeleições de FHC (1998) e de Dilma (2014)
FHC
Em 1998, o Brasil estava quebrado. As reservas cambiais, então em 44,5 bilhões de dólares (dados de 31 de dezembro), foram gastas para segurar o valor do dólar durante a campanha eleitoral.
O desemprego estava alto (9%), a inflação estava baixa (1,66 IPCA), mas chegaria a 9% no ano seguinte e a mais de 12% em 2002. O salário mínimo era de R$ 130 (ou 130 dólares, hoje R$ 400).
O mercado, como em 2014, já sabia que, vencesse quem vencesse a eleição, o primeiro ano de governo (1999/2002) seria bastante difícil. E mais, sabia que a desvalorização do real era questão de tempo, e só não ocorria naquele momento devido à campanha eleitoral.
FHC, porém, reelegeu-se afirmando que quem desvalorizaria a moeda no ano seguinte seria Lula, caso vencesse a eleição. A estratégia funcionou e o tucano se reelegeu com facilidade, em primeiro turno.
No contexto político, apesar de muitas denúncias de corrupção nada era investigado devido ao fato de que o procurador-geral da República, que poderia instaurar investigações contra o governo, era primo do vice-presidente da República, Marco Maciel. Geraldo Brindeiro, o PGR, em oito anos de governo nunca permitiu que qualquer investigação contra o governo federal fosse instaurada.
Além da blindagem na Procuradoria Geral da República, FHC ainda dispunha da simpatia da imprensa. O único grande jornal que admitia a situação crítica da economia era a Folha de São Paulo. No resto da grande imprensa escrita e na televisão, nenhum grande veículo admitia a crise que se agigantava. Isso sem dizer que mesmo na Folha, o noticiário era amplamente favorável ao governo e hostil à oposição (petista).
DILMA ROUSSEFF
Em 2014, apesar do baixo crescimento, o país fechou o ano com reservas cambiais da ordem de 374 bilhões de dólares e com “grau de investimento” em todas as agências de classificação de risco.
O desemprego, tal qual a economia, também caminhou bem no ano da reeleição de Dilma, à diferença do ano da reeleição de FHC. Em 2014, ficou em 4,8%. A inflação, ao contrário da de FHC, foi alta, pelo IPCA. Bateu em 7,7%. O salário mínimo foi de R$ 788, ou cerca de 300 dólares, mais do que o dobro de 1998.
Ano passado, o país não estava na mesma situação de 1998, mas era previsível que teria que fazer um ajuste fiscal, pois a renúncia fiscal, feita ao longo do primeiro mandato de Dilma com a finalidade de não deixar cair o nível de emprego e salários, deixou as contas públicas deficitárias.
Apesar de Dilma ter dito durante a campanha eleitoral do ano passado que haveria que fazer ajustes na economia devido às políticas ditas “anticíclicas” que visaram preservar emprego e renda reduzindo a carga tributária das empresas, sobretudo as folhas de pagamento, como FHC fez em 1998 atribuiu os ajustes necessários ao adversário. Mesmo não dizendo que não faria ajustes, não foi suficientemente enfática, permitindo que a população acreditasse que, com ela, não haveria conta alguma a pagar.
No contexto político, porém, é que residem as grandes diferenças. A grande imprensa que tentou blindar FHC ao longo de seus dois mandatos, foi antagonista de todos os governos do PT desde 1º de janeiro de 2003.
Além disso, desde junho de 2013 que o Brasil vem sendo sacudido por protestos incessantes. E, como se não bastasse, desde 2012 os adversários do PT puderam dispor do fato de que, à diferença do governo FHC, os governos Lula e Dilma nomearam procuradores-gerais da República isentos, que investigaram os dois governos incessantemente, algumas vezes com viés político contrário. Tudo isso fez com que Dilma chegasse à campanha eleitoral de 2014 como a candidata petista mais fraca desde 2002.
Durante a campanha de 2014, a grande imprensa em peso fez o contrário de 1998, pintando uma situação da economia muito pior do que a realidade, pois apesar das dificuldades o país ainda tem desemprego baixo, inflação controlada e o nível salarial mais alto desde a redemocratização.
Apesar disso, devido ao fato de que essa mesma imprensa sempre alardeou caos econômico desde que Lula chegou ao poder, e também devido a que a oposição de esquerda aderiu a Dilma no segundo turno, ela conseguiu se reeleger, ainda que com grande dificuldade.
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FHC
Na segunda semana do segundo mandato de FHC, ficou claro à população que fora enganada pelas afirmações do então presidente da República, durante a campanha eleitoral, no sentido de que, caso fosse reeleito, não haveria desvalorização do real.
No dia 13 de Janeiro de 1999, o presidente do Banco Central, Gustavo Franco, pede demissão. Francisco Lopes, seu sucessor, anuncia a criação de uma nova modalidade de controle cambial, denominada “banda diagonal endógena”. Como o Banco Central estava com as reservas cambiais baixas (32 bilhões de dólares), não conseguiu manter o dólar no limite da banda, de R$ 1,32, e foi obrigado a permitir a flutuação do câmbio. Com isso o Real desvaloriza-se rapidamente, chegando a um pico de R$2,16 em marco de 1999.
Em 7 de março de 1999, pesquisa Datafolha mostrou o presidente recém-empossado com 43% de rejeição e índice de bom/ótimo de 18%. Apesar de a popularidade de FHC estar muito ruim para um presidente que acabara de se reeleger em primeiro turno, o apoio da imprensa evitou que a situação fosse pior.
DILMA
Dilma assume em primeiro de janeiro deste ano com 42% de bom e ótimo e 24% de reprovação, herdados do mês de dezembro. Ao fim do mês, a aprovação despencou para 23% e a reprovação quase dobrou, batendo em 44%.
Ao longo do mês de janeiro, nomeações de ministros do campo conservador como Katia Abreu, para a Agricultura, e Joaquim Levy, para a Fazenda, provocaram revolta entre os grupos políticos de esquerda que apoiaram a reeleição, enquanto que medidas necessárias ao ajuste fiscal que dificultaram a obtenção de seguro desemprego, por exemplo, contrariaram, em parte, o discurso da presidente, durante a campanha eleitoral.
Dilma nunca negou, durante a campanha, que haveria que fazer “ajustes” na economia – FHC, em 1998, negava, peremptoriamente, desvalorização do real. Porém, ela foi extremamente econômica nas explicações sobre essa questão, de modo que, tal qual ocorreu com FHC, a população sentiu-se traída.
A perda de popularidade de FHC (1999) e Dilma (2014)
O que chama a atenção na comparação da situação política de FHC, em 1999, e de Dilma, em 2015, é que hoje a situação é muito menos difícil do que há 16 anos. O Brasil está montado em cerca de 4 centenas de bilhões de dólares, os salários estão valorizados, a pobreza e a miséria despencaram no país, a população ainda vive os efeitos de 12 anos de bonança econômica, com seus carros zero quilômetro, filhos na faculdade etc., etc., etc.
O que explica a situação atual de Dilma ser ainda pior do que a de FHC, no início de seu segundo mandato, é, obviamente, a imprensa hoje na oposição, enquanto que, em 1999, era governista. Por conta disso, apesar da situação econômica mais difícil, naquele ano, não havia protestos de rua.
O futuro de FHC 2 e o de Dilma 2
O futuro de FHC 2, claro, é passado. Contudo, vale repassar o que ocorreu com o seu segundo mandato. Como se sabe, o ex-presidente e seu governo atravessaram o mandato de 4 anos claudicantes até que, em 2002, o tucano não conseguiu fazer seu sucessor.
Devido à comodidade que o apoio da imprensa lhe dava mesmo a despeito do estelionato eleitoral, FHC foi tocando o barco de forma descuidada, acreditando que seria impossível o PT derrotá-lo. Acreditava na lenda de que o teto do partido e de Lula era, mesmo, de 30% do eleitorado.
Tranquilizado pela blindagem midiática, FHC governou os quatro anos seguintes no piloto automático até que essa postura cobrou seu preço. Entre 2001 e 2002, vigeu no Brasil um duríssimo racionamento de energia elétrica, além da alta do desemprego, da inflação e da queda dos salários que marcaram seu segundo mandato.
Em 15 de dezembro de 2002, a duas semanas da posse de Lula, 36% dos brasileiros consideravam o governo FHC ruim ou péssimo e 26% consideravam bom ou ótimo, mesmo com toda a blindagem da imprensa, insuficiente para que ele fizesse seu sucessor.
A situação de Dilma, hoje, é pior do que a de FHC no início de seu segundo mandato. O antagonismo da imprensa sugere que terminará seu governo pior do que ele. Isso sem falar que, à diferença do tucano, a oposição e a mídia flertam com a ruptura democrática, tentando conseguir alguma desculpa para derrubá-la.
Contudo, o fator que fez FHC governar no piloto automático durante so quinto, sexto, sétimo e oitavo anos de governo não está presente para Dilma. Sem apoio da imprensa, caso não lhe tirem o mandato governará com muito mais atenção e, tal qual o tucano, poderá recuperar popularidade.
Por ter quase quatro anos pela frente, Dilma tem uma chance de escrever outra história para si. Na administração, terá que evitar os erros cometidos pelo antecessor. Mesmo que não faça seu sucessor em 2018, terá que pensar em sua biografia e na de seu partido. A esta altura, o que importa para ela, para Lula e para o PT é que entreguem um país diferente do que FHC entregou em 1º de janeiro de 2003.
Até aqui, porém, em que pese a diferença de tratamento da mídia, Dilma repetiu erros cometidos pelo tucano. Mas também cometeu erros próprios, como descuidar daquilo que FHC nunca descuidou, da comunicação. Se continuar assim, mesmo que termine seu mandato legará um país falido a uma ultradireita transformada em salvadora da pátria.
Ou Dilma pode decidir mudar história que ainda não foi escrita: a sua. Como não tem muito mais a perder, é hora de ousar. E ousar, no momento, significa atentar para o seguinte: o mesmo Datafolha já mostrou que o povo é de direita nos costumes, mas de esquerda na economia. Bingo!