Hoje, Victoria goleia de novo – por 17 a 0 – a síndrome de Rett

Crônica

victoria 17

 

Já disse tanto, aqui, sobre minha filha Victoria, que a cada vez que encontro alguém que me conheça pelo que escrevo a primeira coisa que a pessoa pergunta é “Como vai a Victoria”. A frase não muda. É sempre a mesma.

Independentemente do gênero, da classe social, da idade, da região do país. É incrível. Parece que pessoas que nunca se viram, que residem longe umas das outras, combinaram.

Por que? Porque tudo que escrevi até hoje sobre a minha filha fez dela um símbolo (ao menos para essas pessoas que a conhecem) de coragem, amor, perseverança e fé.

Victoria, por seu turno, é uma vampirinha de amor, por assim dizer. Alimenta-se de amor e cura-se através dele, que lhe mantém a eterna aparência infantil que você confere na foto que emoldura este texto; Victoria ladeada por azaleias cor-de-rosa.

Pode ver a felicidade em seus olhos? Sabe por que há tanta felicidade transbordando desse lago cristalino e radiante que é a alma de Victoria? E consegue imaginá-la feliz apesar de eu estar escrevendo isto no dia de seu aniversário sem ter lhe dado um único presente que o dinheiro pode comprar?

Explico: porque, para Victoria, é inútil dar presentes materiais. Ela nem dá bola. Você está lá com o pacote envolto em papel de presente todo brilhante e decorado e esperando para extrair dela uma aprovação ao seu esforço em agradá-la e percebe que ela não olha o pacote, mas você.

Quando dão presentes à minha filha, ela fica olhando, maravilhada e sorridente, para o rosto da pessoa, exatamente como na foto acima. Ela não se maravilha com que o seu bem-intencionado dinheiro comprou, maravilha-se com a intenção que você teve, com o amor que lhe está oferecendo.

Eis a melhor proteção que um vivente pode obter para si, na vida: pureza d’alma e disposição para amar e ser amado. Nada mais, nada menos.

Veja o que o amor fez por Victoria. Ela chega aos dezessete anos dando uma goleada na síndrome de Rett que nem a Alemanha conseguiu dar no Brasil – e que os traumatizados com aquele jogo me desculpem por isso…

Essa resiliência de Victoria, acreditem, é produto do amor. E não estou dizendo isso usando meu chutômetro sentimental; digo isso com base científica.

Não vou transformar este texto em um texto científico reproduzindo links e estudos. Basta dizer que a ciência já entende que pessoas com “paralisia cerebral”, entre outras enfermidades, precisam de força moral para que os órgãos e as células “queiram” viver.

Existe força moral maior do que sentir-se amado?

Posso afirmar, com certeza desde a alma, que Victoria só superou anos de hospitalização e mergulhos profundos na doença porque tem uma razão para viver: sorver o amor que abunda em seu entorno.

É por isso que não dou presentes a Victoria. Concluí que é bobagem, que não é isso o que ela quer de mim.

Sabe o que ela ganha de mim que pode ser tocado e sentido? Meus abraços, meus beijos, minhas serenatas, meus poemas e os olhares que lhe declamo dia após dia, e não uma vez ao ano.

Todos os dias me junto a ela sem ninguém por perto e conversamos abraçados. Eu com as cordas vocais, ela com olhos de uma eloquência de fazer inveja aos melhores oradores que existam ou que já tenham existido, pois uma imagem fala mais do que mil palavras.

Tenho quatro filhos – três meninas e um menino. A três deles consegui agradar com coisas que o dinheiro pode comprar e nas datas “certas”. A Victoria, porém, não há como presentear materialmente. Pode-se lhe dar um carro zero quilômetro ou a joia mais valiosa que ela nem dará bola.

Quer agradar a Victoria? Dê-lhe um beijo estalado na bochecha. Aconchegue seu corpinho de porcelana fina, cante para ela. E, acima de tudo, sorria para ela e olhe nos seus olhos.

É só isso que minha filha pede. É tão pouco, tão fácil de dar, tão ao alcance de qualquer um…

Só lamento não poder dar mais. Não poder ajudar Victoria nem se tirasse a própria vida.

Se pudesse, eu o faria com um sorriso no rosto. Daria meus olhos, minhas cordas vocais, minhas pernas e braços, qualquer coisa para vê-la, aos 17 anos, entrando em casa e me apresentando um namorado, ou até vindo me contar que aprontou alguma…

Mas, sempre, chamando-me “papai”, como os irmãos.

Nunca ouvirei palavra alguma de seus lábios, mas lerei romances inteiros em seus olhos.

Sobre o jogo da vida de Victoria (contra a doença), a literatura sobre síndrome de Rett fala da progressividade, da devastação que se aprofunda com o passar dos anos, mas não fala que o amor pode derrotar essa lógica perversa.

A teoria científica diz que o passar do tempo agrava a doença, mas não é o que acontece com Victoria. Ela está melhor hoje do que há seis anos, quando a doença começou a progredir de uma forma que quase a levou ao destino final de todos nós.

Ou seja: Victoria melhorou em vez de piorar.

Restar-me-ia, então, dizer feliz aniversário a Victoria e terminar o texto. Porém, para ser coerente com o verdadeiro sentido dos 17 anos de Victoria, devo cumprimentá-la como se tivesse vencido um campeonato, que, em 2015, conquistou pela décima-sétima vez.

Então, vamos lá:

Salve Victoria / Campeã dos Campeões / Eternamente / Estará em Nossos Corações

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Abaixo, vídeo que minha filha Gabriela (29) fez para a irmã como presente de aniversário