Em entrevista, Boulos sugere melhora da eterna divisão da esquerda
O candidato pelo PSOL à Presidência da República, Guilherme Boulos, é portador de importante mudança na política brasileira. Para melhor.
Nas últimas quatro eleições presidenciais, e por todo tempo em meio a elas, o PSOL funcionou como um instrumento da direita golpista a fim de desgastar o PT e, sobretudo, Lula.
Até menos de dois anos atrás, o PSOL dizia que PT e PSDB eram “a mesma coisa”. A candidata do PSOL à Presidência em 2014, Luciana Genro, ajudou muito a facilitar o crescimento de Aécio Neves naquela eleição, que quase venceu Dilma Rousseff.
Agora, a prisão de Lula e as políticas adotadas pelos golpistas mostraram ao PSOL e à maioria da esquerda radical como era idiota dizer que PT e PSDB ou PMDB eram “a mesma coisa’. E a entrevista do pré-candidato do PSOL a presidente mostra uma nova era para a esquerda brasileira, em franco entendimento com vistar a vencer a eleição e tirar a direita do poder.
Confira a entrevista de Guilherme Boulos à Folha de São Paulo.
*
FOLHA DE SÃO PAULO
27 de abril de 2018
Entrevista com Guilherme Boulos
Guilherme Boulos, 35, pré-candidato à Presidência pelo PSOL, afirma que, se eleito, o PT poderá ter participação em seu governo e que os movimentos sociais de sem-teto e sem-terra terão “um grande aliado” no Planalto.
Em entrevista à TV Folha, Boulos diz que o ex-presidente Lula é vítima de “uma profunda injustiça, uma condenação sem provas” e que gostaria de ter uma aliança “programática” com o PT.
Líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), ele diz que o Congresso está desmoralizado e que, na Presidência, pretende governar com plebiscitos e referendos para que “o povo decida sobre grandes temas”.
Sobre o governo do ditador Nicolás Maduro na Venezuela, Boulos afirma que ele foi “eleito pelo povo”. “Vejo muito pouco ser falado sobre o fato de a oposição na Venezuela ser violenta. E que a direita tem milícias.”
CONGRESSO E PLEBISCITOS
Espero que o povo brasileiro saiba renovar esse Congresso, que está desmoralizado amplamente. Que aprovou a reforma trabalhista e o congelamento de investimentos sociais. Não podemos fugir do fato de que esse modelo de governabilidade faliu.
A lógica da política como balcão de negócios é que está gerando a mais profunda desesperança. Precisamos fazer uma profunda reforma política no Brasil que enfrente a lógica de que um partido como o MDB, que nunca elegeu um presidente da República, chantageie e dê as cartas há 30 anos.
O Congresso Nacional é fundamental, mas não pode decidir tudo sozinho. Uma reforma política deve colocar o povo no tabuleiro da política, propondo plebiscitos e referendos para temas fundamentais. As pessoas têm de ser ouvidas.
ESQUERDA E DESIGUALDADE
Estamos em uma guinada tão triste para a intolerância, ódio e conservadorismo que basta você ficar parado que você está na esquerda. Eu sou o candidato que defende a igualdade social, o resgate da democracia. Estamos em um ponto em que quem defende a igualdade social e se coloca contra o abismo que leva, hoje no Brasil, a termos seis bilionários tendo o que têm 100 milhões de pessoas, é tachado de extrema esquerda. Isso é sinal dos tempos.
PT E LULA
Se o PT defender o mesmo programa que estamos defendendo, seguramente [estará na base do governo]. A aliança que queremos é programática. A nossa candidatura é resultado de uma aliança do PSOL e PCB com uma série de movimentos sociais, o que é algo inédito. O PSOL vai aumentar sua bancada e vai entrar com condições de disputa em vários Estados.
De todas as coisas que nos diferenciam da direita, as mais importantes são a solidariedade e a generosidade. O fato de eu ter diferenças com o Lula, que são públicas, não quer dizer que eu vá ser conivente com injustiça. O que está acontecendo com o Lula neste momento é uma profunda injustiça, uma condenação sem provas, com setores do Judiciário agindo como chefes de partido em um movimento evidente para tirá-lo do processo eleitoral.
CORRUPÇÃO
Acredito que combater a corrupção e não ser leniente com ela é chave. Mas o combate à corrupção não pode ser motivo para perseguição política. Em alguns momentos a Lava Jato atuou de forma política, e o caso do julgamento do Lula é um deles.
VENEZUELA
A Venezuela errou ao não ter diversificado sua matriz econômica e hoje é totalmente dependente do petróleo. Quando ele estava a US$ 100 o barril, estava bem. Quando cai para U$ 40, a economia foi para o saco. Paga-se hoje o preço da não diversificação da matriz econômica. A Venezuela tem problemas na política. Mas vejo muito pouco ser falado sobre o fato de a oposição ser violenta, que comprovadamente queima alimentos. A direita tem milícias na Venezuela.
O governo Maduro foi eleito e o povo na Venezuela é quem tem de definir os destinos do país. O que é inadmissível é ter ameaças de invasão estrangeira. Se as prisões na Venezuela são políticas, isso é um problema. Se for eleito presidente chamarei o [Nicolás] Maduro para a posse, assim como chamaria o [Donald] Trump.
OCUPAÇÕES
Temos uma situação dramática no Brasil, com mais de 7 milhões de moradias vazias e mais de 6 milhões de famílias sem casa. Tem mais casa sem gente do que gente sem casa. Os movimentos sociais que lutam por moradia digna, por terra, por reforma agrária e reforma urbana seguramente teriam num governo nosso um grande aliado. Uma ocupação em um terreno ocioso não acontece porque as pessoas querem, ninguém vai lá e ocupa porque achou bonito. Elas ocupam porque não têm alternativa.
A melhor forma de lidar com problema de moradia no Brasil é ter políticas que construam milhões de moradias, não é reprimindo com polícia.