Aversão à camisa amarela da Seleção reflete fracasso do golpe
Mídia corporativa diz que é só “a esquerda” que está rejeitando a camiseta 1 da Seleção brasileira de futebol, como se vê em reportagem da Folha de São Paulo deste domingo – a seguir –, mas reportagem da Rede Brasil Atual – também a seguir – publicada na semana passada mostra que está longe de ser só “a esquerda” que teme usar o símbolo do golpe contra Dilma Rousseff; maioria não quer usar a “amarelinha”.
Confira, abaixo, as duas reportagens.
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Parte da esquerda rejeita camisa amarelinha com medo de ‘virar’ paneleira
Uniforme da seleção é associado aos atos de oposição que derrubaram Dilma
17.jun.2018 às 2h00
EDIÇÃO IMPRESSA
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Fernanda Mena
FOLHA DE SÃO PAULO
De passagem por São Paulo, o publicitário boliviano Pablo Gonzales, 29, estranhou a falta de colorido em lojas e ruas paulistanas.
O Brasil é o país mais futebolístico na América Latina. Esperava encontrar, em plena Copa, mais gente com a camisa da seleção, diz. Em voz baixa, ele arrisca: Suponho que seja por causa do 7 a 1.
Ainda que a decepção com a derrota para a Alemanha seja ferida aberta no coração da torcida, há indícios de que um outro fator possa ter contribuído com o trauma diante do uniforme verde e amarelo.
Depois que a camisa foi tomada como símbolo dos protestos pró-impeachment da presidente Dilma, ficou estranho vestir qualquer uma da minha coleção, diz o estudante Matheus Peogetti, 18.
Manifestantes que pediram Fora, Dilma, Lula na cadeia e Fora, PT em 2015 e 2016 adotaram a camisa da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) como uniforme, complicando a vida de quem quer torcer pela seleção sem ser tomado como apoiador das mesmas bandeiras.
“A camisa foi apropriada por esses movimentos porque representa o Brasil que deu certo, mas virou sinônimo da polarização política do país. Evito usar na rua. Não quero ser confundido”, admite Peogetti.
Já o auditor Vinícius Nagawa, 24, não tem receio de ser confundido com um manifestante, ainda que não tenha participado dos protestos. Eu torço é para a seleção.
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Camisa da seleção brasileira é rejeitada por parte da esquerda
Minha Folha
Para ele, o uso da camisa amarelinha nas manifestações indica o tamanho da nossa crise de identidade.
É como se precisássemos do uniforme da seleção para nos sentirmos brasileiros. Na falta de todo o resto, é o futebol que nos representa.
Ainda assim, pode não ser mera coincidência a alta performance comercial do uniforme dois da seleção: a camisa azul estaria menos identificada com o racha político que pautou brigas e agressões entre a direita verde-amarela e a esquerda vermelha, entre coxinhas e mortadelas.
A Nike, patrocinadora da seleção, informou em nota que a camisa azul caiu no gosto do brasileiro e está com um ritmo de saída acelerado, já esgotada em algumas lojas, mas atribuiu o desempenho a seu design inovador.
O que existe é um grande desconforto do pessoal da esquerda em torcer nesta Copa por causa da associação entre a camisa da seleção e o Fora, Dilma, diz o escritor cearense Ricardo Kelmer, 53.
Ele criou uma versão alternativa, na qual se lê: É goooooolllllpeee!!!. O texto, dividido em várias linhas, gera uma pegadinha visual na qual a comemoração de um gol se revela queixa política.
Outra versão do uniforme em vermelho com um machado e uma foice no lugar da insígnia da Nike viralizou nas redes sociais em abril. Em poucos dias, a designer mineira Luísa dos Anjos Cardoso, 26, havia recebido 5.000 mensagens de interessados no modelo e uma notificação extrajudicial da CBF proibindo o uso dos logotipos oficiais.
Quem é de esquerda se sentiu representado, avalia.
Professor da Universidade Federal Fluminense, Pablo Nabarrette, 38, garantiu a sua. Torcer pelo Brasil é poder abraçar o palmeirense e o vascaíno, deixando diferenças de lado. Gostaria de sentir isso também na política, mas estou muito incomodado com o uniforme verde e amarelo.
Vencedor aos 17 anos do concurso que escolheu o desenho do uniforme da seleção, em 1954, o escritor gaúcho Aldyr Garcia Schlee, 83, diz gostar da atual rejeição a sua criação após o uso político.
Usaram a camisa para derrubar Dilma como se fosse um símbolo nacional sem se darem conta de que ela representa uma entidade fraudulenta, diz, sobre a CBF, que tem dirigentes investigados e um deles preso nos EUA.
Jogadores fazem treino no campo de estreia da seleção brasilera na Copa
Minha Folha
O estudante Gianluca Minardi, 20, é um dos que vestiram o uniforme da seleção para protestar contra a corrupção e hoje sente ter se iludido.
Eu achava que o impeachment marcaria a mudança para algo diferente no Brasil, e não mudou nada. Hoje, ele diz não usar a camisa.
Já o especialista em investimentos Júlio César de Carvalho, 35, não vê motivo para deixar o uniforme no armário. Apoio o movimento político Fora, PT e gosto da seleção. São efeitos que se reforçam.
A estudante Edilene do Socorro Conceição, 25, que não queria ser confundida com uma paneleira, encontrou num novo ícone do humor nacional o apoio de que precisava para vestir a camisa.
Trata-se do personagem Rogerinho do Ingá, sucesso do programa na web Choque de Cultura, interpretado pelo ator Caíto Mainier, que só se veste com camisa da seleção sobre mangas longas brancas.
“O Rogerinho é uma crítica ao cara autoritário, independentemente da bandeira que ele tenha”, explica Mainer, 40. Ele mostra um pouco do ridículo que é ser muito radical.
O ator diz achar legal que uma galera esteja usando a camisa por causa do Rogerinho. Mas somos nós que ressignificamos os símbolos, e o fato de usar a camisa da seleção não vai fazer de alguém um paneleiro. Isso é besteira. Dá pra torcer e lutar por um país melhor ao mesmo tempo.
Para o ensaísta e professor de literatura da USP (Universidade de São Paulo) José Miguel Wisnik, que explorou as relações entre o futebol e o imaginário coletivo brasileiro no livro Veneno Remédio (Companhia das Letras), a vida pública brasileira está fortemente faccionalizada e o futebol não é capaz da magia de criar unanimidades.
A seleção não é redutível a um uso político que se faça dela, diz ele, que critica o que chama de posição puramente reativa da esquerda.
Dizer que a camisa foi apropriada é entregar o ouro.
Para Wisnik, a seleção representa nossa história de instituições corruptas como a CBF e manipulações políticas ao mesmo tempo em que é expressão da cultura brasileira e da nossa força criativa.
Em seu livro, o ensaísta explica que a relação da sociedade com a seleção é pendular e, em geral, envolve uma combinação de sucesso com fracasso que se articula com a realidade do país de maneira oposta: quando um vai bem, o outro vai mal.
Se essa gangorra funcionar, a Copa do Mundo é nossa.
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Rede Brasil Atual
Associada ao golpe, ‘amarelinha’ da Seleção é ‘esquecida’ pelos torcedores
“Uniforme” em manifestações populares pela queda de Dilma Rousseff e contra a democracia do país, camisa oficial perde em vendas para a versão azul, nas lojas de material esportivo e por ambulantes de São Paulo
por Felipe Mascari, da RBA publicado 13/06/2018 10h36, última modificação 13/06/2018 13h05
LUCAS DUARTE DE SOUZA/RBA
camisa azul seleção
Preços das camisetas da Seleção variam entre R$ 25 a R$ 65, na 25 de Março, em São Paulo, onde a procura pelo uniforme azul é maior que pela tradicional ‘amarelinha’
São Paulo – Tradicionalmente, a camiseta amarela da seleção brasileira sempre foi o item mais vendido entre os produtos lançados tendo a Copa do Mundo como tema. Mas para a Copa da Rússia, que começa nesta quinta (15), o cenário se alterou. Segundo lojistas e ambulantes ouvidos pela RBA, apesar de as vendas serem “satisfatórias”, é a camisa do uniforme número dois da Seleção, a “azulzinha”, que ganhou a preferência dos torcedores para acompanhar os jogos do time brasileiro – que estreia pelo grupo E do torneio, no domingo (17), às 15h, contra a Suíça.
A principal razão apontada pela queda do interesse na tradicional “amarelinha” é ela ter virado “uniforme” nas manifestações pró-impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, a partir de 2014. Transformada em símbolo de apoio ao golpe que derrubou a presidenta em 2016, atraiu rejeição por grande parte dos demais brasileiros. “Tá chegando a Copa e eu não vejo ninguém com a camisa do Brasil. Essa camisa virou sinônimo de filho da puta, de golpista”, disse o cantor João Gordo, do Ratos do Porão, durante apresentação na Virada Cultural paulistana do mês passado.
Em entrevista à revista Época, o escritor Marcelo Rubens Paiva afirmou que jogou fora todas suas camisetas do Brasil, por causa da lembrança política que elas trazem. “Não dá para vestir a camisa da Seleção, que virou símbolo de uma massa de manobra comandada por golpistas”, diz ele acrescentando que torcerá na Copa com o uniforme do Corinthians.
A RBA entrou em contato com lojas físicas da rede Centauro, especializada em materiais esportivos, e a resposta foi unânime: a camiseta azul é a mais vendida e está até esgotada em algumas unidades. “Geralmente, o que vem em maior quantidade é a amarela, mas a saída da azul é muito boa”, conta uma supervisora, que pede para manter seu nome em sigilo, em respeito a normas internas da empresa.
Os dados de outra rede de lojas do setor, a Netshoes (que só opera pela internet), também mostram a preferência do torcedor pelo segundo uniforme, que vem registrando procura 20% maior que a “concorrente” amarela.
As camisas oficiais usadas pela Seleção chegam ao consumidor pelo preço de R$ 450. Uma versão mais simples é vendida por R$ 249,90. Se o torcedor quiser montar um kit com meião e calção o valor chega a R$ 650.
A reportagem também foi à Rua 25 de Março, famosa pela concentração de vendedores ambulantes, os camelôs, no centro de São Paulo. No local, até porque as peças não são originais, os preços praticados são bem mais baixos – variam entre R$ 25 e R$ 65 – , e a agora cobiçada camiseta azul da Seleção também está em falta.
O supervisor de vendas Rafael Ferreira parou na barraca do camelô Edvan e levou sua camisa. “É mais chamativo. Não que a amarela seja ruim, mas a azul é muito bonita”, diz ele. “Está saindo bastante camiseta azul, se não vier comprar logo, acaba. As vendas (da azul) aumentaram, comparado a 2014”, acrescenta o vendedor.
Com três sacolas cheias das “azulzinhas”, o técnico em celulares Tadeu Freitas explica genericamente sua preferência. “O pessoal está pedindo mais, querem algo diferente.”
Alguns comerciantes relatam que a baixa procura pela versão amarela fez baixar seu preço, o que ainda lhe garante algumas vendas. “A principal vende mais porque a azul está mais cara, já que a procura é grande”, diz Dodô, que também trabalha na 25 de Março.
Queda no consumo
Segundo dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), para a Copa do Mundo de 2014, realizada no Brasil, 50% das famílias tiveram interesse em comprar itens relacionados com a Seleção Brasileira e o Mundial. Já neste ano, o percentual caiu para 24%. A procura por peças de vestuário desperta interesse em apenas 7,5% das famílias e por aparelhos de televisão, em 4,3% delas.
Em entrevista à Radioagência Nacional, o chefe da Divisão Econômica da CNC, Fabio Bentes, diz que o desemprego é um dos motivadores do índice baixo, já que o desemprego em 2014 era de 7,1% , contra 12,9% medido agora, segundo o IBGE.
“Outro fator que também ajuda, principalmente na compra de televisores, que é o carro chefe na movimentação financeira, há o comportamento do crédito, já que a taxa de juros está em 55% ao ano. Soma-se a isso o fato de o evento ser do outro lado do mundo. É normal que as famílias acabem menos empolgadas”, disse.