Justiça do Rio impõe penas duras a Sininho e demais ativistas de 2013
O Tribunal de Justiça do Rio condenou à prisão, nesta terça-feira (17), 23 ativistas acusados de participarem de atos violentos nos protestos de 2013 e 2014 na cidade. A sentença para 20 dos manifestantes é de sete anos de prisão em regime fechado, pelos crimes de associação criminosa e corrupção de menores. Os outros três tiveram a pena fixada em cinco anos e dez meses.
Na sentença, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal, não decretou prisão preventiva. Os ativistas vão recorrer em liberdade até que seus recursos sejam julgados. Mas a decisão mantém medidas cautelares, como a proibição de sair da cidade, enquanto não houver recurso.
“Deixo de decretar a prisão preventiva dos condenados, mantendo, contudo, as medidas cautelares estipuladas nos referidos acórdãos enquanto o presente feito não for remetido ao Egrégio Tribunal de Justiça para julgamento de eventual recurso de apelação”, escreveu o magistrado na peça.
Em 2015, a Promotoria pediu a prisão de 18 e a absolvição de cinco manifestantes. Porém, o juiz Itabaiana manteve a prisão dos 23 arrolados no processo. Segundo ele, os ativistas cometeram crimes de associação criminosa, dano qualificado, resistência, lesões corporais, posse de artefatos explosivos e corrupção de menores.
AS ACUSAÇÕES
Entre os condenados, estão a produtora audiovisual Elisa de Quadros Pinto Sanzi —conhecida como Sininho— Caio Silva de Souza e Fábio Raposo, estes dois últimos que respondem em liberdade pela morte do cinegrafista Santiago Andrade, da Bandeirantes, em 2014, atingido por um rojão —o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que o julgamento vá a júri popular.
A denúncia do Ministério Público do Rio diz que os réus se organizavam para praticar “ações diretas” —os atos de violência nos protestos.
A peça é baseada na investigação da DRCI (Delegacia de Repressão aos Crimes de Internet), que esquadrinhou os grupos por meio das redes sociais, interceptações telefônicas e depoimento de ao menos quatro testemunhas. Entre elas, um policial militar integrante da Força Nacional, que se infiltrou entre os manifestantes a fim de colher informações para a atuação na segurança da Copa do Mundo.
Manifestante e testemunha no processo, Felipe Braz Araújo teria apontado, dado nome e reconhecido por fotos ao menos 21 pessoas entre os condenados. A maioria havia sido presa um dia antes da final da Copa do Mundo, em 12 de julho de 2014. Na ocasião, a polícia encontrou fogos de artifício e galões de gasolina na casa de manifestantes.
Segundo a namorada do técnico de informática Luiz Carlos Rendeiro Júnior, o Game Over, Sininho teria comandado um grupo que se reuniu para tentar incendiar o prédio da Câmara Municipal, durante uma manifestação.
De acordo com a acusação, os manifestantes se organizavam em torno da Frente Independente Popular, que reunia ao menos uma dezena de movimentos sociais que participaram dos protestos que emergiram em junho de 2013.
Daquele movimento surgiram diversos outros que protagonizaram protestos do Rio, como Ocupa Câmara, Ocupa Cabral —que montou ocupação em frente ao prédio do então governador Sérgio Cabral, no Leblon— e as marchas contra a Copa do Mundo e a demolição da Aldeia Maracanã. Três testemunhas relataram que Sininho e Game Over tinham posição de liderança no Ocupa Câmara.
Ainda de acordo com a denúncia, dois grupos que integravam a frente —o OATL (Organização Anarquista Terra e Liberdade) e o MEPR (Movimento Estudantil Popular Revolucionário)— eram encarregados de planejar atos violentos.
Segundo a investigação, Filipe Proença teria criado a OATL, organização que chegou a promover um curso pré-vestibular comunitário na favela da Providência. Os líderes seriam, segundo o Ministério Público, a professora de filosofia da UERJ Camila Jourdan, e os ativistas Igor D’Icarahy, Pedro Freire, Bruno Machado, Pedro Brandão Maia, o Pedro Punk, André Basseres, Joseane Freitas e Rebeca Martins de Souza.
São apontados como líderes do MEPR o geógrafo Igor Mendes da Silva, que escreveu um livro sobre o tempo em que passou na cadeia, chamado “A Pequena Prisão”, lançado em setembro do ano passado, Shirlene Feitoza, conhecida como Moa, Emerson Fonseca e Leonardo Baroni, além da irmã de Moa, que à época era menos de idade e não está entre os réus.
Ao determinar a dosimetria da pena de cada réu, o juiz Itabaiana afirma, em cada um dos casos, que se trata de pessoa com “personalidade distorcida, voltada ao desrespeito aos Poderes constituídos”.
O juiz critica, por exemplo, o movimento Ocupa Cabral, de oposição ao então governador. “É inacreditável o então governador deste estado e sua família terem ficado com o direito de ir e vir restringido”, diz o juiz sobre o político que hoje está preso por conta das investigações da Lava Jato por desvios de verbas no estado.
A denúncia relata interceptações telefônicas em que membros da OATL e MEPR planejavam lançar coquetéis molotovs e rojões contra a polícia durante as passeatas contra a Copa do Mundo. Segundo o plano, ativistas do OATL circulavam os arredores das passeatas de carro aguardando o sinal para entregarem explosivos a pessoas a pé que estavam no protesto em pontos previamente combinados.
A polícia encontrou nos arredores de uma manifestação na Tijuca, próxima ao Maracanã, uma sacola com coquetéis molotov e diversos artefatos chamados de ouriço, que constituíam em uma esfera crivada de pregos.
ATIVISTAS VÃO RECORRER
Outra ativista condenada no processo a sete anos de prisão, a advogada Eloisa Samy Santiago diz que a sentença não tem nenhum fato comprovado. “A acusação se baseia num único policial infiltrado que diz ter me visto dando ordens para começar a quebradeira num ato pacífico em Copacabana”, diz.
Ela, que é defendida pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), afirma ter esperado por uma condenação no caso, mas não tão severa, diz, já que os acusados eram réus primários e tinham bons antecedentes —fato que o próprio juiz salienta no texto de sua decisão.
“Eu apresentei 20 testemunhas, que só me viram atuando como advogada. Aí agora vem essa pena para todos, sem individualização de conduta”, afirma Eloisa.
“Fui considerada liderança porque dormia no Ocupa Cabral, mas um grande número de advogados que dava assistência aos manifestantes ficava lá de madrugada, que era quando a polícia batia”, conta a ativista. Ela diz que vai recorrer da decisão.
O advogado João Tancredo, que defende André de Castro Sanchez Basseres, disse que a condenação foi ideológica. “O André foi punido por crime de opinião. A posição ideológica dele resultou na sentença.”
Para a defesa, o fato de Basseres pertencer a uma organização tida como anarquista resultou na decisão desfavorável. “Tenho absoluta certeza que ele será inocentado. O próprio Ministério Público pediu a absolvição dele”, afirmou.
O advogado Carlos Eduardo Martins, do DDH (Instituto dos Defensores dos Direitos Humanos), que representa seis réus (Igor D’icarahy, Camila Jourdan, Karlayne Moraes da Silva, Gabriel Marinho, Rebeca Martins de Souza e Luiz Carlos Rendeiro Júnior) disse que a sentença é desproporcional.
“Não foi provado que as pessoas estavam numa associação criminosa, algumas delas nem se conheciam. A acusação de corrupção de menores foi lançada nas alegações finais e isso cerceia a possibilidade de defesa dos acusados”, afirma Martins. Todos os ativistas defendidos pelo DDH recorrerão da decisão.
A Folha não conseguiu contato com Marino D’Icarahy, que representa parte dos manifestantes, nem com as defesas dos demais condenados.
Com informaçõesda Folha de S. Paulo.