MPF-SC participa de estratégia de intimidação contra a Universidade

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Por Luis Felipe Miguel*

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O arbítrio deu um novo e importante passo em Santa Catarina. O Ministério Público Federal local denunciou o reitor da UFSC, Ubaldo Balthazar, e seu chefe de gabinete, Áureo Moraes, sob a acusação de terem atentado contra a “honra funcional” da delegada Érika Marenna – a responsável direta pela operação arbitrária da Polícia Federal na universidade, cuja consequência direta foi a morte do então reitor Luiz Carlos Cancellier, o Cau.

Relembrando: Cau foi preso e humilhado numa operação que supostamente apuraria desvio de recursos da universidade. Acusado de obstruir as investigações, não tinha sido sequer convidado a prestar esclarecimentos antes de ser preso. Solto, foi proibido de entrar no campus. Suicidou-se dias depois, para denunciar a violência a que tinha sido submetido. O relatório final da investigação é um documento patético, em que a PF não reconhece nenhum dos seus erros e mantém todas as acusações, mas não consegue apresentar nenhuma prova do suposto desvio de verbas, muito menos do envolvimento do reitor. Ao mesmo tempo, a polícia iniciou uma campanha de intimidação contra todos aqueles que, dentro da UFSC, denunciavam o abuso de autoridade ocorrido.

A denúncia do MPF é a continuidade da estratégia de intimidação. Cabe observar que Ubaldo e Áureo estão sendo acusados de “ato comissivo por omissão”. Explicando: eles participaram de cerimônia em homenagem ao Cau, na qual apareciam faixas denunciando o abuso de autoridade e citando nominalmente seus responsáveis: a delegada Érika Marenna, a juíza Janaína Cassol e o procurador André Bertuol.

A faixa, diz o texto da denúncia, causou “injustamente a diminuição do sentimento pessoal de autoestima [da delegada], eis que publicamente caracterizada pela qualidade negativa de agente público que pratica abuso de poder”. Seria para rir. Marenna não parece ser do tipo cuja “autoestima” é abalada por algo assim; pelo contrário, deve andar em feliz, já que foi premiada pela arbitrariedade na UFSC e promovida a superintendente da PF em Sergipe. Ao terem falado em frente às faixas e permitido que a cerimônia fosse filmada pela TV UFSC, Ubaldo e Áureo assumiram, “consciente e dolosamente, o risco do efeito multiplicador do resultado” e por isso são denunciados. Em suma: o MPF os acusa por não terem reprimido a manifestação na universidade.

É a definição de manual de Estado policial. A autoridade policial comete um evidente abuso de autoridade (a invasão da UFSC, a prisão do reitor), em seguida busca impedir qualquer denúncia do abuso cometido e quer obrigar outros funcionários públicos a participar da repressão às denúncias. Três braços do aparelho repressivo do Estado – a “tróica” formada por PF, MPF e judiciário, como bem definiu meu amigo Samuel Lima – se unem para pisotear a liberdade de expressão, o direito constitucional da proteção contra o arbítrio estatal e, claro, a autonomia universitária.

Há tanta confiança na própria força, por parte destas corporações, que a denúncia contra Ubaldo e Áureo é apresentada depois que as tentativas de intimidação contra os professores da UFSC já tinham sido severamente criticadas até na imprensa burguesa e levado o próprio ministro da Segurança Pública do governo ilegítimo, Raul Jungmann, a dizer que pediria esclarecimentos à PF (órgão oficialmente subordinado a ele). Mas estamos, como escrevi outro dia, numa fase de “autoritarismo pluralista”: cada grupo que se julga provido de certo poder se esforça por exercê-lo de forma incontrolada.

Não é só a UFSC que está sob sítio. Nem sequer é só a universidade brasileira. É toda a possibilidade de exercício dos direitos de cidadania.

Cabe observar, por fim, que o procurador Marco Aurélio Dutra Aydos anunciou que “não concederá entrevistas sobre o assunto por motivo de segurança institucional”. Ganha um doce quem for capaz de explicar qual a conexão entre prestar esclarecimentos à sociedade sobre a denúncia e a “segurança institucional” do Ministério Público. Trata-se, é claro, de uma demonstração de covardia e má fé. O que se quer é evitar o questionamento da própria arbitrariedade.

Uma googleada básica me revelou que o procurador Marco Aurélio Dutra Aydos é outro dos direitistas primários que têm colonizado o Ministério Público. Assina um constrangedor blog de filosofia, com textos longos e pomposos, cujo objetivo, caso alguém tenha a pachorra de lê-los, é denunciar o “totalitarismo da esquerda”. Tudo em nível “filosófico”. Não se esquiva, porém, de, ao final de uma igualmente longa, empolada e constrangedora apresentação autobiográfica, colocar uma foto de si mesmo vestindo camiseta da CBF numa manifestação contra a democracia, em 2015.

 

*Luis Felipe Miguel é professor da UnB, coordenador do Demodê – Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades e lecionou na universidade, em 2016, uma disciplina sobre o golpe de estado contra Dilma Rousseff.
Reprodução autorizada pelo autor.  Postagem no Facebook em 25 de agosto de 2018.