Banqueiros dizem que crise política está afundando o Brasil

Todos os posts, Últimas notícias

Há dez anos, em 3 de novembro de 2008, o Itaú Unibanco escrevia a página mais importante de sua história, ao anunciar a união dos negócios do clã Moreira Salles aos das famílias Setubal e Villela.

A fusão entre o Unibanco, criado em 1924, e o Itaú, de 1944, deu origem ao maior banco privado do país.
Uma década depois, as cabeças à frente dessa delicada operação afirmam que, mais uma vez, é hora de virar a página. Agora, porém, falam do Brasil.

“Passada a eleição, é virar essa página. Unir o país. Precisamos de um país que ande para a frente, com crescimento”, disse Roberto Setubal, hoje copresidente do Conselho de Administração do Itaú Unibanco Holding, em entrevista à Folha na quinta-feira (1º).

Acompanhado do também copresidente Pedro Moreira Salles, os executivos relembraram desafios e desconfianças a respeito da fusão.

“As pessoas perguntavam: ‘Mas será uma fusão mesmo? Se for, não vai dar certo. Não pode ser 50-50. Tem algum acordo que ninguém conhece’”, lembrou Moreira Salles.
E dizem que, com limitações para novas aquisições no Brasil, o plano é retomar o horizonte de internacionalização traçado já em 2008, mas que esbarrou em questões regulatórias e tributárias.

“É a peça faltante”, afirmou Moreira Salles.

Em retrospecto, qual o balanço da fusão após dez anos? 

Roberto Setubal O primeiro ponto relevante é que deu muito certo entre a gente: a minha relação com o Pedro, dos controladores, da família Villela. Esse foi um elemento fundamental para o banco atingir a posição que tem hoje. Esse ponto passa meio despercebido, mas pessoas que têm sócios entendem.

Estamos cheios de sociedades que dão errado por falta disso.

Uma fusão é meio como um casamento; vocês vão ficar juntos para sempre. É preciso ter uma visão de futuro muito igual, as mesmas ambições, espaço para todo o mundo. É delicado. Pedro gosta de falar que a gente nem sempre concorda, mas só entre a gente.

Pedro Moreira Salles Para fora, a gente sempre concorda.

RS Estamos sempre alinhados (risos).

PMS Se os dois concordassem sempre, não precisava de um dos dois. O que a gente se comprometeu a fazer —com altos e baixos, claro— está feito. Poucas fusões dão certo, e acho que a gente virou um case, várias universidades acompanharam. Se olhar outras integrações, vai ver que, passados dez anos, essas organizações ainda têm problemas tribais, por assim dizer.

A nossa foi possível por causa da honestidade intelectual do Roberto, que estava com a mão no manche.

No início todo mundo achava: ‘Bom, isso aqui acabou. O Roberto vai selecionar os caras dele’.

Se a gente voltar atrás, havia muitas dúvidas. As pessoas perguntavam: ‘Mas será uma fusão mesmo? Se for, não vai dar certo. Não pode ser 50-50. Eles disseram que concordaram em concordar, mas não podem. Deve ter um desempate. Tem algum acordo que ninguém conhece.’

Existiu mesmo essa visão. Todo o mundo disse que o Unibanco seria engolido. 

PMS O que eu ouvi disso… Eu ia lá no Roberto e falava: ‘As pessoas estão dizendo isso, isso e isso’. E o Roberto dizia: ‘Olha aqui a minha lista. É a mesma coisa do meu lado’. E era compreensível. As pessoas tinham escolhido a empresa A ou a empresa B. Eram concorrentes antes.

Quando isso se tranquilizou? 

RS Em dois, três anos.

PMS  Criou-se, logo no segundo ano, um evento em que nós dois íamos não para falar de resultados, mas de cultura; dedicamos um tempo relevante para comunicar isso. Fazer a seleção de quem representava a nova cultura. Pessoas importantes que não queriam aceitar o novo status quo deixaram a organização. A cultura expulsa quem de alguma maneira não se adéqua.

Quem entendeu que não tinha jogo de cartas marcadas, que se criaria uma coisa nova e embarcou nisso, olha para trás e diz: ‘Que coisa bacana eu fiz’. Se você anda pelos corredores do banco hoje e vê a descontração das pessoas, sabe. Não é Itaú ou Unibanco. É uma cultura nova.

RS E vamos lembrar que estávamos há seis anos da incorporação do BBA. Teve um pouco do sangue do BBA nisso. Depois, adquirimos uma parcela relevante de 30% da Porto Seguro. Fechamos o capital da Rede, o maior já feito no Brasil. Fizemos a aquisição do Citibank Brasil e do Citi Uruguai, do CorpBanca [Chile] e, agora, da XP. Ganhamos mercado nesse período. Os números são muito sólidos. E o banco continua olhando oportunidades. Temos capital e interesse para crescer.

Na época, em entrevista à Folha, Moreira Salles disse que uma das metas da fusão era dar musculatura a uma instituição brasileira para que fosse global, mas a internacionalização não ocorreu na dimensão projetada. O que houve?

PMS É a peça faltante.

RS Era, e continua sendo, o sonho. A gente não conseguiu cumprir por algumas questões. A primeira delas é regulatória, tributária. Temos um total desincentivo para expansão no exterior. A nossa tributação de rendimento no exterior nos torna pouco competitivos.

PMS Pouco competitivo na hora em que você vai concorrer para fazer a aquisição.

RS E para operar também, né, Pedro?

PMS Em geral os concorrentes pagam uma alíquota que é 10 ou 20 pontos percentuais menor. Na hora que você coloca no papel, a diferença é brutal.

RS O Brasil é o único país com essa situação atípica, que precisamos saber como superar. Mas a intenção continua sendo uma expansão externa.

No Chile, tivemos alguma dificuldade de integração, de incorporar um banco que tinha problemas e transformá-lo para operar nos padrões de qualidade, risco e rentabilidade que queremos. Não é fácil. Mandamos uma equipe de primeira para lá. Olhando os resultados, estamos nos provando que somos capazes. Isso nos dá coragem para coisas mais ambiciosas.

Vocês já estão olhando alguma coisa? 

RS Sempre olhamos.

PMS É preciso entender o contexto. Quando a gente começou a conversar, em 2007, não tinha acontecido ainda a crise de 2008. Os bancos estavam globalizando; aliás, a razão que nos levou a conversar foi a história do Santander com o Real aqui no Brasil. Pela primeira vez ia ter um banco não apenas global —logo muito competitivo—, mas com uma escala local que um banco estrangeiro jamais havia tido. Certamente maior que o Unibanco à época e colado no Itaú. Essa era uma ameaça. E a conversa era: se nos juntarmos, podemos fazer isso na outra ponta.

Veio 2008, a crise, o mundo regulatório mudou, e reguladores não gostam de bancos globais. Com isso, uma série de bancos bateu em retirada. No Brasil, o HSBC e o Citi. O HSBC saiu de vários países. O movimento na direção de bancos globais entrou num processo de reversão. Que, eu acho, agora, passados dez anos, está se sedimentando.

O relator da fusão no Cade [Conselho Administrativo de Defesa Econômica] disse à Folha que a fusão Itaú Unibanco poderia não ser aprovada hoje. Qual a sua avaliação? 

RS Difícil dizer. Na época foi aprovada com tranquilidade. Há uma percepção de que falta concorrência no Brasil. Agora, o mercado aqui não é muito diferente de outros. Canadá, Austrália, França, Espanha, Inglaterra têm quatro, cinco grandes bancos e alguns pequenos. Acho que a questão de juro alto, spread alto, tem uma série de pontos técnicos que precisam ser endereçados para que a gente resolva.

Elementos dessa equação melhoraram. A Selic [taxa básica de juros] caiu. Veio a reforma trabalhista, que está mudando o ambiente e custos e tira pressão. O que hoje está faltando para a gente ter um spread melhor e o juro cair?

RS A reforma terá impacto, mas é muito recente. Todo o ambiente regulatório precisa melhorar. Há uma série de questões, como a tributação da intermediação financeira, que é muito alta comparada à de outros países, a tributação sobre lucros de bancos.

Quando se tributa banco, está se tributando a atividade de intermediação financeira e isso, infelizmente, acaba indo para o valor do empréstimo. Se você aumenta o tributo da gasolina, quem paga esse imposto não é a Petrobras, mas quem compra a gasolina.
PMS Tem uma série de medidas que estão sendo debatidas e que, se fossem implementadas, levariam a essa revisão da estrutura de custo. Mas veja a briga que é o Cadastro Positivo. Ficam dizendo que os bancos não querem. Os bancos querem para ontem, porque você vai poder dar um crédito melhor.

Ninguém gosta de inadimplência.

Agora, voltando ao Cade. Tem que lembrar o que era 2008. Demos uma demonstração de força ao fazer a fusão. Não estávamos em nenhuma lista de destaque e, quando nos juntamos, passamos a ser o 16º banco do mundo. Se para aprovar a XP teve essa dificuldade, acho que é uma obviedade dizer que hoje não seria aprovada [a fusão Itaú Unibanco].

Agora, o problema não é esse, é que tem que colocar o chapéu de 2008 e as circunstâncias de 2008. E o que aconteceu de lá para cá.

Na XP, o BC foi duro? 

RS Muito. Ficou patente. Não vou esconder. Foi duro, sim. A gente não esperava isso. Até porque a gente imaginava, como sempre foi, que o Cade seria mais difícil.

Onde as exigências pegaram?

RS Tivemos de abrir mão de muitas coisas. A mais relevante é que o contrato original previa o direito de adquirir o controle [da XP] em 2033. Isso abria uma perspectiva muito diferente. O Banco Central impediu isso. Impuseram também uma série de limitações de participar da gestão.

Pensam na internacionalização agora, porque o ambiente aqui está ficando mais apertado?

RS É, nossa possibilidade de crescimento está muito limitada, ela é basicamente orgânica. Praticamente, não temos mais possibilidade de fazer aquisições [no Brasil].

No meio do caminho teve Operação Lava Jato e recessão. Como foi isso para o banco?

PMS Ainda bem que já estávamos juntos.

RS Começou-se a perceber que a economia não ia tão bem já em 2012. Lembro de a gente discutir num conselho que precisávamos estar mais afinados no crédito. A gente já começou a tomar certo cuidado porque percebíamos que a economia estava reduzindo o crescimento. O momento que veio foi muito pior do que a gente imaginava. Uma recessão de 7% em dois anos não é um negócio que acontece com frequência.

A Lava Jato nos preocupou. Muitos clientes estavam envolvidos com problemas graves e isso teve consequências do ponto de vista de crédito. Algumas empresas estão em recuperação judicial e outras com muitas dificuldades de cumprir seus compromissos.

Atravessamos esse momento. Não estamos envolvidos em nenhuma atividade que pudesse causar preocupação. Nunca estivemos nos jornais pelas razões erradas.

A retomada tem sido lenta. Ainda há risco? 

RS Ainda tem problemas. Empresas grandes ainda estão em dificuldades, endividadas. Mas, de forma geral, estamos num caminho para crescer 2% ou 3% nos próximos anos. Mas o Brasil há 30 anos cresce menos que a média do mundo, que gira em torno de 3% a 3,5%. A gente precisa ter como ambição crescer 3,5%, 4% [ao ano].

PMS Por isso se fala tanto em reformas. Parece um disco quebrado.

RS Acho que, de uma forma geral, o brasileiro não tem noção de como o Brasil perdeu competitividade no mundo, como está perdendo importância econômica.

Numa reunião com investidores em setembro, Setubal disse que não era o momento para tomar risco. Passada a eleição, isso já começa a ser reavaliado?

RS Sim, o cenário fica mais claro. A pior situação é a incerteza.

Estamos no quarto dia após a eleição. Alguns anúncios já estão sendo feitos… 

PMS Está muito cedo para dizer. Precisamos esperar o cenário inteiro, saber qual é o programa. Não se discutiu programa nessa eleição. Foram inferências.

Essa foi uma eleição diferente, em que forças políticas trocaram de lugar. Como fica o ambiente de negócios? 

RS A incerteza é, sem dúvida, o elemento que pega diretamente. Passada a eleição, é virar essa página. Unir o país. Precisamos de um país que ande para a frente, com crescimento. O banco não tem posição política. Isso tem que ficar muito claro. A posição do banco é contribuir para o desenvolvimento do país, em qualquer governo. Sempre estaremos dispostos a colaborar e a fazer nosso papel. Não queremos entrar em avaliações e julgamentos de pessoas e situações.

PMS Saímos de uma coisa muito inusitada, com muito mais oposição —esse eu não quero— do que adesão. Foi a primeira vez, que eu me lembre, que o processo se deu assim. Mas o Brasil só dará certo se conseguir virar essa página. Se ficar dividido vai ser muito difícil, porque tudo se torna politizado. Todos viram torcedores. Isso é ruim para o país. Compete a quem está assumindo saber dar esse passo.

É muito importante que isso aconteça porque agora está definido. A Bolsa sobe, o dólar cai. É o investidor se posicionando. Falta entender qual é o projeto. Temos apenas especulações.

Mas, independentemente do cenário, existem desafios enormes para as instituições financeiras. A gente se preocupa muito mais com isso do que com a questão imediata da política. Que tipo de nova concorrência vem aí, como que você atrai o novo cliente, são as nossas questões.

As fintechs [empresas de tecnologia da área financeira]mudaram a concorrência? 

RS Sem dúvida. No sistema financeiro hoje, para o bem e para o mal, temos a seguinte situação: se alguém está fazendo uma coisa diferente, você pode copiar no dia seguinte. Não tem carta patente, não tem nada que te impeça de fazer igual.

Tenho certeza de que, em 20 anos, estaremos aqui. Pode ser como um banco completamente diferente. Pode ser digital. Mas estaremos aqui.

Da FSP.