Como foram os últimos dias de Temer na presidência

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Em uma pequena solenidade, fechada à imprensa, o mandatário do país foi agraciado no início da tarde de 17 de dezembro com o título de sócio honorário da Câmara de Dirigentes Lojistas do Distrito Federal, um reconhecimento por medidas de seu governo que beneficiaram o setor e a capital federal.

No discurso, Temer agradeceu “essa delicadeza extraordinária” e aproveitou para citar alguns feitos da sua administração: “Ao longo do tempo, nós conseguimos, e, modestamente, talvez, colocar, na verdade, o Brasil no século 21, porque nós estávamos no século 20”, disse, repetindo uma marca comum nos seus discursos, que é exaltar seu trabalho ao mesmo tempo em que ressalta sua humildade.

Pouco depois, ele fez um breve deslocamento até o Palácio da Justiça para receber outra condecoração, dessa vez de seu próprio governo – a Ordem do Mérito do Ministério da Justiça, criada em outubro e concedida pela primeira vez.

Temer – que chegou à presidência em maio de 2016 após o afastamento de Dilma Rousseff e deixa o poder em 1º de janeiro com apenas 5% de aprovação popular – teve seus últimos momentos no Planalto marcados, principalmente por pequenas homenagens como essas e reuniões com membros do seu governo e aliados próximos.

Diferentemente do início de sua administração, quando Temer recebia em seu gabinete grandes lideranças empresariais como a presidente mundial do banco Santander e o presidente mundial da Basf (maior indústria química do mundo), a agenda do presidente não mostra compromissos dessa estatura em novembro e dezembro deste ano.

Nesse período, foram poucas as viagens para outros Estados do país, parte delas também para ser homenageado, incluindo a inauguração na última quarta-feira do Centro de Memória Presidente Michel Temer, na Faculdade de Direito de Itu, no interior de São Paulo, instituição privada onde foi professor de 1969 a 1984.

O local, que abrigará presentes, cartas, álbuns de fotografias e livros que o presidente recebeu em seu mandato, traz também uma linha do tempo de sua vida.

Um novo fato importante acontecia no mesmo dia em Brasília – a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apresentava a terceira denúncia criminal contra Temer durante seu mandato, dessa vez por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no inquérito que apurava um esquema criminoso no setor de portos.

O marasmo da agenda de Temer contrasta com os dias finais de Luiz Inácio Lula da Silva, último presidente a concluir o mandato e passar a faixa adiante, no caso para Dilma Rousseff, no primeiro dia de 2011.

O petista, preso desde abril pela operação Lava Jato, vivia então o auge da sua popularidade e passou metade do último mês de governo viajando o país.

No final de dezembro de 2010, foi homenageado com o show “Obrigada, presidente Lula”, organizado no Sambódromo do Rio pelo então governador do Estado, Sérgio Cabral, que hoje também está preso por corrupção.

O evento teve Zeca Pagodinho e Martinho da Vila como atrações especiais e foi custeado com R$ 507 mil reais do MDB – era época de vacas gordas nos partidos, com contas alimentadas por doações de empresas.

Quando Lula deixou o Planalto, festejado pela maioria da população e reverenciado internacionalmente, certamente não podia imaginar que estaria oito anos depois detido em uma cela em Curitiba, condenado por ter recebido propina por meio de um imóvel da empreiteira OAS, o que ele nega.

Michel Temer, por sua vez, deixa o governo já com três denúncias criminais para responder na Justiça – todas serão enviadas à primeira instância assim que acabar seu mandato. Além da mais recente envolvendo o setor de portos, as duas primeiras partiram da delação de executivos da JBS e acusam Temer e aliados de receber propinas de empresas beneficiadas por decisões do governo ou contratos públicos.

O presidente nega todas as acusações e se diz vítima de uma perseguição. As denúncias ficaram paradas porque a Câmara dos Deputados não autorizou o andamento.

Quando questionado por jornalistas se teme ser preso ao deixar o Planalto e perder as proteções garantidas pelo cargo de presidente, Temer se mostra ofendido.

“Não estou preocupado com esse assunto. Até porque chicotear o presidente é uma coisa. Já o ex-presidente já não vai ter muita graça”, disse à revista Época, indicando uma expectativa de que a perda de poder lhe dará mais sossego.

Aliados próximos, porém, reconhecem que o contexto assusta. Diversas pessoas do círculo íntimo do presidente já foram presas provisoriamente, como o empresário José Yunes e o coronel João Baptista Lima, investigados também no inquérito sobre o setor de portos.

Já o ex-ministro Geddel Vieira Lima, que teve R$ 51 milhões em dinheiro encontrado dentro de um apartamento em Salvador, está detido no presídio da Papuda desde setembro de 2017, enquanto o ex-ministro Henrique Eduardo Alves ficou cerca de um ano preso preventivamente e, desde julho, responde a acusações de corrupção em liberdade.

“Lógico que ele tem preocupação. Todo mundo que eventualmente tem algum tipo denúncia (sente preocupação)”, disse à BBC News Brasil o deputado federal Beto Mansur (PRB-SP), um dos aliados que manteve visitas ao presidente mesmo no fim do mandato.

“Mas todos nós que trabalhamos na defesa do presidente sabemos que aquelas denúncias, que foram rechaçadas pela Câmara, são completamente inócuas”, acrescentou, ressaltando que Temer “não vai sair do país”.

Procurada para falar sobre os últimos dias de Temer no governo e suas perspectivas, a Presidência da República não respondeu até a publicação desta reportagem.

Em discursos e entrevistas, Temer tem repetido que foi vítima de uma “trama”.

Seu pesadelo começou quando recebeu tarde da noite em março de 2017 no Palácio do Jaburu o empresário da JBS Joesley Batista.

Em gravação feita pelo executivo, o presidente é ouvido falando “tem que manter isso aí, viu?”, sobre a boa relação de Joesley com o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, que também está preso em Curitiba.

O executivo registrou a conversa para usá-la em uma delação premiada, e a Procuradoria-Geral da República acusou Temer de dar aval para uma mesada ao ex-deputado. Depois, a legalidade do acordo de delação foi posta em xeque quando veio à tona indícios de que o procurador da República Marcelo Miller teria orientado as ações de Batista.

O presidente, que espera ser reconhecido como um reformista, tem repetido em discursos e entrevistas que essas denúncias, na verdade, visavam impedir as mudanças nas regras da Previdência. Não há provas de que essa fosse a intenção, mas o resultado é que Temer gastou todo seu capital político para se manter no cargo e sua principal promessa ficou pelo caminho.

Na seara do controle das contas públicas, ele ainda levou uma rasteira no apagar das luzes reveladora do seu enfraquecimento político.

Na semana passada, quando Temer estava no Uruguai para encontro do Mercosul, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, aproveitou a posse momentânea da caneta presidencial para sancionar a flexibilização da Lei da Responsabilidade Fiscal. Na volta, o presidente ressaltou, por meio de nota, que sua intenção era vetar a alteração da lei.

Apesar dos percalços, Temer tem comemorado as conquistas econômicas de seu breve governo – conseguiu reduzir a inflação e os juros e retomar, ainda que lentamente, o crescimento após a forte recessão herdada do governo Dilma.

Exalta com frequência a PEC do Teto – que criou um limite para o aumento dos gastos, mas deve se mostrar inócua sem a reforma da Previdência – e a também controversa Reforma Trabalhista.

O presidente está especialmente feliz em passar a faixa para Jair Bolsonaro, e não Fernando Haddad, candidato do PT derrotado no segundo turno – inclusive já revelou publicamente ter votado no vitorioso.

Ele e seus aliados gostam de destacar a continuidade da política econômica e a manutenção de parte da equipe da área pelo futuro ministro Paulo Guedes.

O atual ministro do Planejamento, Esteves Colnago, por exemplo, será o secretário-adjunto da Fazenda. Tarcísio Gomes de Freitas, que faz parte do programa de concessões de Temer, será o ministro da Infraestrutura.

“Foi uma alegria para todos (a eleição de Bolsonaro). Imagina fazer a transição pro governo do desastre? Duplo resultado: impediu que voltasse o governo do descalabro econômico e ético e permitiu que surgisse um outro governo com visão reformista. A equipe de Bolsonaro é mais liberal do que a nossa”, afirma o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), fiel escudeiro de Temer nos períodos mais difíceis.

Outro efeito positivo para ele da eleição de Bolsonaro foi o movimento #FicaTemer nas redes sociais. Embora tenha sido criado mais por opositores do atual presidente que gostam menos ainda do presidente eleito, Temer entende ser um reconhecimento por suas realizações.

“Ele ficou feliz (com o #FicaTemer). E a pesquisa da CNT/Ibope que saiu semana passada, se somar o ótimo, bom e regular, está com 25% de aprovação. Olha, é um ótimo índice, para quem estava com 3% antes da eleição”, ressalta Perondi, confundindo os resultados da pesquisa.

Temer conclui seu mandato com uma leve melhora em relação ao pico de desaprovação registrada em setembro de 2017, época em que enfrentava a votação das denúncias na Câmara dos Deputados. Tinha então 3% de avaliação “ótimo e bom” na pesquisa CNT/Ibope. Hoje tem 5%. Considerando também quem avalia seu governo como regular, a taxa passou de 19% para 23%.

Resultados tão baixos nunca foram alcançados por Dilma, Lula ou Fernando Henrique Cardoso desde 1999, quanto teve início a pesquisa.

O plano do presidente a partir de janeiro é retomar uma atuação eventual como advogado, produzindo pareceres. A expectativa de aliados próximos é que não se ocupará mais de política partidária, por exemplo na rearticulação do MDB, nem causará muito nas redes sociais, como fez durante as eleições, quando postou vídeos no Twitter direcionados às contas dos candidatos Geraldo Alckmin e Fernando Haddad rebatendo ataques e cobrando: “fale a verdade”.

“Ele vai se preservar num primeiro momento”, acredita Beto Mansur.

Da BBC