Dia do não fico: onde Bolsonaro governa Bolsonaro não deveria ficar

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Por Nereu H. Cavalcante*

Durante a campanha para presidente do Brasil de 2018 assistimos do tosco, estúpido e bárbaro ao hilário, jocoso, irônico e inacreditável. Vimos um candidato a presidente, Jair Bolsonaro, dizer que se ele não vencesse e o PT levasse iria buscar sua dupla cidadania e ir embora do país. Antes tivesse sido assim. E ainda se diz patriota. Não passa de sabujo que vai nos humilhar e nos submeter novamente ao império estadunidense.

Um outro desconhecido da política, a subcelebridade chamada doutor Rey, disse que pediria o Ministério da Saúde em um provável governo de Bolsonaro. Dito, feito e ignorado. Tristonho, fez vídeo dizendo que iria voltar aos Estados Unidos, já que não pode ajudar sua pátria.

Quando vemos as declarações dessa gente despreparada, como o boçal que se tornou presidente (!), percebemos que a pátria é o que menos importa. O Brasil é, para eles, apenas um cabide de emprego. Isso é bem ilustrado pela família Bolsonaro (Jair e os filhos são parlamentares improdutivos e barulhentos e agora veio à tona que até a primeira dama já foi empregada em gabinetes…).

Ao assistir ao circo lamentável, impossível não lembrar de pessoas do porte de Leonel Brizola, Miguel Arraes e outros de mesmo naipe, que foram exilados em terras distantes, para onde levaram muita saudade, enquanto deixaram aqui o seu coração. Após o exílio, puderam se reencontrar com a pátria amada.

O que vemos agora são aventureiros sem compromisso com o Brasil mas querendo se servir desta magnífica terra apenas para uso das próprias conveniências.

Bolsonaro, desconsiderando o seu viés impatriota, caso quisesse ir embora do país se o PT ganhasse a eleição, deveria considerar a administração petista — e como o seu principal líder, Lula, administrou este país imenso.

Analisar, por exemplo: com quanto o Lula encontrou o crescimento do PIB do Brasil (1%) e a quanto chegou ao final de seu governo (7,5%); em quanto tempo ele fez isto, no ranking das nações mais ricas do mundo; em que patamar estávamos quando ele assumiu (15°) e em qual ele deixou (6° lugar em 2011, um ano após a sua saída, sendo ainda reflexo do seu governo).

Deveria analisar os seus méritos, que são tantos que, se fôssemos citar aqui, deixaria o texto muito extenso. E analisar também os seus deméritos, ou pelo menos procurá-los e fazer uma análise inteligente, isto é, conhecendo os fatos, os números, os motivos, não se deixando influenciar por tendências ideológicas, nem fake news ou qualquer parcialidade. Só depois disso seria possível decidir ir ou não embora.

Mas estamos falando de Bolsonaro. E quem tem o pensamento dele não pode jamais pretender um cargo público no Brasil, muito menos o de presidente da República, cuja função também é um símbolo do país. O mandatário deve ser uma pessoa que, se necessário, morreria pelo seu país, como diz no Hino Nacional. Getúlio Vargas o fez. É impensável um homem que queria ser presidente ameaçar requerer dupla cidadania e ir embora do país.

Vejamos o Lula, perseguido político implacavelmente poderia solicitar asilo em qualquer país para garantir até a sua segurança pessoal mas prefere ficar no Brasil, ameaçado e enfim, encarcerado e correndo risco de ser morto em qualquer momento.

Os mais atento, porém, sabem que Bolsonaro se candidatou sem a pretensão de ser eleito, ao estilo Levy Fidelix, que se candidata a presidente pleito atrás de pleito apenas para estar em evidência, administrar o fundo partidário e negociar vantagens para o seu partido. O risco, porém, é ser eleito. E foi o que aconteceu com Bolsonaro.

Era evidente que Bolsonaro não achava que seria presidente. É um cidadão que não sabe nada sobre nada. Ele ficou atordoado, por exemplo, diante de duas perguntas: uma sobre o que faria em relação ao déficit fiscal estrutural e a outra sobre a crise na saúde. Diante de perguntas básicas a um candiato à presidência, ele demonstrou que não se preparou minimamente para exercer um cargo dessa importância.

Sem dúvida ele acreditava que não seria eleito. Não são incomuns candidaturas assim. Na cidade de Ribeirão Pires, em São Paulo, um cidadão folclórico chamado Roberto Bottacin, em 1978, candidatou-se a Papa, também com a perspectiva de que jamais seria eleito, mas que o feito lhe garantiria alguns momentos de  fama.

O cidadão já havia conseguido com o prefeito da cidade, por volta do mesmo ano, aposentar uma mula por tempo de serviço. É óbvio que a mula não receberia proventos, mas poderia terminar os seus dias sem mais obrigações, apenas pastando, assim como a atual reforma da previdência propõe. Se bem que a reforma  não pressupõe descanso ao trabalhador, apenas a pastagem até o descanso final.

E por falar em candidaturas sem pretensão ao cargo, voltemos a Bolsonaro. Essa tragédia que infelizmente vamos viver nos próximos anos me faz lembrar de um conto que também tem um burro e um candidato eleito.

O conto fala de uma cidade pequena onde o povo queria se livrar dos políticos corruptos e, para tanto, reuniu-se e combinou votar para o cargo máximo da cidade, ou seja, prefeito num “ficha limpa”, na pessoa sem nenhum envolvimento com atos de corrupção.

Na cidade existia um homem muito simples, que tirava seu sustento apenas do serviço que fazia puxando ou montado num burrinho. E era só isso que ele fazia e só isso que sabia fazer. Por isso era conhecido como Zé do burro. A população decidiu e, em massa, votou em Zé do burro para prefeito.

Eleito Zé do burro, a população foi aclamá-lo e conduzi-lo ao seu posto de prefeito da cidade. Ao chegar a seu humilde rancho, a massa o encontrou terminando de arrear o burro para ir embora.

Todos estavam perplexos. Então, alguém indagou: “Zé do burro, agora que você é o prefeito da cidade, você vai embora?”. Sensatamente, Zé do burro respondeu: “Numa cidade na qual Zé do burro é prefeito eu não fico.”

Se o Bolsonaro tivesse a sensatez de Zé do burro, este seria o momento de ele requerer a dupla cidadania ou qualquer uma de outro país e dizer: “Em um país que elege Jair Bolsonaro para presidente da República eu não fico.”

Seria uma bela data para se comemorar: o “Dia do Não Fico”.

*Nereu H. Cavalcante é filósofo e ex-sindicalista do Sincato dos Petroleiros.