A essa altura, eleitores de Bolsonaro já estão caindo na real
Leia a coluna de Fernando Canzian, jornalista, autor de “Desastre Global – Um Ano na Pior Crise desde 1929”. Vencedor de quatro prêmios Esso.
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Bolsonaro queima largada e mostra realidade à massa
Em “Psicologia das Massas e Análise do Eu”, Sigmund Freud (1856-1939) descreveu os mecanismos que alguns líderes e organizações empregam para atrair seguidores diferentes em torno de um único propósito.
O texto é dos anos 1920 e antecipou o caminho das multidões europeias na direção do fascismo e do nazismo —fenômenos que colocariam no mesmo barco cidadãos pacíficos e gente capaz de cometer barbaridades.
“Quem quiser influir sobre elas [as massas] não necessita medir logicamente os argumentos; deve pintar com as imagens mais fortes, exagerar e sempre repetir a mesma coisa”, diz Freud.
Nas massas, o cidadão encontraria elementos que, sozinho, não seria capaz de exercer ou identificar: força; uma invisibilidade que o exime de responsabilidades; contágio com os demais; e um estado de sugestão quase hipnótica em relação ao líder.
Assim, a capacidade intelectual das massas ficaria bem abaixo da dos indivíduos, permitindo que pessoas e ideias opostas se suportem e coexistam sem conflitos lógicos.
“Como a massa não tem dúvidas quanto ao que é verdadeiro ou falso, e tem consciência de sua enorme força, ela é, ao mesmo tempo, intolerante e crente na autoridade”, escreve Freud. “Nela, o irreal tem primazia sobre o real.”
Os motivos inconscientes desse comportamento teriam a ver com o império da libido sobre os sujeitos e a busca de afetividade e reconhecimento que acabam intensificados dentro da massa.
Mas o que vem ao caso aqui é como esse comportamento pode se dissolver. Bem a propósito, isso é tema do capítulo “Duas Massas Artificiais: Igreja e Exército”, ambas organizações caras a Jair Bolsonaro.
Seus seguidores e de outros líderes viveriam na ilusão de que existe um chefe supremo bondoso e incorruptível (Deus, um general, um presidente “mito”) que funcionaria como um substituto paterno.
No caso da igreja, apoiada em algo que não se pode demonstrar, a fantasia já dura 2.000 anos. No de exércitos, apesar de leis marciais, há inúmeros casos de dispersão diante da morte de um comandante ou de seu fracasso em uma batalha.
Em relação a líderes que não exercem a coerção pela fé ou pela força, pode-se pensar que a dissolução das massas que os sustentam se dá pela constatação de que não são, afinal, o que diziam representar.
Para vencer, Bolsonaro cumpriu um roteiro de discursos simples e repetitivos contra o PT e a corrupção, que agora assombra sua própria família.
E teria virado “mito” ao diminuir a capacidade intelectual de sua massa a ponto de ela não se importar com seu discurso agressivo e repertório evidentemente limitado.
A essa altura, cada indivíduo da massa já deve estar tendo que avaliar sozinho o que de fato está acontecendo.
Da FSP