Bolsonaro se vê tentado a trocar medidas necessárias pela popularidade
Os sinais de desacordo entre o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica, emitidos nos primeiros dias de governo, espalharam incertezas sobre a coesão indispensável para garantir a condução das soluções esperadas para os graves problemas que assombram a economia e perturbam a paz social.
Eleito ancorado nas ideias liberais do economista Paulo Guedes, a quem Bolsonaro se referia como seu “posto Ipiranga”, causou estranheza o próprio presidente manifestar posições contrárias às questões nevrálgicas do programa defendido pelo seu ministro da Economia.
Foi o que fez ao anunciar o aumento do IOF para compensar programas de subsídios para as regiões Norte e Nordeste, desmentido por um de seus colaboradores horas depois.
Mais inquietantes foram as declarações sobre a reforma da Previdência, absolutamente imprescindível e sem a qual o saneamento das contas públicas jamais sairá do campo das boas intenções, a menos que a sociedade aceite cortes extremamente severos em áreas essenciais, como saúde e educação, e nos já combalidos índices de investimentos.
Em seu discurso de posse e entrevistas posteriores, Guedes reafirmou com precisão e didatismo os princípios liberais que deveriam nortear a trajetória do governo: retidão fiscal, abertura da economia, redução do tamanho do Estado, privatização de empresas estatais, eficiência da máquina pública, simplificação tributária, tudo com a precondição da reforma da Previdência.
Essa seria a base para promover a modernização da economia e a supressão dos privilégios que contaminam as relações entre o público e o privado. Para Guedes, tais reformas garantirão uma década de crescimento em torno de 3,5% ao ano.
Entre os empresários, a maioria endossa as teses do ministro da Economia e aguarda com atenção o detalhamento e a estratégia política para sua aprovação no Congresso. Implicitamente aguarda também o comprometimento cabal de todo o governo com o plano de ação —a fonte de preocupações devido às idas e vindas das declarações do presidente.
O risco é que, tal como aconteceu com os governantes anteriores, Bolsonaro se veja tentado a trocar as medidas necessárias, várias delas amargas, pela popularidade que desfruta neste momento. O populismo é um mal recorrente em nossa longa história, com resultados sempre fugazes.
O apoio popular se dissipa com a mesma velocidade com que os problemas econômicos e sociais se acentuam, justamente pela ausência de ação coordenada das autoridades.
A onda de violência que assusta Fortaleza, repetindo roteiro já visto em outras capitais, expõe mais uma vez o caos decorrente da inoperância governamental e coloca em xeque o poder do Estado diante do crime organizado, aumentando a sensação de insegurança entre os brasileiros.
O governo Bolsonaro ainda mal começou, mas seu tempo é curto para alinhar o discurso e as expectativas criadas às políticas e aos programas que transformem as palavras em ações efetivas.
Cada dia perdido entre devaneios políticos, distrações ideológicas e divisão exposta sobre o que precisa ser feito só serve aos lobbies que buscam a preservação de suas vantagens e privilégios, mesmo que à custa do sacrifício do interesse maior da sociedade, sobretudo dos mais pobres.
A falta de coesão abre um campo fértil para os interesses escusos, implicando fraturas políticas, paralisia decisória e, por fim, a desconfiança da sociedade, um tripé que já demonstrou, mais de uma vez, o quanto pode ser perverso para o destino do país.
Da FSP