Circulação de armas causa mais mortes, não mais segurança

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Em uma segunda-feira de dezembro, três adolescentes abordaram um motociclista e, armados, roubaram sua moto no Jardim Jaraguá, no extremo norte de São Paulo. Na fuga, um deles deixou cair seu documento, o que facilitou depois a sua identificação pela Polícia Militar. Além da moto, dinheiro e celular, ele carregava uma arma falsa.

Ainda em dezembro, dois homens roubavam um carro dos Correios, na zona oeste paulistana, quando foram abordados pela polícia. Eles carregavam uma arma falsa. Dias antes, três adolescentes foram abordados pela polícia e admitiram ter roubado o carro em que estavam na zona sul. A arma? Falsa.

No estado de São Paulo, a cada 4 armas que a Polícia Militar apreendeu nos nove primeiros meses do ano passado 1 era de brinquedo. De janeiro a setembro, a PM apreendeu 8.479 armas, uma média de 31 por dia, sendo que 25% disso eram de brinquedo: 2.160.

A Polícia Militar reúne na categoria “armas de brinquedo” uma série de itens: objetos de plástico que imitam armamento de fogo comum, simulacros (quando objetos rudimentares imitam uma arma, como um cano pintado de preto) e armamentos de pressão usado em esportes.

O Estatuto do Desarmamento, de 2003, proíbe a fabricação, venda e importação de réplicas ou armas de brinquedo, com a exceção das que forem usadas em aulas e adestramentos.

Há uma portaria do Exército, no entanto, que permite a venda de armas “airsoft”, objetos que replicam pistolas, revólveres e até fuzis, disparam esferas plásticas e são usadas na prática de esportes que simulam ações militares.

Essas armas “airsoft” estão à venda em lojas e na internet —as mais baratas custam cerca de R$ 100 e as mais caras passam de R$ 2.000. Para comprá-las, basta ter mais de 18 anos e apresentar documento de identidade e comprovante de residência.

A mesma portaria determina que esses objetos tenham uma ponta alaranjada, o que as diferencia do armamento comum. Uma rápida pesquisa na internet, porém, ensina a retirar essa extremidade cor de laranja em poucos minutos, com água quente e uma faca. Sem isso, ela se passa por uma arma qualquer.

Para Natália Pollachi, coordenadora de projetos do Instituto Sou Da Paz, o controle dessas armas de pressão deveria ser mais rigoroso, com checagem de antecedentes criminais e um banco de informações sobre quantas armas um comprador já tem.

Há uma série de fatores para a alta taxa de armas de brinquedo, segundo a pesquisadora. “O primeiro deles sinaliza para uma maior dificuldade de acesso a armas de fogo reais”, diz ela, hipótese compartilhada pela PM.

O acesso às armas convencionais está dificultado no país desde o Estatuto do Desarmamento, o que encareceu também o preço do armamento no mercado ilegal. O presidente Jair Bolsonaro (PSL) quer, por decreto, flexibilizar a posse e o porte de armas no Brasil. A posse significa que a pessoa está autorizada a ter uma arma dentro de casa ou em seu local de trabalho. Já o porte (direito de carregar a arma consigo) é hoje proibido para quase todos os cidadãos brasileiros (há exceções, como membros de forças de segurança pública ou privada).

Outra hipótese para a proliferação de armas de brinquedo, segundo Pollachi, é que, “para quem comete um crime, usar arma de brinquedo só tem vantagem.” Ela explica: se uma pessoa rouba alguém com uma arma de fogo, isso é considerado um agravante, o que pode levar a uma pena maior do criminoso. Se a arma é de brinquedo, não há aumento de pena. “Mas a ameaça à vítima é a mesma, o trauma é o mesmo. Deveria ter alguma penalização, inclusive para quem é pego na rua com uma arma dessas.”

O major Emerson Massera, porta-voz da PM de São Paulo, afirma que as armas de brinquedo “são tão bem feitas que, só de olhar, nem um profissional da segurança consegue diferenciar”. “Então, não compensa reagir [ao assalto] em hipótese alguma”, diz o policial.

As armas mais comuns encontradas pela Polícia Militar são os revólveres, com 3.328 unidades nos primeiros nove meses deste ano, o que representa 39% do total. Depois aparecem as armas de brinquedo e as pistolas (1.398 casos). A PM paulista encontrou também 44 metralhadoras, 40 fuzis e 31 rifles.

Para efeito de comparação, no mesmo período, foram apreendidos no Rio de Janeiro 379 fuzis —o número de revólveres (2.419), por outro lado, foi menor do que em SP.

O número de apreensões de armas pela Polícia Militar de São Paulo vem caindo ano após ano, de acordo com os números da corporação.

Em 2018, 8.479 armas foram apreendidas nos primeiros nove meses do ano. No mesmo período de 2017, foram 9.650. Em 2016, de janeiro a setembro, 11.097. E houve queda na apreensão de todos os tipos de armamento em relação a dois anos atrás.

O major Massera diz que essa queda de apreensões ocorre desde o início da década passada, ano após ano. “Esse número mostra claramente que nós temos menos armas em circulação”, diz.

O principal indício para isso é a redução de homicídios no estado. “A retirada de armas de circulação seguramente impactou na redução dos homicídios. Com mais armas em circulação, há mais mortes. A PM não parou de abordar pessoas, mas a quantidade vem caindo.”

Pollachi, do Instituto Sou da Paz, concorda. “Ao mesmo tempo, ainda existem armas em circulação”, ela ressalva. “É preciso um esforço maior de investigação. Tem muita arma brasileira sendo usada para o crime. Tem que fechar esse fluxo na fonte. De onde estão vindo? Demanda um esforço maior de inteligência.”

Da FSP