Escolha de Damares para ministério parece deboche com a população
Leia a coluna de Vera Iaconelli, diretora do Instituto Gerar, autora de “O Mal-estar na Maternidade”. É doutora em psicologia pela USP.
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Ministra Damares: loucura ou má-fé?
Minhas filhas aguardavam ansiosamente a festa de Halloween, moda importada dos Estados Unidos nas últimas décadas, na qual angariavam quilos de balas peregrinando pela vizinhança. Depois de muitas horas caprichando no visual de bruxa, fantasma ou noiva-cadáver, saíam de porta em porta à caça de doces, habitualmente controlados.
Para completar a farra, fazíamos um bolo seguindo a receita do livro “Manual Prático de Bruxaria” (Editora Ática, 1996), de Malcolm Bird. Na cobertura colocávamos uvas-passas, nas quais eram aplicadas delicadamente lascas de amêndoa, fazendo as vezes de “mosquinhas”. Teias de aranha feitas de açúcar queimado davam o toque final. Tudo acabava em festa do pijama e provável dor de barriga. Fazíamos também uma contação de história desse livro, que elas tanto gostavam, e do qual não se desfizeram, mesmo depois de grandes.
Qual não foi meu espanto quando vi um vídeo da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos falando justamente desse livro e afirmando aos gritos que “o Governo de São Paulo ensinava as crianças a serem bruxas”.
Não se trata de repercutir mais um dos vídeos alucinados que a ministra Damares Alves produz —ela os faz aos montes. Cada gravação que foi feita com ela, ao longo dos últimos anos, seja pregando, seja dando entrevistas, é surreal. Rápido se percebe que teremos tantos vídeos amalucados quantos forem filmados.
A questão é que essa senhora assumiu um dos cargos mais importantes no Brasil atualmente, um país no qual os direitos humanos têm sido espezinhados e que recolhe por essa omissão mais e mais violência.
O cidadão aprende rápido que respeito só se sustenta na reciprocidade. Não havendo reciprocidade de direitos e deveres, estamos no caos que tanto temem os brasileiros. É o que vem tentado alertar a recém-lançada campanha #ÉaLei.
Bancada pela sociedade civil, consiste em afixar nas ruas trechos da Constituição para que nos amparemos em suas diretrizes. Mais oportuno impossível, diante de declarações inconstitucionais e francamente criminosas lançadas como plataforma de governo pelos políticos recém-eleitos.
Resta saber se a escolha dessa senhora é um deboche da Presidência ou uma manobra de distração. Insiste ainda a perguntar se ela é louca ou age por má-fé. Minha aposta já está feita, não há necessidade alguma de expressá-la aqui. Direi o porquê.
Assisti a “Culpa” (2018), de Gustav Möller, filme dinamarquês que subverte a lógica imagética que nos assola e obriga o espectador, por meio da escuta, a produzir imaginariamente as cenas que se desenrolam. Revigorante, muitíssimo bem dirigido e encenado, a película desenha uma questão ética oportuna para o caso.
Os personagens têm que lidar com os efeitos de seus erros, haja o que houver, estivessem ou não conscientes dos seus atos ao realizá-los. Assistam. O mesmo tema reaparece em “Édipo Rei”, que, levado por ignorância a matar o pai e dormir com a mãe, não se furtou em assumir seus atos, impondo a cegueira a si mesmo.
No caso da ministra, não se trata de determinar se ela erra por acesso de loucura ou má-fé, pois, seja qual for razão, ela está igualmente impossibilitada de exercer sua função. A questão só se colocará depois, quando ela tiver que responder por difamação ou se precisar encontrar alguém que trate o surto. Hoje abundam provas de que ela não está à altura do cargo e os efeitos disso são desastrosos para todos nós. Sigamos observando a Constituição Brasileira.
Da FSP