Políticos e empresários tem acesso negado a Bolsonaro e recorrem a Mourão
Em uma gestão fechada, o vice-presidente Hamilton Mourão tornou-se a principal ponte de políticos e empresários ao comando do Poder Executivo.
Sem ainda ter sido escalado para uma função específica, o general virou uma espécie de ouvidor do novo governo no momento em que o presidente está debruçado sobre questões administrativas, e o ministro da Economia, Paulo Guedes, dedicado às reformas estruturais.
Pelo gabinete do vice-presidente, passaram na primeira quinzena deste mês industriais, embaixadores e parlamentares. Nas audiências, segundo relatos de presentes, Mourão mais escuta do que opina e se compromete a levar as questões ao presidente.
“Eu recebo setores da sociedade e depois encaminho para a área que pode resolver a questão. E falo ao presidente assuntos que chegam ao meu conhecimento e ele precisa saber”, disse Mourão à Folha.
Nesta semana, o vice-presidente terá de interromper o papel de ouvidor. Com a viagem de Bolsonaro à Suíça, para participar do Fórum Econômico Mundial, ele assume nesta segunda-feira (21), pela primeira vez, o comando interino do Palácio do Planalto.
Na noite de domingo (20), o presidente transmitiu o cargo a Mourão em cerimônia na Base Aérea de Brasília. É a primeira vez que um general ocupará o posto desde o fim da ditadura militar, em 1985.
No passado, marcar uma audiência com o presidente ou manter contato direto com ele era a melhor forma de resolver um problema ou ganhar apoio para medidas reivindicadas por entidades.
Desde a posse de Bolsonaro, contudo, empresários e políticos têm reclamado a assessores presidenciais da postura refratária a reuniões privadas do novo mandatário.
Segundo eles, o presidente tem atendido a poucos pedidos. E, quando responde às solicitações, ou chama auxiliares presidenciais para acompanhar o encontro ou pede para que o solicitante fale diretamente com o ministro responsável pelo assunto tratado.
Diante das dificuldades encontradas, incluindo espaço na agenda dos ministros da Economia e da Infraestrutura, eles buscam no vice-presidente um interlocutor preferencial, cuja postura considerada mais moderada do que a do presidente tem agradado ao mercado financeiro.
O deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), relator da reforma tributária, pediu audiências com integrantes do novo governo, incluindo o presidente, para apresentar a proposta de simplificação de impostos.
Ele foi atendido primeiro, na semana passada, por Mourão, a quem classificou como um “estudioso aplicado” e “bom conselheiro”. “Ele fez perguntas, gostou da proposta, disse que iria devorá-la e que levaria ao presidente”, contou. A expectativa é que Bolsonaro o receba só no próximo mês.
No período, Mourão também recebeu o presidente da CNI (Confederação Nacional da Indústria), Robson Andrade. Antes do encontro, a entidade tinha tentando uma audiência com o presidente, mas foi informada de que seria melhor que procurasse Guedes.
A CNI tem restrições à intenção do governo de fazer alterações no Sistema S, como é conhecida a rede de entidades mantidas pelas indústrias do país que usam parte da contribuição previdenciária que recolhem para financiar cursos de capacitação profissional.
Além de receber o dirigente da entidade, Mourão almoçou na quinta-feira (17), em São Paulo, com representantes da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) e deve participar de jantar, na terça-feira (22), com representantes da Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base).
Nos governos passados, conflitos na equipe econômica eram mediados pelo presidente. Não fosse a interferência do ex-presidente Michel Temer, o Rota 2030, novo programa de incentivos à indústria automobilística, não teria saído do papel.
“As conversas são feitas de forma geral. É um começo de governo e eu estou me acomodando ao espaço que me foi dado”, disse Mourão.
No período de transição de governo, a ideia era que ficasse sob o encargo do vice-presidente subchefias responsáveis pelo monitoramento de políticas públicas, além do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos). Bolsonaro, contudo, decidiu mantê-las em outras pastas ministeriais.
“Não é uma tarefa prevista na legislação para o vice-presidente. Então, seria uma decisão presidencial. Não me senti, de jeito nenhum, desprestigiado”, afirmou.
O general afirmou que tem se acomodado ao espaço que lhe foi dado e elogiou as posturas no cargo dos vice-presidentes Marco Maciel (de Fernando Henrique Cardoso) e José Alencar (de Lula).
“Considero que o Marco Maciel tinha uma postura elegante, discreta. E acho que o José Alencar fazia muitas coisas que faço, como receber pessoas e bater papo”, disse.
No período da interinidade, que se estenderá até a sexta-feira (25), Mourão evitará despachar no gabinete do presidente, no terceiro andar do Palácio do Planalto, e não tratará de temas polêmicos, como a reforma previdenciária.
Os substitutos do presidente costumam adotar postura reservada para evitar suspeitas de que tenham interesse no cargo. Mourão, por exemplo, continuará a usar o gabinete de vice. “Eu manterei as ordens em vigor recebidas do presidente, sem sobressaltos.”
Da FSP