Presidente da FUNAI tomará decisão sobre projeto de empresa de que foi conselheiro
O retorno do general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas para a presidência da Fundação Nacional do Índio (Funai) o coloca em uma situação delicada quanto ao destino de um dos maiores projetos de mineração do País. Escolhido pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, para retornar ao comando da fundação, a qual ele liderou entre maio de 2017 e abril de 2018, Franklimberg atuou durante todo o segundo semestre do ano passado como conselheiro consultivo para assuntos indígenas, comunitários e ambientais da mineradora canadense Belo Sun Mining.
A Belo Sun lidera um projeto considerado polêmico na Amazônia, um empreendimento que é alvo de questionamento na Justiça. A empresa tenta autorização para fazer a exploração industrial de ouro nas margens do Rio do Xingu, no Pará, a apenas 13 quilômetros da barragem da hidrelétrica da Belo Monte. A companhia afirma que o projeto “Volta Grande” será a maior exploração de ouro da história do Brasil, com investimentos da ordem de R$ 1,22 bilhão. Há sete anos, porém, os canadenses travam um embate judicial para conseguir o licenciamento ambiental do projeto.
Após deixar a Funai no ano passado, Franklimberg entrou para o time da Belo Sun, com a missão de dar um fim ao imbróglio de questões indígenas que o projeto, até então, ignorava. Há três povos indígenas que vivem na região e que, até então, não tinham sido considerados no processo de licenciamento: as comunidades das terras indígenas Paquiçamba, da Arara da Volta Grande do Xingu e dos indígenas desaldeados da região da Volta Grande do Xingu. A chegada de Franklimberg à Belo Sun foi comunicada no dia 23 de julho de 2018 à bolsa de Toronto, onde a Belo Sun negocia suas ações. Com a nomeação comemorada pela empresa, Franklimberg passou a se reportar diretamente ao presidente e chefe executivo da Belo Sun, Peter Tagliamonte. Ele deixou oficialmente o posto há menos de três semanas, no dia 28 de dezembro, quando pediu para sair da empresa.
No ano passado, Franklimberg foi alvo da Comissão de Ética Pública da Presidência da República por descumprimento da quarentena de seis meses entre sua saída da Funai e a entrada na Belo Sun, conforme revelou o jornal O Globo no ano passado. Ele nega as irregularidades, afirma que foi apenas indicado para o cargo em julho, mas que só assumiu seis meses depois da saída da Funai, em outubro, ficando menos de três meses na função. “Não fiz nada de errado, não atuei no cargo nesses seis meses e cumpri a quarentena”, disse ao Estado.
Sua posição pessoal sobre a viabilidade do projeto da Belo Sun, no entanto, contrasta com o que pensa a Funai, que ele agora volta a presidir. “A Funai não tem os recursos todos que precisa. Nós precisamos apoiar os povos indígenas, há condicionantes socioambientais. Sob esse ponto de vista, o projeto é factível, é viável e benéfico aos indígenas”, afirmou. “Independentemente disso, tudo seguirá o rito da lei. Não há conflito de interesses. Tudo é analisado de forma completamente isenta.”
A Funai já se posicionou anteriormente contra o licenciamento da mina, a cargo da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do Pará. Em fevereiro de 2017, quatro meses antes de Franklimberg assumir a presidência da fundação, a Funai declarou que havia diversas pendências e irregularidades no processo. “Após o check-list para averiguar o cumprimento da estrutura e tópicos exigidos, verificou-se que estes não foram cumpridos, sem que se apresentasse justificativa. Além disso, em seu mérito, o termo de referência não foi cumprido em relação à necessidade de coleta de dados primários, tendo sido colhidos apenas dados secundários”, informou a Funai, na ocasião.
A Semas, no entanto, ignorou a negativa da Funai e prosseguiu com o processo de licenciamento. A fundação chegou a informar que poderia partir para a Justiça. “Com a expedição da licença de instalação, a Funai analisa a possibilidade de propor uma ação judicial. A Funai entende que nem mesmo a licença prévia poderia ter sido concedida sem a aprovação dos estudos do componente indígena, como exposto anteriormente, já que a viabilidade do empreendimento não pode ser atestada sem esses estudos.”
Hoje, a situação do licenciamento da Belo Sun está completamente indefinida. A Funai, que já rejeitou os estudos iniciais, aguarda novas informações da empresa. O Ministério Público Federal (MPF) no Pará chegou a obter uma vitória na Justiça em setembro do ano passado, exigindo que o licenciamento ambiental do projeto fosse realizado pelo Ibama, por causa dos impactos acumulados que o empreendimento pode gerar ao lado da usina de Belo Monte. A mineração tem previsão de ocorrer abaixo da barragem, numa área com vazão de água já bastante reduzida, devido ao represamento do lago da hidrelétrica.
Em novembro, porém, outra decisão judicial acabou revertendo essa avaliação e o licenciamento voltou para a Semas do Pará. Seja o licenciamento de responsabilidade estadual ou federal, o fato é que a legislação prevê que a Funai também deve se posicionar sobre o pedido.
As mudanças já feitas pelo presidente Jair Bolsonaro na estrutura da Funai retiraram sua missão de analisar processos de licenciamento ambiental, passando essa tarefa para a nova Secretaria de Assuntos Fundiários, do Ministério da Agricultura. Legalmente, porém, a Funai tem de se posicionar institucionalmente sobre qualquer tipo de atividade que afete os povos indígenas.
Do Estadão