Retrocesso: Governo altera lei de acesso à informação
Um decreto assinado pelo presidente interino, Hamilton Mourão, altera regras de aplicação da Lei de Acesso à Informação e permite que ocupantes de cargos comissionados da gestão possam classificar dados do governo federal como informações ultrassecretas, aquelas com grau máximo de sigilo, de 25 anos.
O texto da gestão de Jair Bolsonaro, publicado na edição do Diário Oficial da União desta quinta-feira (24), amplia o número de autoridades que podem tornar essas informações protegidas por 25 anos. Pelo texto anterior, essa classificação só poderia ser feita por presidente, vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior.
Já o decreto que entrou em vigor nesta quinta-feira autoriza também os assessores comissionados do Grupo-DAS de nível 101.6 ou superior, entre os mais elevados do Executivo. Podem ocupar esse cargo servidores públicos ou não e eles exercem funções de direção ou assessoramento superior, com remuneração mensal de R$ 16.944,90.
Além desses, as autoridades podem delegar a dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista também a fazerem essa classificação dos documentos públicos da esfera federal.
O ex-presidente da Comissão de Ética da Presidência da República Mauro Menezes, que ocupou o cargo de 2016 a 2018, classificou o aumento do sigilo como “deplorável”. “O sistema de transparência pública sofre um golpe duro com essa ampliação indiscriminada dos agentes capazes de impor sigilo a dados públicos.”
O novo texto permite ainda que tais autoridades deleguem a competência para que comissionados façam a classificação de informações consideradas de grau secreto, cujo prazo de sigilo é de 15 anos. Para este caso, ocupantes de cargos comissionados de nível DAS 101.5, com remuneração de R$ 13.623,39, podem ser delegados a fazer a classificação, mas ficam proibidos a subdelegar a função a outras pessoas.
De acordo com a assessoria de imprensa da Presidência da República, o decreto já estava previsto nas ações que deveriam ser assinadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que está em viagem a Davos (Suíça), para participar do Fórum Econômico Mundial.
Segundo assessores, o texto só foi assinado por Mourão por ele estar atualmente na interinidade, mas o ato poderia ter sido feito por qualquer outra autoridade que estivesse no exercício da presidência.
A Lei de Acesso entrou em vigor em maio de 2012 com o objetivo de criar mecanismos que possibilitem que qualquer cidadão ou empresa recebam informações públicas de órgãos e entidades. A legislação tem como premissa o fato de que a pessoa física ou jurídica não precisa justificar os motivos pelos quais quer ter acesso à informação.
Seu teor vale para os três Poderes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, inclusive aos Tribunais de Conta e Ministério Público. As entidades privadas sem fins lucrativos também são obrigadas a dar publicidade a informações referentes ao recebimento e à destinação dos recursos públicos.
O decreto assinado por Mourão altera um decreto presidencial de 2012, assinado no governo da então presidente Dilma Rousseff e que regulamentou a Lei de Acesso à Informação.
Na página que trata do acesso à informação do governo federal, a legislação é descrita com seis princípios básicos, sendo o primeiro deles o fato de que o “acesso é a regra, o sigilo, a exceção”. Nessa lista, as hipóteses de sigilo são apontadas como “limitadas e legalmente estabelecidas”.
Gestões de diferentes partidos já recorreram ao sigilo para tornar documentos inacessíveis por ano em governos passados.
Em outubro de 2015, por exemplo, como revelou a Folha na ocasião, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) tornou sigilosos por 25 anos centenas de documentos do transporte público metropolitano de São Paulo –que inclui os trens do Metrô e da CPTM e os ônibus intermunicipais da EMTU.
No ano seguinte, Alckmin voltou atrás e decidiu retirar os sigilos prévios dos documentos, passando a avaliar a liberação caso a caso.
Outro caso ocorreu também em 2015, quando a gestão do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), recorreu ao carimbo de secreto para decretar o sigilo de uma série de dados relativos à Guarda Civil Metropolitana, incluindo imagens de câmeras de monitoramento das ruas da cidade e informações da central de atendimento da prefeitura.
A decisão, também revelada pela Folha e assinada em maio daquele ano pelo secretário Ítalo Miranda Júnior (Segurança Urbana), deu o status de “reservado” aos dados, que só poderiam ser acessados cinco anos. Alguns meses depois, Haddad reverteu parcialmente a medida, determinando que as informações passassem a ser analisadas por uma comissão.
MOTIVOS PARA O SIGILO
* Risco à vida, à segurança ou à saúde da população
* Risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico
* Risco à segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares
EXEMPLOS ULTRASSECRETOS (governo federal)
* Relatórios das Forças Armadas
* Comunicados produzidos pelas embaixadas no exterior
* Análises do Itamaraty
* Dados sobre a comercialização de material bélico
Da FSP