Ruralistas e fazendeiros ameaçam Xavantes no Mato Grosso
O Cacique Damião Paridzané, do Povo Xavante da Terra Indígena Marãiwatséde, gravou um vídeo em que afirma estar pronto para a defender as terras demarcadas, caso as ameaças de invasão feitas por políticos e fazendeiros locais se tornem realidade. No vídeo, o cacique afirma ser contra o decreto que está sendo preparado pelo governo, que legaliza o arrendamento de terras em áreas de demarcação, e que ruralistas tem insuflado o conflito entre indígenas e posseiros que foram retirados da área em 2013.
“Se querem guerrear, então vamos guerrear. Também somos homens. Somos origem de coragem”, disse o líder Xavante.
Antes de ser eleito, Bolsonaro deu diversas declarações afirmando que em seu governo não haveria “nem um centímetro a mais para terras indígenas”. Após a eleição, em dezembro de 2018, o presidente disse que poderia rever algumas demarcações, o que a lei impede, mas seu posicionamento animou a bancada ruralista interessada nas terras demarcadas.
É o caso do Deputado Federal Nelson Barbudo (PSL), eleito em 2018 em Mato Grosso, que gravou um vídeo ao lado da prefeita de São Félix do Araguaia, afirmando que a demarcação Marãiwatsédefoi “um crime que cometeram sobre os que produziam”. No vídeo, o deputado fala em nome da senadora Selma Arruda (PSL – MT) e diz que, juntos, trabalharão pela revisão do processo de demarcação.
De acordo com a FUNAI (Fundação Nacional do Índio), Nelson Barbudo também prometeu que reconduziria para Marãiwatséde os ocupantes que foram retirados em 2013 e encaminhados para novas áreas de plantio cedidas pelo Incra. A declaração teria sido feita em uma praça da cidade Alto da Boa Vista (MT).
Outro deputado federal eleito em 2018, José Medeiros (Podemos – MT), que teve o mandato de Senador cassado pelo TRE por fraude em ata eleitoral nas eleições de 2010, também gravou vídeo afirmando que se reuniu com a equipe de assuntos fundiários do Governo Federal e apresentou um pedido para rever os processos de demarcação nas terras Xavantes.
O Ministério Público Federal declarou, nesta quarta-feira (23), por meio do Procurador Antônio Carlos Bigonha, que as demarcações homologadas não serão alvo de revisões e que todas as etapas de reconhecimento previstas em lei foram cumpridas.
“Não paira nenhuma dúvida sobre a legalidade e regularidade desse processo. A revisão do ato administrativo é uma doutrina antiga no Direito brasileiro. Todo ato administrativo pode ser revisado, se tiver uma nulidade, ou se houver um interesse público relevante. Mas isso não pode significar que exista uma dúvida sobre os processos demarcatórios que foram feitos até agora”, afirmou Bigonha, durante evento sobre direitos constitucionais indígenas que aconteceu na sede do MPF, em Brasília. A Ministra da Agricultura, Tereza Cristina, foi convidada, mas não compareceu.
Diante das dificuldades legais, a saída encontrada pela Ministra Tereza Cristina é um decreto presidencial, sem trâmites no Congresso, que permita a exploração das terras indígenas para atividades do agronegócio. O objetivo é autorizar que índios arrendem suas terras para exploração comercial, o que é ilegal pela atual legislação.
Caso o decreto saia do papel, organizações socioambientais temem o aumento significativo do desmatamento para criação de gado. Eles já vinham criticando duramente o governo após a decisão de retirar, por meio de uma medida provisória assinada no dia 1º de janeiro, o processo de demarcação de terras indígenas pela Funai. Com a medida, os processos de identificação, delimitação e demarcação passaram para o Ministério da Agricultura.
O processo de desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé (MT), que tem 165 mil hectares e pertence ao povo Xavante, foi uma das conquistas territoriais mais emblemáticas nos últimos anos. Vereadores, deputados, prefeitos e até um desembargador estiveram envolvidos na invasão da terra indígena desde 1992, quando, por pressão internacional, a petroleira italiana AGIP anunciou na Rio92, diante do Cacique Paridzané, que devolveria a área de seu latifúndio, a famosa fazenda Suiá Missu, aos seus verdadeiros donos. Mas, durante o processo de homologação, os políticos locais organizaram a invasão ao território Xavante, concedendo títulos ilegais a pequenos produtores para impedir o retorno dos indígenas, que haviam sido forçadamente retirados pela FAB em 1966.
A invasão ocorrida nos anos 90 dizimou mais de 70% das matas de Marãiwatsédé, mas não esmoreceu os Xavante, que seguiram lutando e provando na Justiça que a terra indígena, homologada em 1998 na gestão FHC, deveria ser ocupada pelos Xavante. Depois de um longo processo judicial e de muitas tentativas inconstitucionais de evitar o retorno dos Xavante por parte de políticos mato-grossenses, finalmente em janeiro de 2013 uma operação envolvendo a Polícia Federal, a Força Nacional de Segurança e diversos órgãos do executivo identificou os ocupantes (inclusive alguns que trabalhavam como caseiros em trabalhos análogos à escravidão nas fazendas dos grandes proprietários) e retirou as cerca de 450 famílias que viviam na área.
Depois da operação bem sucedida, os Xavante iniciaram diversos trabalhos de recuperação ambiental, gestão territorial e vigilância. Em 2015, os construíram mais três aldeias com o objetivo de ocupar e vigiar seu território.
Uma pesquisa do Datafolha publicada no último dia 14 revela que seis em cada 10 brasileiros são contra a revisão na demarcação de terras indígenas. Em dados proporcionais, 37% concordam com a redução, 60% discordam e 3% que não souberam responder.