Candidata laranja de Bolsonaro levanta R$ 400 mil em verba pública

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O grupo do atual presidente do PSL, Luciano Bivar (PE), recém-eleito segundo vice-presidente da Câmara dos Deputados, criou uma candidata laranja em Pernambuco que recebeu do partido R$ 400 mil de dinheiro público na eleição de 2018.

Maria de Lourdes Paixão, 68, que oficialmente concorreu a deputada federal e teve apenas 274 votos, foi a terceira maior beneficiada com verba do PSL em todo o país, mais do que o próprio presidente Jair Bolsonaro e a deputada Joice Hasselmann (SP), essa com 1,079 milhão de votos.

O dinheiro do fundo partidário do PSL foi enviado pela direção nacional da sigla para a conta da candidata em 3 de outubro, quatro dias antes da eleição. Na época, o hoje ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, era presidente interino da legenda e coordenador da campanha de Bolsonaro, com foco em discurso de ética e combate à corrupção.

No último dia 4, reportagem da Folha revelou que o ministro do Turismo de Bolsonaro e deputado federal mais votado em Minas, Marcelo Álvaro Antônio (PSL), patrocinou um esquema de candidaturas laranjas que direcionou verbas do PSL para empresas ligadas ao seu gabinete na Câmara.

Após essa revelação, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, afirmou que esse caso deveria ser investigado.

No caso de Lourdes Paixão, a prestação de contas dela, que é secretária administrativa do PSL de Pernambuco, estado de Bivar, sustenta que ela gastou 95% desses R$ 400 mil em uma gráfica para a impressão de 9 milhões de santinhos e cerca de 1,7 milhão de adesivos, tudo às vésperas do dia que os brasileiros foram às urnas, em 7 de outubro.

Cada um dos quatro panfleteiros que ela diz ter contratado teria, em tese, a missão de distribuir, só de santinhos, 750 mil unidades por dia –​mais especificamente, sete panfletos por segundo, no caso de trabalharem 24 horas ininterruptas.

A Folha visitou os endereços informados pela gráfica na nota fiscal e na Receita Federal e não encontrou sinais de que ela tenha funcionado nesses locais durante a eleição.

Apesar de ser uma das campeãs de verba pública do PSL, Lourdes teve uma votação que representa um indicativo de candidatura de fachada, em que há simulação de atos de campanha, mas não empenho efetivo na busca de votos.

À reportagem Lourdes Paixão diz não se lembrar do nome do contador que aparece em sua prestação de contas, da gráfica que afirma ter contratado nem de quanto gastou ou o volume de material que encomendou. Também não soube explicar as razões de ter sido escolhida candidata e agraciada com a terceira maior fatia de verba pública do partido de Jair Bolsonaro.

“Recebi um valor expressivo do partido, mas acontece que quando eu vim a receber já era campanha final, entendeu, e não deu tempo para eu meu expandir”, diz Lourdes.

Fundador do PSL, Bivar se licenciou da presidência do partido após a entrada de Bolsonaro, no primeiro semestre de 2018. Apesar disso, os candidatos de Pernambuco foram chancelados por seu grupo político. O comando formal da legenda no estado é de seu advogado particular e aliado, Antonio de Rueda.

Rueda, vice-presidente nacional do PSL, e Bivar, que retomou o comando formal da legenda após as eleições, disseram à Folha ter pouca informação sobre a candidatura de Lourdes, apesar dos altos valores aplicados em sua campanha, e negaram que ela seja laranja.

Ambos atribuíram a decisão sobre o repasse dos R$ 400 mil a Bebianno. O hoje ministro de Bolsonaro não respondeu às perguntas enviadas.

De acordo com ata de reunião extraordinária do PSL em Pernambuco realizada em 7 de agosto, e presidida por Rueda, Lourdes foi escolhida de última hora para preencher as vagas remanescentes para adequação à cota de gênero.

A lei em vigor prevê que pelo menos 30% dos candidatos devem ser do sexo feminino.

“Eu considero a regra [errada]. É isso que eu estou dizendo que vocês têm que bater”, disse Bivar sobre o assunto.

E continuou: ” Você tem que ir pela vocação. Tá certo? Se os homens preferem mais política do que mulher, paciência. É a vocação. Se você fosse fazer uma eleição para bailarinos e colocasse uma cota de 50% para homens, você ia perder belíssimas bailarinas. Porque a vocação da mulher para bailarina é muito maior. É uma questão de vocação, querida. Eu não sei como é na sua casa, mas acho que seu pai seria candidato e sua mãe, não. Ela prefere outras coisas, ver o Jornal Nacional e criticar. Do que entrar pra vida partidária. Não é muito da mulher.”

Na prestação de contas da candidata, há três notas de uma mesma gráfica que tem o nome fantasia de Itapissu.

No endereço da nota fiscal, que fica no bairro Arruda, no Recife, há na verdade uma oficina de carros, a Martelinho de Ouro Almeida.

Segundo funcionários, a oficina está instalada há quase um ano no galpão, que antes estaria vazio. De acordo com eles, chegam correspondências em nome da gráfica. O telefone da nota fiscal não existe.

A Folha foi ainda no endereço registrado na Receita. No local, funciona um café e uma papelaria. Segundo funcionários, a gráfica teria mudado para o andar de cima após uma reforma. Nos dois dias em que a reportagem esteve lá, a sala estava fechada.

No fim da tarde de quinta-feira (7), um homem identificado como Paulo ligou para a Folha e disse ser funcionário da gráfica. Paulo Henrique Vasconcelos Chaves aparece em contratos da Itapissu como gerente. Quando indagado sobre o caso de Maria de Lourdes Paixão, respondeu não se lembrar.

“Maria o quê?”, indagou, espantando-se ao ser informado do valor que a empresa teria recebido: “Trezentos e oitenta mil reais aqui? Eu acho que não viu, minha filha. Eu acho que você pegou informação errada. Trezentos e oitenta mil reais?”

No dia seguinte, ele afirmou ter verificado no sistema e disse que “tudo foi feito e entregue, todos os materiais, as praguinhas, adesivos, tudo.”

Ao ser questionado onde o material foi impresso, afirmou ter sido no galpão onde funciona o martelinho de ouro. “A gente rodou todo o material lá, inclusive com parceiros também. As gráficas utilizam de outros parceiros para rodar também, se eu não tenho um equipamento para um serviço, aí roda com outra pessoa”. Ele não quis dizer quais seriam esses parceiros.

Segundo dados informados ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a gráfica recebeu R$ 1,5 milhão na eleição de 2018, mas o contrato mais alto foi o de Lourdes Paixão.

Paulo falou ainda que a gráfica saiu do galpão do martelinho de ouro e foi para a avenida Santos Dumont por causa de dificuldades financeiras.

“Nós estávamos lá, mas vendemos os equipamentos todos, estou trabalhando com uma pasta debaixo do braço, dona Juliane [dona da gráfica] com a outra”.

Na tarde de sexta (8), o advogado Paulo Cannizzaro ligou para dizer que a gráfica falaria apenas para as autoridades. E enviou nota: “A empresa confia na correção de seus atos e de seus representantes, colocando-se à disposição das autoridades para prestar os esclarecimentos que forem necessários no intuito de comprovar a efetiva prestação dos serviços contratados.”

À Folha Bivar disse inicialmente que o endereço, onde está o Martelinho de Ouro Almeida, era o da gráfica. Mais tarde, o dirigente entrou em contato para dizer que a empresa havia se mudado, mas que pessoas do partido em Pernambuco teriam dito a ele que o serviço foi de fato realizado.

Da FSP