Mangueira terá enredo com o ‘lado B’ dos heróis nacionais e fará homenagem a Marielle

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No barracão da Mangueira, tradicional escola de samba do Rio de Janeiro, um carro composto por livros gigantes chama a atenção. Um deles faz referência à princesa Isabel, membro da família real portuguesa que, por ter assinado a abolição da escravidão, é apresentada pela história oficial como uma espécie de redentora.

O carnavalesco Leandro Vieira explica que o carro contará “o lado B” dos heróis ensinados na escola. Princesa Isabel estará acompanhada de outros nomes cuja bondade será questionada, como Duque de Caxias, Floriano Peixoto e José de Anchieta.

A alegoria é uma bom resumo do enredo “História Pra Ninar Gente Grande”, que levará para a Sapucaí a narrativa não oficial da história do país.

Neste ano, a escola ressaltará a importância do papel de figuras negras, índias e pobres que são, em geral, ainda desconhecidas do povo.

“É pertinente neste momento político. Propor um pensamento, uma avaliação crítica da história do Brasil a partir do momento em que correntes conservadoras que hoje ocupam o poder tentam diminuir esse aspecto crítico da escola e da figura do professor”, afirma Vieira.

O enredo representa uma resistência ao presidente Jair Bolsonaro (PSL)? “Não acho de bom tom [dizer isso] porque soa propagandista”, diz. “A Mangueira segue a tendência de fazer enredos contra o conservadorismo. É uma instituição popular que faz Carnaval. Jamais pode ser conservadora. É um enredo proposto para uma escola eminentemente de negros e pobres”, afirma.

“Brasil, chegou a vez. De ouvir as Marias, Mahins, Marielles, malês”, anuncia o samba.

Mônica Benício, viúva da vereadora Marielle Franco, morta há quase um ano em crime ainda não solucionado, abrirá a última ala, dedicada a homens e mulheres favelados que superaram o preconceito e alcançaram notoriedade.

“Para mim, por ser uma mulher favelada, tem uma significação muito simbólica, é um lugar de muita responsabilidade. É pela preservação da memória e do legado da Marielle, um ato de militância”, diz.

Sobre o convite, Vieira diz ser importante mostrar que negros, índios, pobres e favelados podem ser sinônimo de patriotismo. “É importante dizer para a comunidade que eu represento, pobre e quase na totalidade negra, que eles podem ir a qualquer lugar.”

A representatividade será estendida para a causa LGBTQ: pela primeira vez, a escola terá uma musa trans. “Desde antes da transição já ia para os ensaios. Me senti muito lisonjeada pelo convite, por ser uma escola tão tradicional”, diz Patricia Souza.

Apesar do progressismo, a Mangueira chegará à avenida em meio a dificuldades tradicionais. A primeira, compartilhada por todas as escolas, é a crise financeira com o corte de verbas para o Carnaval. A segunda esbarra na Operação Lava Jato, que após prender governadores e secretários, alcançou o presidente e então deputado estadual Chiquinho da Mangueira.

Chiquinho foi preso em novembro, acusado de ter recebido propinas mensais para votar de acordo com os interesses do governo de Sérgio Cabral (MDB). Ele teria recebido, inclusive, R$ 200 mil para realizar um desfile da escola.

Integrantes dizem que a prisão gerou indefinição e insegurança, mas que a questão foi superada. Leandro Vieira afirma que a escola seguiu com tranquilidade porque conta com uma gestão participativa, divididas entre todos.

Matheus Olivério, mestre-sala da Mangueira, afirma que Chiquinho consertou a escola em um período de forte crise. “O Chiquinho colocou a escola nos trilhos. [Sua saída] Foi um baque porque uma grande equipe nunca pode perder um grande líder. Mas deu tudo certo, né? Amém.”

Da FSP