Pacote-punição de Moro: segurança pública ou aumento de poder dos juízes?
Ao apresentar o pacote de três projetos legislativos ditos anticrime, o governo federal colocou a criminalização do caixa 2 num único projeto, à parte do restante das medidas. “Foi o governo ouvindo as reclamações razoáveis dos parlamentares quanto a esse ponto e simplesmente adotando uma estratégia diferente”, afirmou o ministro da Justiça, Sergio Moro.
Tivesse o governo federal ouvido as muitas reclamações razoáveis que surgiram desde o primeiro anúncio do pacote de medidas, certamente teria revisto grande parte do conteúdo das propostas apresentadas. Sob pretexto de adequar a legislação à realidade atual e diminuir a sensação de impunidade, o pacote de Moro comete abusos, minimiza garantias, amplia vulnerabilidades e premia deficiências do sistema de Justiça.
Em primeiro lugar, os três projetos de lei apresentados pelo ministro Moro não são propriamente um pacote de segurança pública. São medidas para ampliar a punição penal. Eventual aprovação pelo Congresso não terá o condão de prover um ambiente de menor criminalidade. Prevenção e punição são temas diversos – e é preocupante que o governo Bolsonaro seja incapaz de perceber essa profunda diferença. Além de gerar falsa expectativa na população, apresentar o pacote de aumento de punição como prioridade nacional é retardar a implementação das medidas aptas de fato a melhorar a segurança pública.
O ministro Moro afirmou que um dos objetivos do pacote é destravar “nossa legislação processual para termos sistema de justiça criminal eficaz, que seja efetivo. Não é a dureza da pena que resolve o problema, mas a certeza da aplicação. E estamos trabalhando com a certeza”. Se de fato for esse o objetivo, os projetos precisam ser alterados, pois o conteúdo atual, em vez de produzir certeza, desequilibra e confunde aspectos importantes da legislação penal.
A prescrição, por exemplo, ao fixar prazos para a persecução penal, é um poderoso estímulo para a eficiência e segurança do sistema de justiça. No entanto, o projeto de lei amplia os casos em que a prescrição não corre, fazendo com que Ministério Público e Poder Judiciário possam ser menos diligentes em suas tarefas. Eventuais atrasos terão menos consequências jurídicas.
Causa especial estranheza a presença da excludente de ilicitude para policiais no pacote, já que as polícias estaduais não parecem inseguras no seu atuar profissional por receio de problemas jurídicos futuros. O que se vê é precisamente o oposto. Por isso, em vez de ampliar os casos de impunidade para a violência policial, é preciso investir na formação dos policiais, para que todos sejam capacitados para agir dentro da lei, especialmente nas situações de risco e de combate.
Com o projeto de lei, o ministro Moro transmite, no entanto, mensagem oposta para os governos estaduais. Não precisariam formar bem as polícias e não haveria problema em que os policiais sejam descuidados, pondo em risco a própria população, já que uma das prioridades do governo federal é prover um arcabouço jurídico capaz de absolvê-los por seus abusos.
Há pontos que exigem especial atenção do Congresso. Faz sentido, por exemplo, que o condenado perca os bens que ele conquistou pelo crime. No entanto, o projeto de lei prevê que o juiz poderá presumir como produto do crime a diferença entre o valor do patrimônio do condenado e “aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito”. É ampla demais a discricionariedade dada ao juiz, abrindo espaço para abusos.
Há também propostas carentes de rigor técnico. Por exemplo, o projeto caracteriza organizações criminosas na lei penal citando nomes de algumas famosas, como PCC e Comando Vermelho, o que não tem nenhuma serventia prática. Que a Itália tenha assim feito não é razão para importar tal anomalia.
De fato, o Estado precisa de uma profunda recapacitação, que o torne capaz de prover um ambiente público de paz e segurança. Isso nada tem a ver, no entanto, com endurecimento das leis penais ou restrição das garantias. Por exemplo, a permissão para escuta ambiental, outro ponto do pacote, pode gerar abusos, mas pouco contribui para que o cidadão possa andar com segurança por sua cidade. A prioridade é a segurança pública ou é aumentar o poder dos juízes?
Do Estadão