Parecer do MPF afirma que Vale privilegiou lucros em detrimento da segurança
Em um parecer enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o caso de Brumadinho (MG), o Ministério Público Federal aponta que a mineradora Vale “privilegiou a lucratividade em detrimento da segurança de seus trabalhadores e dos habitantes de seu entorno” e alerta para o risco de impunidade dos dirigentes da empresa.
A manifestação é assinada pelo subprocurador-geral da República João Pedro de Saboia Bandeira de Mello Filho e foi enviada na tarde da quarta-feira (13) ao ministro do STJ Nefi Cordeiro. Trata-se do primeiro posicionamento técnico de um integrante da Procuradoria-Geral da República sobre o caso, abordando mais especificamente a soltura dos técnicos da Vale que haviam sido presos.
Saboia se posiciona favoravelmente à soltura dos dois engenheiros da empresa TÜV SÜD, Andre Jum Yassuda e Makoto Namba – eles já foram soltos no último dia 5 por decisão liminar da Sexta Turma do STJ em um habeas corpus. Falta ainda, porém, a decisão de mérito, por isso foi solicitada a manifestação da PGR.
O subprocurador aponta que não houve comprovação de que a atuação dos engenheiros, que atestaram a segurança da barragem, tenha colaborado para o acidente. “Até agora não há nenhum laudo pericial, ainda que por perícia indireta, dizendo a que se deve atribuir a ruptura da barragem”, escreveu.
Na sua avaliação, o acidente está mais relacionado a uma opção econômica da Vale em detrimento da segurança e, por isso, a investigação não pode punir apenas técnicos e poupar os dirigentes da empresa. Essa opção seria o uso da técnica da construção da barragem “à montante”, cujo risco envolvendo acidente tem potencial muito maior.
“Creio oportuno exprimir meu ponto de vista, ressalvando que sou leigo em engenharia mas não desprovido do senso comum, que leva a supor que não a tragédia em si, mas suas proporções gigantescas, com centenas de mortos e desaparecidos, se deve não a qualquer fraude ou negligência dos técnicos, mas à decisão gerencial de utilizar uma técnica potencialmente perigosa, por motivos econômicos, no que diz respeito à escolha do local de construção”, escreveu.
Prossegue o raciocínio do subprocurador: “Finalmente: se, como também é notório, se o depósito de rejeito estava há anos desativado, porque não se o esvaziou, prevenindo a tragédia? Igualmente por opção econômica, para, quando fosse decidido melhor convir, se reprocessar aqueles rejeitos e extrair mais metal. Outra explicação no momento não encontro para que se mantenha por anos, sem aparente utilidade, aquela situação no mínimo potencialmente perigosa”. Por esses elementos, conclui, a Vale privilegiou os lucros em detrimento da segurança.
Sob esse raciocínio, Saboia aponta risco de impunidade caso a investigação seja focada nos técnicos que assinaram os laudos. “Mas desde logo presumir que houve falsidade e fraude, é abrir uma larga porta para não se apurar responsabilidade dos dirigentes empresariais que optaram por construir uma barragem “à montante”, que a mantiveram em operação por anos, e, depois de desativá-la, também por anos a mantiveram repleta ou quase”, escreveu.
“Por isso, a matéria deve ser, em todas as instâncias, examinada com atenção redobrada, para não favorecer a impunidade daqueles que podem ser (não afirmo que o sejam, pois se trata de investigação inicial ainda) os maiores, se não os únicos, responsáveis”, afirmou o subprocurador.