Presidente do Senado ocultou imóveis durante quase toda a sua carreira política
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), ocultou da Justiça Eleitoral a posse de imóveis durante quase toda a sua carreira política iniciada no final dos anos 1990, em Macapá.
Levantamento de escrituras e registros no único cartório de imóveis e nos três cartórios de notas da capital do Amapá mostram um cenário bem diverso do que o político, por obrigação legal, tornou público a cada eleição.
O artigo 350 do Código Eleitoral define como crime “omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais”. A pena é de até cinco anos de prisão e multa.
Davi, 41, conquistou o comando do Senado no último dia 2 ao derrotar Renan Calheiros (MDB-AL), alcançando projeção política inédita em sua carreira.
O amapaense já disputou sete eleições, tendo sido vereador (2001-2002) e deputado federal (2003-2014) antes de virar senador, em 2015.
O agora presidente do Senado é membro de uma família com patrimônio elevado no Amapá, possuidora de mais de uma centena de imóveis, postos de gasolina, empresas e retransmissoras de TV, entre outros.
Desde 2002, Davi vem informando aos seus eleitores ter poucos bens, às vezes nenhum.
Em 2002, 2010 e 2012, por exemplo, declarou não ter nem um centavo de patrimônio. No ano passado, quando disputou e perdeu o governo do Amapá, afirmou à Justiça Eleitoral ter R$ 770 mil —uma casa de R$ 585 mil, além de depósitos e aplicações bancárias.
Os registros cartoriais em Macapá, no entanto, mostram que desde o final dos anos 90 até pelo menos 2016 há registros de aquisições imobiliárias feitas pelo senador no centro e em condomínios residenciais da cidade.
O ano de 2012 é um dos mais representativos: Davi disse à Justiça não ter patrimônio. Na época, era deputado federal de terceiro mandato, com salário de R$ 26,7 mil, além de outros benefícios.
Naquele ano, os registros nos cartórios de Macapá mostram que ele era proprietário de três lotes em um condomínio residencial da cidade, tendo informado no início daquele ano a construção de uma casa de 179 metros quadrados.
Além disso, ele adquiriu em fevereiro de 2012 uma outra casa no bairro Trem, um dos mais tradicionais da cidade. Foram pagos por essa casa R$ 585 mil, um mês após a assinatura do contrato de compromisso de compra e venda, de acordo com a escritura pública do imóvel.
Ao lavrar a escritura desse imóvel, em 2016, ele declarou ao cartório que os R$ 585 mil não representavam nem um terço do patrimônio dele e de sua mulher (no nome de quem não há imóveis, isoladamente, registrados nos cartórios locais). Ou seja, segundo essa declaração, que impede a penhora por dívidas, o casal teria na ocasião um patrimônio de pelo menos R$ 1,7 milhão. Dois anos depois, Davi afirmou à Justiça que reunia R$ 770 mil em bens.
“Atribuem à presente instituição, para efeitos fiscais, o valor de R$ 585.000,00 e declara que esse valor é inferior a um terço do patrimônio líquido do casal”, diz a escritura pública de compra e venda e de instituição do imóvel como “bem de família”, datado de 23 de maio de 2016.
De acordo com o Código Civil, o “bem de família” não pode sofrer execução por dívidas posteriores à sua instituição e não pode representar mais de um terço do patrimônio dos cônjuges.
Ao todo, a Folha localizou nos quatro cartórios escrituras e registros atestando a aquisição de cinco terrenos (nos residenciais Lagoa e Irmãos Platon) e duas casas do fim dos anos 90 até 2015. No período, houve a venda de apenas um terreno, em 2012, por R$ 42 mil.
Corretores que vendem lotes e imóveis nos mesmos conjuntos residenciais, além de funcionários, disseram avaliar em cerca de R$ 2 milhões só as duas casas, com os respectivos terrenos.
A empresa que administra um dos loteamentos (Platon) diz que o lote de 1.000 metros quadrados (os em nome de Davi somam 1.125), sem obras e na parte que não tem asfalto, é vendido a R$ 210 mil à vista ou R$ 300 mil, financiados.
A análise das declarações de bens de Davi à Justiça mostra outras discrepâncias.
Em 2002, quando disputou e obteve seu primeiro mandato como deputado federal, afirmou não ter nenhum bem. Em 2006, declarou uma Kombi, uma picape e uma lancha no valor total de R$ 130 mil. Nas duas eleições seguintes, em 2010 e 2012, esses bens e o valor desapareceram. Ele voltou a informar à Justiça ter patrimônio zero.
Somente em 2014, quando derrotou o clã de José Sarney e se elegeu senador, Davi informou à Justiça Eleitoral um imóvel —uma casa também no valor de R$ 585 mil, na avenida Odilardo Silva, 2105, no centro de Macapá. O imóvel não tem relação com as duas casas registradas em seu nome nos cartórios da cidade.
Davi repetiu a informação em 2018, mas dessa vez sem especificar endereço.
A casa na Odilardo Silva não está registrada nos cartórios de Macapá. Na prefeitura, o lote está vinculado ao nome de um parente, Alberto Samuel Alcolumbre Tobelem. Quando a reportagem da Folha a visitou, havia pregado no portão um adesivo de campanha do presidente do Senado.
Ascendentes da família do presidente do Senado, cujo nome completo é David Samuel Alcolumbre Tobelem, migraram no início do século 20 de Marrocos para a região norte do país.Os ascendentes se estabeleceram no comércio local —o pai de Davi, Samuel, tinha comércio de autopeças— e expandiram os negócios no decorrer dos anos, o que inclui hoje ramificações no interior e em outros estados.
Só o patrimônio declarado à Justiça por irmãos de Davi e dois de seus primos em 2014 —quando foram candidatos—, somam mais de 100 itens, entre apartamentos, terrenos, casas, galpões, salas, embarcações, veículos e empresas, entre outros bens.A família têm também postos de gasolina e participação nas retransmissoras do SBT e da Band no estado.
A Folha enviou no dia 8 de fevereiro à assessoria do presidente do Senado questionamentos específicos sobre os imóveis e as razões de eles não terem sido informados por Davi Alcolumbre à Justiça.
Sob o argumento de que havia erros em pressupostos das perguntas e que seria preciso um pouco mais de tempo para reunir documentação a respeito, foi pedido um prazo maior, o que foi atendido pelo jornal.
No dia 11, a assessoria do senador enviou no fim do dia uma resposta genérica, afirmando apenas que “os bens mencionados na matéria foram declarados aos órgãos competentes”. Após novo contato, afirmou que iria permitir que os repórteres consultassem a documentação que disseram ter levantado, o que ocorreria até o dia seguinte.
Apesar de insistentes contatos posteriores da Folha, isso nunca ocorreu.
A reportagem reenviou as perguntas, de forma mais detalhada, na última quinta (21) pela manhã.
A assessoria e a chefia de gabinete de Davi Alcolumbre afirmaram, novamente, que não conseguiriam dar as respostas ou dar acesso à documentação mencionada até a conclusão desta reportagem.
Em resposta preliminar, dada por telefone no dia 9 sob o argumento de que era preciso mais tempo, a assessoria do senador tinha dito que Davi já vendeu alguns dos imóveis citados, mas que não registrou por completo em cartório. Não foi dito quais seriam esses imóveis, o porquê de eles não terem sido declarados nem o que teria sido feito com o dinheiro da venda.
Sobre outro ponto, afirmou ter havido um erro da Justiça Eleitoral no preenchimento da casa declarada em 2014, que não seria na Odilardo Silva, 2105, mas na Acelino Leão, 1061, cuja compra, conforme registro em cartório, ocorreu em janeiro de 2012 por declarados R$ 585 mil.
A assessoria do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), porém, disse à Folha ser impossível ter havido erro por parte do tribunal, já que os pedidos de registro de candidatura são inseridos no sistema pelos partidos políticos ou pelos próprios candidatos.
De acordo com o tribunal, os sistemas de 2014 e 2018 não são exatamente os mesmos, “mas obedecem às mesmas regras de divulgar exatamente as informações cadastradas pelos partidos políticos e pelos candidatos”.
Não há, também, em todos esses anos, registro de qualquer pedido de retificação de dados pelo senador.
A pena de prisão e multa prevista pelo Código Eleitoral não é aplicada de forma imediata.
Caso o Ministério Público Eleitoral entenda que houve irregularidade, poderá, por exemplo, peticionar o senador para corrigir sua última declaração, apresentada nas eleições de 2018.
A retificação, no entanto, não significa que a Justiça Eleitoral, caso um processo seja aberto, aceitará uma nova declaração de bens.
Da FSP