Problemas reais da educação: 45% das escolas nem sequer têm biblioteca

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A carta do ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, recomendando, na última segunda-feira, que as escolas enviassem vídeos de alunos perfilados durante a execução do Hino Nacional, teve efeito inusitado.

E acabou escancarando para o novo frequentador da Esplanada dos Ministérios a realidade das instituições de ensino brasileiras. Em reação à orientação, estudantes de todo país começaram a se organizar para enviar a Brasília gravações revelando mazelas cotidianas, da estrutura precária dos colégios aos baixos salários dos professores.

Depois de toda a polêmica, em explicação ao Ministério Público Federal (MPF), o MEC afirmou, na noite de quarta-feira, dia 27, que remeterá novo ofício às escolas, desta vez desistindo do pedido inicial “por questões técnicas e de segurança”.

A insatisfação dos alunos é revelada em matizes claras nos dados compilados pelo próprio governo: quase 45% das escolas de ensino fundamental não têm biblioteca, 42% não contam com banda larga. Cerca de 4% nem sequer possuem banheiros, segundo números do Censo Escolar 2018. Nas escolas de ensino médio, a situação é um pouco melhor.

Presidente da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Pedro Gorki lançou a campanha #MinhaEscolaDeVerdade, que incentiva alunos e professores a filmarem as condições degradantes de seus colégios.

— Há um sucateamento crescente da rede pública. Faltam quadras, bibliotecas, salários— critica. — Diante da falta de recursos, os docentes levam papel higiênico para as escolas.

No Ciep Aarão Steinbruch, em Duque de Caxias, uma aluna conta que os professores fizeram vaquinha para a reforma dos banheiros:

— Tudo bem cantar o Hino, mas os problemas precisam ser resolvidos. Não temos bebedouro adequado, levamos água de casa.

Embora escolas estaduais e municipais não sejam atribuição direta do MEC, espera-se do órgão a fomentação de políticas públicas que atendam a essas demandas, assim como o desenvolvimento de projetos de apoio.

Após quase sessenta dias à frente do MEC, a crítica central de especialistas ao estilo Vélez é a de que, até o momento, não se priorizaram questões urgentes da educação brasileira. O ministro posiciona-se na linha de frente da batalha contra o que qualifica como “doutrinação ideológica” nas salas de aula mas não detalhou, por exemplo, projetos para a alfabetização (meta apresentada como prioritária para os 100 dias de governo).

— Apareceram estratégias pontuais de pouco alcance, sem consequência imediata para aumentar o processo de aprendizagem dos alunos, como a sugerida na carta. Mas as prioridades deveriam ser a valorização dos professores, evasão escolar, distorção idade-série, alfabetização — diz Anna Altenfelder, presidente do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

Heleno Araújo, presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, recebe diagnósticos anuais de 50 sindicatos de professores e funcionários, onde são apontados fatores que dificultam o trabalho nos colégios.

— Há um número excessivo de contratos temporários. Em um colégio em Pernambuco uma turma de ensino médio teve quatro professores de matemática em um ano. Não há vínculo entre aluno e mestre.

Érica Lucas, mãe de duas crianças que estudam na Escola Municipal Guilherme da Silveira, na Vila Kennedy, dá outro recado a Vélez:

— Vale muito mais ter material e uma sala de aula decente do que cantar o Hino Nacional — diz ela, que vê a escola dos filhos alagar nos dias de chuva. — O Hino não vai trazer livro, uniforme, educação.