Promotor que investiga laranjas do PSL afirma que se aprofundar, cai muita gente
O promotor eleitoral Fernando Abreu, do Ministério Público de Minas Gerais, responsável pela investigação de supostas candidaturas laranjas ligadas ao ministro do Turismo, Marcelo Álvaro, do PSL, afirma que a prática é “generalizada” em todo o país: “(Se aprofundar) Cai muita gente”. “É nacional. E não é do PSL, não é do Avante, não é do MDB. É de todos os partidos”, emenda.
Abreu diz que conhece outras apurações sobre essas irregularidades em Minas Gerais, e aposta que casos parecidos surgirão em outros estados.
Vamos ouvir todas as pessoas que participaram de contratações e da campanha eleitoral. Temos que começar a desenhar o cenário ouvindo quem já foi mencionado. São 20 pessoas. Sete em Belo Horizonte, uma em Brasília e o restante em cinco cidades do interior de Minas Gerais. Fora de Belo Horizonte, eu já mando as cartas precatórias com as perguntas e eles só vão ouvir os depoimentos para mim.
O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro, que presidiu o PSL em Minas Gerais, será ouvido?
Neste primeiro estágio, não. Só pessoas em níveis de campanha no estado. Até para ver se vai chegar a alguma coisa. Pode ser que não chegue a absolutamente nada. Está tudo muito no início. A representação chegou há uma semana. Acho que está distante ainda do ministro Marcelo Álvaro. Do Gustavo Bebianno, mais ainda. Tem que ter algo que ligue ao Marcelo Álvaro.
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Qual a previsão para a conclusão das oitivas? Já foram agendadas oitivas aqui em Belo Horizonte na sexta-feira agora, eu acredito que até semana que vem já estão encerradas. Agora, tem as precatórias do interior. Depende da agenda do pessoal lá. Eu pedi urgência, liguei, conversei com um por um, solicitando uma atenção especial, até em razão da publicidade que foi dada ao caso, para ver se acelera logo, porque é péssimo ficar com isso no gabinete. Só que depende da agenda deles. Não depende mais de mim. Seguramente o pessoal cumpre em 10, 15 dias.
Seus pedidos por telefone foram bem recebidos?
Com certeza.
As 20 pessoas são todas do PSL?
Não necessariamente estão ligadas ao partido. Tem empresas que prestaram serviços. Gráficas, por exemplo. É preciso saber a natureza do serviço prestado, quem efetuou o pagamento, esses detalhes básicos de contratação.
Se houver gráficas que prestaram serviços irregulares a vários partidos, mais investigações podem surgir?
Perfeitamente. O objeto passa a ser um pouco diferente, mas com certeza. Se aparecer alguma ilegalidade, ainda que não relacionada com esse fato nas investigações, outros procedimentos serão abertos. Assim como eu tenho ciência que existem, no âmbito da Procuradoria Regional, outras apurações envolvendo supostos candidatos laranjas de outros partidos. Isso não é um procedimento do partido A ou B, isso é um procedimento que está generalizado em praticamente todos os partidos. Quem quiser fazer uma apuração completa nisso aí vai ver a quantidade de candidatas mulheres que se candidataram e tiveram quantidade ínfima de votos e que nem campanha fizeram. Aí o interesse é o seguinte: tudo bem, estão usando isso para fraudar a cota dos 30% de candidatas mulheres. Agora, a questão é: essas pessoas receberam verba pública? Receberam recursos do fundo eleitoral, do fundo do partido? Isso é dinheiro público. A partir do momento em que essas pessoas receberam e não praticaram nenhum ato de campanha, a gente precisa saber para onde foi esse dinheiro, porque tem uma ilegalidade aí. É dinheiro público.
O senhor considera a prática generalizada em nível nacional?
É nacional. E não é do PSL, não é do Avante, não é do MDB. É de todos os partidos. É pela cota, já que tem que ter 30% de candidatas mulheres. Basta ver a proporção do número de candidatas e o número de eleitas. Já vai identificar nitidamente que tem uma distorção aí. Muitas dessas mulheres se candidatam e sequer praticam atos de campanha. É um procedimento generalizado. Quem quiser fazer uma apuração completa de como está, é tudo público, está lá nas prestações de contas do TSE. A pessoa recebeu tantos mil reais para fazer campanha e teve 100 votos, 200 votos, tem alguma coisa de errado. Para quem ela pagou isso? Às vezes gastou com gráfica, mas foi material para ela ou pagou para outro candidato, para burlar o teto de gastos que ele havia declarado? Este é que é o ponto principal. A fraude está justamente aí.
A legislação que impõe aos partidos cota de 30% de candidatas mulheres é falha?
A letra da lei nesse ponto acaba dando brecha para isso. A legislação tem que mudar para que isso seja endurecido e se cobrem realmente atos de campanha. Recebeu recurso público, tem de gastar na campanha. Não existe essa de receber recurso público para fazer campanha e apoiar outro candidato, isso não existe. É uma fraude tanto do candidato quanto do próprio partido. A pessoa não toma decisão sozinha de transferir o seu recurso para a campanha para um outro candidato. Isso naturalmente vem das cúpulas dos partidos, dos diretórios estaduais, normalmente. É um procedimento generalizado. Não é só esse caso do PSL. Outros vão aparecer. Se descer e aprofundar nesse tipo de trabalho, vocês vão achar muita coisa. Como se diz: cai muita gente.
Como essa lei poderia ser aperfeiçoada?
Talvez criar uma equivalência. Se 30% dos candidatos são mulheres, 30% desses recursos obrigatoriamente também deveriam ser destinados a elas. Porque hoje está simplesmente no papel. 30% têm de ser mulheres, mas não necessariamente 30% dos recursos vão para elas. É preciso um controle maior especialmente em cima de gráficas, que são onde está a grande maioria das fraudes. Às vezes a gente não consegue demonstrar se o material foi produzido ou não. A gráfica emite uma nota fiscal lá de R$ 10 mil por tantos panfletos, e quem garante que esses panfletos realmente foram entregues? Quem controla isso? Ninguém. Então é muito fácil inclusive desviar o dinheiro. A pessoa emite a nota, paga lá o ICMS dela, e no final das contas ela lavou o dinheiro. E algumas gráficas, por exemplo algumas dessas aqui que a gente está fazendo essa apuração, foram fechadas agora em janeiro. Muito estranho, não é? Depois de receber recurso público do partido, talvez o semestre em que a gráfica mais fatura, passados dois meses da eleição, ela vai e encerra as atividades, fecha as portas? Coisa boa não é.
Há um padrão para irregularidades com gráficas nas eleições?
Com certeza. A gente parte do pressuposto de que a gráfica é de um empresário de boa fé. A gente hoje na Justiça Eleitoral parte do pressuposto de que a contratação foi feita, e o serviço foi prestado. Agora, a gente não tem como ter o controle real se esse material foi realmente produzido. Então dá margem para muito desvio de recursos públicos. Contratação de parentes em eleições é outro problema. É recurso público, e a pessoa contrata o irmão para ser cabo eleitoral, paga R$ 10 mil. A pessoa às vezes não tem qualificação nenhuma e nem pratica ato de campanha. Então legislação tem de ser endurecida nesse ponto, para que a gente tenha um processo mais limpo.
Ela já foi ouvida uma vez, eu até expedi nova carta precatória para inquiri-la de novo. Eu sei que não vai ser cumprida porque está em Portugal, segundo as informações. Mas nada impede a gente de pedir uma cooperação internacional para solicitar esclarecimentos a ela. Eu preciso ouvir as outras candidatas. Por enquanto a gente só tem o depoimento dela. Eu preciso saber se com as outras aconteceu a mesma coisa. Pode ser um desacerto comercial, alguma coisinha ali direta dela. Porque ela deu início a isso tudo. Quem me garante que não foi ela que teve algum problema ali, alguma coisa, se sentiu traída pelo partido pelo motivo A ou B, e resolveu falar um monte de coisa? A gente não sabe. Tem várias coisas que podem ter acontecido.
Da Época