Segurança que matou jovem em supermercado diz que seu lema “é salvar vidas”
O segurança Davi Ricardo Moreira Amâncio, que matou o estudante Pedro Gonzaga com um golpe de mata-leão no supermercado Extra da Barra da Tijuca, na quinta-feira, tem orgulho de sua profissão. Em seus perfis em redes sociais, o segurança de 32 anos posta, recorrentemente, textos sobre sua rotina no trabalho. Recentemente, ele postou uma foto uniformizado, com uma arma na mão e escreveu que “ser um segurança é conviver com a morte e não se abalar, é estar triste e não chorar, é estar acordado para que todos durmam tranquilos, é dar o seu melhor e não ser reconhecido”. Davi já usou, como a imagem principal de seu perfil, uma foto do ator Jean-Claude Van Damme, famoso por seus filmes de lutas. O segurança também é chamado de “Vandame” por amigos.
Davi conseguiu o emprego de segurança no Extra há um ano e quatro meses. Ele é contratado da empresa Grupe Protection. Antes, era bombeiro civil e também trabalhava em empresas que prestam serviços de segurança patrimonial para outras companhias. Em fevereiro de 2016, época em que ainda trabalhava combatendo incêndios, escreveu que seu “lema é salvar vidas”, num texto que fez em homenagem a um colega de trabalho mais velho.
Depois da rotina de trabalho, o assunto mais recorrente nas redes sociais do segurança é sua família: ele tem duas filhas pequenas, cujas fotos são compartilhadas frequentemente, sempre com elogios. “Deus desenhou cada detalhe com um toque de amor, obrigado meu Deus por essa filha maravilhosa” foi a legenda de uma foto com uma das filhas que postou em março de 2016. Nos comentários de amigos e parentes, muito elogio ao pai “presente”.
O segurança também usa as redes sociais para postar conselhos e frases de auto-ajuda. “Não perca sua serenidade! Quando a irritação nos move, a saúde se descontrola, os órgãos se perturbam e sofremos terrivelmente”, escreveu no início de 2016.
Davi foi indiciado pela Polícia Civil por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e vai responder pelo crime em liberdade, após pagar fiança de R$ 10 mil. Na avaliação do delegado Cassiano Conte, responsável pelo caso na Delegacia de Homicídios da Capital (DH), o segurança “se excedeu na legítima defesa”.
Em depoimento, Davi negou ter apertado o pescoço da vítima, disse que não é lutador e acusou Pedro Henrique de tentar tomar sua arma. Investigadores da DH afirmaram que só o laudo de necropsia irá definir se o jovem morreu por causa do estrangulamento provocado pelo golpe mata-leão ou pela compressão da caixa torácica, quando o segurança coloca o peso do seu corpo sobre o do rapaz, impedindo-o de respirar. Nas imagens feitas de celular por um cliente do mercado, é possível perceber que Davi passa cerca de quatro minutos em cima do jovem, aparentemente franzino em comparação ao porte físico do segurança.
– Até o momento que o jovem caiu no chão e ele pegou a arma, como alega o vigilante, havia uma legítima defesa. A situação muda quando ele extrapola o tempo em que impede o rapaz de respirar – comentou um policial que, por não estar diretamente no caso, preferiu não se identificar.
Segundo o advogado de Davi, André França Barreto, ainda “não é possível afirmar que se tratou de asfixia”.
— As imagens demonstram claramente que não houve “mata-leão”, até porque o Pedro Henrique estava de frente para o Davi. Em segundo lugar, há que se aguardar o laudo pericial, não sendo possível afirmar, neste momento, que se tratou de asfixia.
O professor de Direito Penal da PUC e criminalista Breno Melaragno explica que, embora o delegado tenha interpretado como homicídio culposo, quando não há intenção de matar, o Ministério Público estadual deverá mudar a classificação para homicídio doloso.
— Independente do resultado do laudo, que pode dar como causa da morte o estrangulamento ou sufocamento, a modalidade dolosa (quando há intenção de matar) pode ser percebida pelas imagens que circularam pela internet. Entendo que, ao classificar como homicídio culposo, a autoridade policial considerou que houve legítima defesa por imperícia ou negligência, numa análise técnica. Acredito que o MP estadual irá mudar para homicídio doloso, qualificado pela asfixia, o que torna o crime hediondo. Neste caso, inclusive, cabe prisão preventiva pela periculosidade demonstrada pela conduta do autor do crime — explica o criminalista.
O fato de a mãe de Pedro e testemunhas implorarem para o segurança largar o rapaz e dizer que ele estava com as mãos roxas demonstra, na opinião de Breno, que ele sabia estar extrapolando no uso da força.
— Ele foi avisado que Pedro estava sem ar, mas os ignorou — conclui.
Nas imagens do circuito de segurança do supermercado, o rapaz se aproxima de Davi e parece conversar com ele. Em seguida, quando a mãe de Pedro, Dinalva Oliveira, se aproxima, ele cai no chão e fica se debatendo. Em sua defesa, Davi reforça que se abaixou para tentar ajudá-lo, mas achou que ele estava simulando a situação. Foi quando Dinalva, de acordo com o segurança, avisa que o rapaz era seu filho e que ele era dependente de drogas. Neste instante, outro segurança, Edmilson Félix, se aproxima deles. Segundo Davi, Pedro se levanta e tem outro ataque, fazendo com que ambos caiam no chão.
De O Globo