Abortados da escola: a criança com deficiência e o ensino domiciliar

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Leia a coluna de Jairo Marques, repórter da Folha, tem pós-graduação em Jornalismo Social na PUC-SP. É cadeirante desde a infância.

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E não é que o governo Bolsonaro, tão famigerado defensor dos valores familiares, está agora em defesa da separação da criança com deficiência da escola, em apoio ao ensino domiciliar para esses “pobres coitados” que não conseguem aprender nada em salas de aula convencionais?

Quem carrega o estandarte de tamanha cretinice é, mais uma vez, a nossa defensora-mor, a ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, que alega ser um pedido dos pais de crianças com autismo e de pessoas com deficiências mais graves poderem “ensinar” seus filhos dentro de suas gaiolas cotidianas.

De fato, não são poucas as queixas de famílias que abraçam pessoas com autismo severo sobre a dificuldade de adequá-las a uma escola regular, da falta de apoio e de preparo da escola para tratar da diversidade quando ela é extremamente marcante.

Nesse caso, então, o Estado chancela sua incompetência e opta pelo aborto escolar de um grupo de pessoas e também de suas mães, a quem, em geral, vai caber o papel de ensinar seus próprios filhos, de anular suas próprias vidas, de inviabilizar qualquer possibilidade de interação com o mundo lá fora.

Com a aprovação dessa medida escandalosa, em vez da insistência da criação de espaços plurais de educação, de avanço na qualificação e de acessibilidade nos lugares de ensino para atendimento de todos, opta-se por dizer: “Toma que o filho é seu”.

Sinceramente, entendo a dor dos pais que se queixam do jeito largado que seus filhos com múltiplos comprometimentos ficam em algumas escolas, mas reforço que a angústia, a loucura, a alienação provocadas pelo isolamento têm efeitos mais perversos e definitivos.

Os exemplos de crianças em situações de extrema dependência física e intelectual que galgam resultados expressivos dentro de um ambiente escolar inclusivo estão por todos os lados.

O bullying, as falhas de tratamento, as ineficiências estão no pacote? Estão, mas melhor pedir apoio para o enfrentamento a essas desvirtudes do que esperar apoio assistencial miserável no futuro.

Não cabe a mim opinar a respeito de famílias que desejam educar seus filhos em casa alegando razões diversas.

Mas afronta minha vida, diretamente, pais de crianças com deficiência, sem outra opção mais humana e mais moderna, serem colocados no mesmo balaio, de serem levados a manter seus filhos “protegidos sob suas asas”.

São situações muito diferentes e que Damares iguala sem compaixão, sem reflexão e com um arrazoado de argumentos.

Mesmo tendo eu algum controle de minhas faculdades mentais, até hoje ouço aqui ou ali pessoas dizerem que sabem “o que é melhor para mim”, fazendo escolhas antecipadas por mim, tomando atitudes e decisões por mim.

Quando se transporta isso para um pequeno, a dimensão, evidentemente, se torna gigante, assim como as consequências.

Mas nessa tomada de atitude é preciso deixar claro que proteção extrema não é sinônimo de futuro amparado, que fazer de tudo para um bem-estar no meu mundo não significa ficar minimamente preparado para o mundo.

Toda pessoa com deficiência, todo “serumano”, em sua essência, precisa, antes de qualquer juízo de valor sobre suas características, ter a chance de se expressar como é, de aprender como puder, de interagir do jeito que lhe convier. Qualquer outra interpretação é fruto de desalinho com a defesa da vida sob qualquer circunstância.

Da FSP