Dia do Índio precisa desfazer rótulos, diz professor indígena de SP

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Emerson de Oliveira Souza, 45, é um dos únicos professores indígenas da rede estadual de São Paulo a dar aulas em um colégio regular, na periferia da capital. De etnia guarani, cientista social, escritor e mestrando em antropologia pela USP, ele defende novas maneiras, mais modernas e representativas, de celebrar o índio na escola.

De acordo com o professor, a maior parte dos colégios segue tratando a questão indígena da mesma maneira como ele aprendeu há décadas, seguindo um modelo romantizado, do índio morador da floresta, pelado e que se pinta de tinta a guache, com uma peninha na cabeça.

“Temos 305 etnias indígenas no Brasil. São 305 povos, totalmente desconhecidos, a serem apresentados aos alunos. Temos a literatura, a mitologia, a história de criação, o grafismo, as 274 línguas. A escola precisa passar a ter uma metodologia com mais sintonia com a realidade do povo índio hoje, que luta para existir no país que ele mesmo construiu”, afirma Emerson.

Ainda segundo o professor,  cujo nome indígena é Kununimi Guyra Morantin, que significa menino que é um pássaro branco, “o 19 de abril  [Dia do Índio] precisa ser data de desconstrução dos estereótipos” que recaem sobre os índios.

A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), na avaliação dele, não aborda recomendações explícitas para o tratamento em sala de aula dos valores indígenas.

“O que existe sobre temática indígena na sala de aula é sustentado por uma lei de 2008, que tenta modernizar o debate. A base nacional não faz orientação técnica sobre uma maneira de abordar o tema em todas as séries. O que se vê em curso é contrário, o uso do modelo eurocêntrico para falar sobre o índio.”

A escolha pelo estudo da antropologia foi justamente para dar corpo ao pensamento de novas formas de ver o mundo e o índio. “Os indígenas precisam adentrar as universidades para conseguir inverter os papéis. Se ele era objeto de pesquisa, hoje ele passa a ser o pesquisador.”

Na esteira do que declara o professor, alguns colégios de São Paulo já tentam adotar maneiras mais contemporâneas e críticas de tratar a questão indígena.

No Visconde de Porto Seguro, por exemplo, está sendo promovida uma exposição no Instituto Martius-Staden, que fica dentro do complexo da escola, no Morumbi (zona oeste), com fotografias de índios Botocudos, feitas durante as viagens do fotógrafo Walter Garbe pelo interior do Brasil.

Já o colégio Santo Amália, na Saúde (zona sul), resolveu seguir recomendação da Unesco, que celebra o Ano Internacional das Línguas Indígenas, e promover uma série de debates e reflexões sobre a temática, que varia conforme o ano escolar.

Alunos do 4º ano do ensino fundamental, por exemplo, trabalham o gênero lendas, em língua portuguesa, e estudam características de etnias espalhadas pelo país, na disciplina de geografia. Em novembro, trabalhos desenvolvidos sobre o tema serão apresentados em evento interno sobre diversidade cultural.

A escola Roberto Norio, no Paraíso (zona sul), vai levar  alunos, no final deste mês, para um centro de cultura e lazer, em Juquitiba (SP), onde aprenderão sobre aspectos da vida dos índios do Xingu.

Parte da família do professor Emerson ainda vive em uma aldeia em Bauru, no interior paulista. Ele tem três filhos [uma das filhas faz medicina na UFSC] e dá aulas há oito anos em uma escola estadual da zona leste.

“Há um processo terrível em curso contra os indígenas no Brasil, e a grande luta dos povos hoje é pelo menos manter seus direitos. Há um desmonte em curso das políticas indigenistas”, afirma Emerson, que vê na educação caminho para mudar essa realidade.

Da FSP