Elegendo Bolsonaro, Brasil resolveu arriscar tudo que conquistamos pós ditadura

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Leia a coluna de Celso Rocha de Barros, servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra)

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Antídoto Google: foi ditadura

Inventei a expressão “Antídoto Google” na época em que fazia blog. Um antídoto Google é um texto que explica direito o que muitos dos textos que aparecerão em uma busca de internet sobre um dado tema falsificam. Este pretende corrigir o meme “não foi ditadura”, espalhado pelos bolsonaristas.

Bom, foi ditadura.

No regime político inaugurado no Brasil em 1º de abril de 1964, os brasileiros não tinham o direito de eleger quem os governava. Logo, o regime de 64 foi uma ditadura.

Quando a UDN aderiu à luta armada em 31 de março de 1964, o discurso era o seguinte: as eleições presidenciais de 1965 seriam realizadas como a lei previa. Pelas pesquisas, o favorito para vencê-las era o moderadíssimo Juscelino Kubitschek.

Mas aí, né, meu amigo? A turma já estava no poder, todo mundo arrumou cargo, todo mundo feliz de ser chamado de excelência, vão entregar o poder de volta para o povo por quê?

Não teve eleição presidencial em 1965.

Se houvesse Twitter na época, a hashtag #ChoraLacerda teria chegado ao topo dos trending topics, em homenagem ao otário que achou que seria o candidato do regime quando as eleições acontecessem.

O presidente passou a ser eleito pelo Congresso. Opa, você vai dizer, mas então tudo bem, é parlamentarismo, parlamentarismo é democracia também, certo?

Não, filho. Não era parlamentarismo. Era sacanagem.

O Congresso votava em quem os generais mandavam. Os deputados que teriam feito oposição mais ativa foram cassados logo no começo. Nenhum deputado queria ir para o pau-de-arara. Em 1968, os generais fecharam o Congresso por causa de um discurso. Imaginem o que teriam feito se os deputados resolvessem levar a sério a votação para presidente.

Era como nas eleições do Iraque do Saddam ou de Cuba do Fidel, em que o governo sempre ganhava.
E todo mundo sabia que era teatro, não era segredo. Na época, ninguém se interessava pela votação no Congresso. O importante era saber como andavam as disputas entre os generais, porque dali é que saía o presidente.

A propósito, nesse meio tempo acabaram também as eleições para governador, porque a oposição venceu algumas delas.

O padrão era esse. Toda vez que o regime perdia, fazia alguma mutreta com as regras. Por exemplo, na eleição de 1974 para senador, a oposição foi muito bem. Resultado: inventaram um novo tipo de senador, os senadores “biônicos”, que não eram eleitos pelo povo.

Finalmente, os bolsonaristas gostam de perguntar: “que ditadura é essa que entregou o poder pacificamente?”. Bom, pra começo de conversa, teve as ditaduras comunistas do Leste Europeu (à exceção da Romênia). Não é raro: a ditadura vê que vai cair e negocia a transição ainda no poder, de uma posição ainda vantajosa.

Se você quiser defender a ditadura mesmo assim, vá em frente, não sou sua mãe. Mas era ditadura.
E lembre-se: depois do golpe militar, foram 25 anos até os brasileiros voltarem a eleger seu presidente.

Depois do fim do regime, foram quase dez anos até a democracia controlar a inflação herdada da ditadura, mais de 20 até a desigualdade de renda cair até onde estava em 1964, e 30 até o Judiciário ganhar autonomia para processar governantes corruptos, o que era impensável na ditadura.

E aí nós resolvemos arriscar tudo elegendo Bolsonaro.

Da FSP