Sem investimento em cisternas, semiárido teme novo “apagão” de água

Todos os posts, Últimas notícias

Os cortes de verba do Programa Cisternas nos últimos anos reduziram o número de equipamentos construídos no semiárido e deixou mais distante o sonho de universalizar o acesso à água ao sertanejo. Desde o início da segunda gestão do governo Dilma Rousseff (PT), os valores vêm sendo reduzidos. Entre 2015 e 2019, por exemplo, a soma de orçamentos dos cinco anos para o programa representa 80% do valor investido apenas em 2014.

Enquanto os cortes seguem, a fila de espera por cisternas cresceu nos últimos anos com o surgimento de novas famílias e agora provoca temor de “apagão” de água por falta de um equipamento para armazenar água.

Um levantamento da ASA (Articulação do Semiárido) –que reúne 3.000 organizações da sociedade civil nos estados do Nordeste e Minas Gerais– aponta que, em neste mês, 343 mil famílias semiáridas não têm cisternas ou outra fonte de abastecimento ou reserva de água.

Desde 2003, quando o governo federal lançou o programa para construção de cisternas, foram construídos equipamentos em 1,1 milhão de domicílios. Ao todo, 1,75 milhão de famílias vivem na área rural do semiárido –ou 9,5 milhões de pessoas–, sendo que 395 mil têm abastecimento regular e não dependem de cisternas para guardar água.

Queda de investimento
O UOL analisou o investimento do programa nos últimos anos e percebeu uma queda de até 95% no valor destinado em comparação entre alguns anos. Em 2012, o valor investido no programa atingiu seu maior volume, chegando à cifra de R$ 1,38 bilhão, em valores corrigidos pela inflação. Em 2017, atingiu o piso de R$ 52,5 milhões. Para este ano, o valor orçado é de R$ 75 milhões –o mesmo do ano passado.

Em 2018, o programa teve o menor número de cisternas construídas desde o ano de seu lançamento, em 2003: 16,7 mil equipamentos. Segundo o Ministério da Cidadania, nos três primeiros meses deste ano o governo federal entregou 8.617 cisternas para o consumo humano de água –o que projeta uma perspectiva de cerca de 34 mil cisternas até o fim de ano.

Se seguir no ritmo atual de construções –e num cenário otimista de o número de famílias se manter estável– o país levaria ao menos 10 anos para concluir a universalização das cisternas para todas as famílias.

“É um desanimador. Esse programa é uma iniciativa que tem um sucesso enorme, é copiada por outros países, mostra uma eficiência, e os cortes mostram que ele está perdendo importância do ponto de vista prático e concreto. Fica uma preocupação por perdermos algo que funciona, que não tem privilégio e que é bom para as pessoas”, afirma Alexandre Pires, integrante da coordenação executiva da ASA.

Proposta para zerar fila
O valor para zerar a fila de espera por cisternas é de R$ 1,25 bilhão, que segundo a ASA serviria para atender todas as 343 mil famílias que aguardam o equipamento. A proposta da ASA é que o valor esteja contemplado no PPA (Plano Plurianual) 2020/2023.

Segundo Pires, o diagnóstico é um ponto crucial para que se saiba exatamente o que o Nordeste precisa. “Se liberar recursos, na perspectiva da nossa ação, ouso dizer que chegaríamos [a universalização] nesses primeiros três anos.”

Além das cisternas de primeira água (para consumo humano), a ASA também fez um levantamento de famílias que ainda aguardam cisternas de segunda água, que são maiores e servem para armazenar água para produção. Hoje existem 202 construídas e 797 a construir, que necessitam de um investimento de R$ 12,35 bilhões.

Nesse caso, a proposta da ASA é atender 239 mil famílias no próximo PPA, com um investimento de R$ 4,3 bilhões. As demais cisternas seriam concluídas nos oito anos seguintes, nos PPAs 2024-2027 e 2028-2031.

Semiárido quer diálogo
Segundo Alexandre Pires, um problema enfrentado agora pelas entidades é a extinção Conselho Nacional de Segurança Alimentar. “O espaço dessa interlocução era esse conselho. A definição de como seria usado recurso de cisternas sempre passou por lá, agora não sabemos mais como será”, afirma.

Até o momento, a entidade afirma que não foi chamada pelo Ministério da Cidadania para debater será a distribuição de recursos ao semiárido. “Nós sentamos com algumas organizações, como a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), buscando uma agenda com o ministro Osmar Terra para tentar escutar e falar com ele sobre demandas”, afirma.

Na quarta-feira, foi lançada em Brasília a Frente Parlamentar em Defesa da Convivência com o Semiárido, que inclui cerca de 200 deputados e senadores de vários estados e partidos. “Nossa missão é cobrar do governo Bolsonaro investimentos nas políticas de convivência com o semiárido. A maior demanda é a de acesso à água para consumo e produção de alimentos”, disse o presidente da frente, deputado Carlos Veras (PT-PE).

Em resposta ao UOL, o Ministério da Cidadania reforçou que o orçamento aprovado para o programa Cisternas em 2019 é de R$ 75 milhões. “De janeiro a março, já foram entregues mais de 10 mil cisternas, sendo: 8.617 para armazenamento de água para o consumo humano, 1.587 para produção de alimentos e 170 cisternas escolares. A expectativa é que sejam entregues mais de 56 mil cisternas entre 2019 e o primeiro semestre de 2020”, diz a nota, sem citar metas previstas para os próximos anos.

O que é uma cisterna
As cisternas são equipamentos simples, feitos com mão de obra local. Cada cisterna tem custo estimado de R$ 3.500, e ela tem capacidade de armazenagem de 16 mil litros de água.

O governo ainda investe para que a família receba uma capacitação para operar a cisterna, que armazena água da chuva e, em períodos secos, pode receber água de caminhões-pipa (e assim evitam os deslocamentos para buscar água).

Foi graças aos equipamentos, por sinal, que milhares de famílias conseguiram conviver com a seca que afetou a região entre 2012 e 2018, quando as cisternas foram abastecidas pelos carros-pipa.

O programa brasileiro de cisternas recebeu, em 2017, o prêmio “Future Policy Award” (Política para o Futuro), em Ordos, na China. A premiação homenageia ações de combate à desertificação e à degradação da terra e é concedido pelo World Future Council, em cooperação com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.

Dotação orçamentária:
2011* – R$ 779,4 milhões
2012* – R$ 1,38 bilhão
2013* – R$ 1,14 milhão
2014* – R$ 845,1 milhões
2015* – R$ 340,4 milhões
2016* – R$ 148,7 milhões
2017* – R$ 52,5 milhões
2018* – R$ 75,9 milhões
2019 – R$ 75 milhões
*valores corrigidos pelo IPCA até janeiro de 2019

Cisternas de 1ª água construídas:
2011 – 87.741
2012 – 78.063
2013 – 100.971
2014 – 111.465
2015 – 86.195
2016 – 57.389
2017 – 47.123
2018 – 16.700
2019 – 8.617*
*Até março
Fonte: Ministério da Cidadania

Do UOL