Piada homotransfóbica agora é crime

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É muito comum ouvir o argumento de que a “população não está preparada” para aceitar os avanços dos direitos da população LGBT. Não é uma afirmação vazia. Pesquisa realizada pela agência de pesquisa “Hello Research” mostrou que 49% dos brasileiros são contra a união entre pessoas do mesmo sexo (21% são indiferentes, e 30% a favor da união ou casamento gay). A opinião da maioria deve, porém, impedir a agenda progressista LGBT?

Em um Estado democrático de Direito, a tutela plena dos direitos humanos, dentre eles os da população LGBT, jamais deveria ter de passar pelo crivo da conveniência política de nenhum governo. Ela deve estar além —ou acima—, inclusive, dos interesses da maioria, sem que isso guarde qualquer rastro antidemocrático.

A opinião da maioria nem sempre representa o melhor caminho em termos civilizatórios (vide Alemanha nazista) e, para que ela não prevaleça, é indispensável a existência de mecanismos que resguardem os direitos da minoria. No Brasil, esse papel é exercido pelo STF, que recentemente contrariou a onda conservadora ao decidir a favor da criminalização da homotransfobia como forma de racismo, quando do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 26 e do mandado de injunção nº 4.733.

A importância dessa decisão vai além da óbvia conclusão de que a piadinha homotransfóbica, que nunca teve graça, agora também é crime: ela representa um sopro de esperança para uma população cujos pleitos vêm se tornando alvo de uma política governamental de ofuscamento.

No sistema político brasileiro, a pauta do Executivo reflete na agenda do Legislativo —que, pela sua maioria conservadora, já é claramente insensível aos anseios progressistas. Se o presidente da República demonstra ter um comportamento contrário aos avanços da população LGBT, qualquer conquista, pela via de lei, fica ainda mais inviável.

É o que se observa de uma série de projetos que tramitam a passos de tartaruga nas casas legislativas, como o que reconhece os direitos à identidade de gênero e à troca de nome e sexo nos documentos de identidade de transexuais; o que elimina limitações à doação de sangue por homens gays; e o que visa acrescentar o LGBTcídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio e inclui o LGBTcídio no rol dos crimes hediondos.

O ativismo judicial mostra-se como a única saída viável para a população LGBT. Foi assim com o reconhecimento da união estável (e, posteriormente, o casamento) de pessoas do mesmo sexo; com a viabilidade da mudança de gênero no registro civil do transexual, independentemente de cirurgia de transgenitalização; ou com a proibição (liminar) da realização de tratamentos direcionados à “cura gay”. É de grande relevância histórica, portanto, o julgamento do STF a favor da criminalização da homotransfobia.

É lógico que não se espera que, a partir de agora, não mais se presenciem atos homotransfóbicos. Apesar de as leis de combate ao racismo e ao feminicídio já serem parte do cotidiano brasileiro, há anos negros e mulheres ainda são vítimas de obtusos delinquentes. É natural que, num primeiro momento, algumas pessoas não estejam prontas, mas a civilidade impõe adequações. Afinal, a situação é alarmante: a cada 20 horas um LGBT morre no Brasil vítima de LGBTfobia.

Que se cuide o anacrônico tio que ainda conta piadas de cunho homotransfóbico, legitimando uma perversa onda de cultura LGBTfóbica, ou vai ter que responder na Justiça pelo seu irresponsável descompasso com a evolução da sociedade civil.

Da FSP