Bolsonaro promove privataria para beneficiar elite carioca

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Marcelo Fonseca/Folhapress

Cozinha-se no andar de cima do Rio de Janeiro a possibilidade de concessão do terreno da Universidade Federal (UFRJ), onde funcionou a casa de shows Canecão, na boca do túnel que leva a Copacabana, para a instalação de uma filial carioca do Hospital Sírio-Libanês.

Seria a privataria debochando da história.

No século passado, quando o Rio tinha a elite médica do país, a Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil funcionava ali perto e grandes doutores como Oswaldo Cruz, Paulo Niemeyer e Ivo Pitanguy associavam sua fama à medicina pública.

A essa época a Faculdade de Medicina de São Paulo começava a crescer, associada ao seu Hospital das Clínicas (público). Do HC irradiou-se uma competência que ajudou a produzir hospitais como o Sírio, o Albert Einstein e a Beneficência Portuguesa (BP). No Rio, o Hospital da Clínicas claudica há mais de 50 anos e a grande medicina privada ficou para trás, junto com a pública.

Conceder o terreno da Canecão ao Sírio, ou a qualquer hospital de endinheirados, é debochar da história. Se o Sírio entrar no negócio e quiser fazer um hospital para atender sobretudo a pacientes do SUS, parabéns.

Se a universidade precisa de dinheiro, deve conceder o terreno a quem pagar melhor. Se um hospital abonado precisa de espaço, pode comprá-lo, onde bem entender. Fora disso, é pura privataria, lustrando a medicina de quem pode pagar, à custa do patrimônio da Viúva.

O andar de cima do Rio ressente-se da falta de um bom hospital, mas deve resolver esse problema no mercado. A plutocracia de São Paulo, como a de Nova York, tem bons hospitais porque patrocinou-os.

O Sírio nasceu na casa de Adma Jafet, o Einstein teve o amparo da comunidade judaica e de Joseph Safra. A Beneficência foi a menina dos olhos do bilionário Antônio Ermírio de Moraes. Quando o Memorial Sloan-Kettering de Nova York precisou de mais terreno, John D. Rockefeller Jr. doou-o. Quando precisou de mais dinheiro, ele veio de Alfred Sloan e Charles Kettering. Eram dois magnatas da General Motors.

Quando a GM acabar, eles serão lembrados pelo hospital.
Bolsonaro desarrumou a Casa Civil

O Planalto sempre foi uma usina de intrigas, hoje é uma usina de crises porque a quitanda não tem gerente. Seja qual for o presidente, a Casa Civil funciona (ou não) como uma espécie de quilha, e Jair Bolsonaro ainda não se adaptou a essa ideia.

As atribuições de sua Casa Civil funcionam como uma sanfona. Gustavo Bebianno e o general Santos Cruz, dois ministros que anexaram parte de suas funções, foram demitidos em episódios
em que o temperamento prevaleceu sobre o desempenho.

O mais surpreendente é que essa confusão acontece enquanto está no cargo o deputado Onyx Lorenzoni. A despeito da sua figura pitoresca, Lorenzoni entregou a Bolsonaro a sua maior vitória política, que foi a eleição da Davi Alcolumbre para a presidência do Senado, derrotando o cacique Renan Calheiros.

Conseguiu isso numa proeza de articulação política. Lorenzoni é um parlamentar experiente, capaz de engolir sapos três vezes por dia. Bolsonaro pode dar essa dieta ao seu chefe da Casa Civil mas, com ele ou com outro, não pode esperar que a repartição funcione.

Registro
No ano passado uma juíza israelense trocou mensagens impróprias com um advogado que tratava dos malfeitos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

A juíza reconheceu a autenticidade das mensagens. Elas foram poucas e, num caso, mais escrachada que os diálogos de Sergio Moro com Deltan Dallagnol.

A juíza foi suspensa e afastada do caso, bem como de quaisquer processos criminais, por dois anos.
Diante do escândalo, a presidente da Suprema Corte proibiu as comunicações de juízes com promotores fora dos tribunais e dos registros públicos.

Isso em Israel, um país que vive em estado de guerra.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e durante dez anos foi filiado ao sindicato dos garçons, sem nunca ter entrado num restaurante. O cretino exultou com uma recente decisão do Tribunal de Contas da União.

Os doutores decidiram que se um cidadão formou-se em direito e durante dez anos pagou suas anuidades para a Ordem dos Advogados do Brasil sem jamais ter contribuído para a Previdência, esses dez anos contam como tempo de serviço, caso ele tenha se tornado um magistrado
e queira se aposentar.
Eremildo tem certeza de que os doutores do Tribunal de Contas não quiseram criar uma gambiarra para favorecer juízes e acredita que eles poderão estender o benefício aos garçons e aos sapateiros. Afinal, o dinheiro da contribuição de garçons e sapateiros ajuda a pagar a aposentadoria dos juízes.

Se
Se a polícia espanhola tivesse achado 39 quilos de cocaína com o sargento-taifeiro num avião de apoio de uma viagem de Lula.

Se um juiz tivesse oferecido ao advogado de José Dirceu a apresentação de uma testemunha (“a fonte é séria” ) para defendê-lo.

Se um miliciano acusado de ter matado a vereadora Marielle fosse vizinho de Dilma Rousseff.

Se um ex-PM administrasse um regime de rachadinhas com funcionários de gabinete de Fernando Haddad.
Em todos esses casos alguém poderia dizer que foi “falta de sorte” a Lula, Dirceu, Dilma e Haddad, pois eles nada teriam a ver com os malfeitos dos outros.
Falta de sorte mesmo é ter que ouvir o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, dizer que uma maleta de cocaína num avião da FAB a serviço da Presidência, na véspera da reunião, do G-20 foi um azar.

Recordar é viver
Em 1976, no regresso da comitiva de uma viagem do presidente Ernesto Geisel à Inglaterra, os militares de um avião de apoio não queriam que a Alfândega inspecionasse as bagagens dos passageiros e, por isso, os agentes da Polícia Federal não queriam carimbar seus passaportes.

Um oficial deu voz de prisão a três agentes e o avião taxiou para a área da Base Aérea do Galeão,
onde se deu o desembarque.

Vida dura
Está dura a vida do governador mineiro Romeu Zema. A caciquia do partido Novo tenta tutelar sua administração com o mesmo rigor que, há tempo, o comissariado petista tentava controlar prefeitos-companheiros.

Por questão de justiça, ressalve-se que a qualidade da interferência é bem outra. A turma do Novo reclamou porque ele foi a um sindicato,mas tratava-se de uma guilda patronal.

O enigma do Stonewall
Passadas as comemorações do cinquentenário da noite em que os gays e as lésbicas do bar Stonewall encestaram os policiais que foram humilhá-los, persiste um enigma: onde foi parar Tammy Novak?

Tudo indica que ela foi a primeira pessoa a reagir, quando um policial tentou empurrá-la para dentro do camburão. Noutra versão, uma drag queen que já estava no furgão enfiou o salto de seu stiletto no peito de um guarda e saiu do carro. Nunca se soube de quem era aquela perna.

Tammy Novak tinha 17 anos e vivia com o mafioso dono do bar. Depois daquela noite nunca mais se soube dela.

Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”.

Da FSP.