Diz a lei: é proibido que acusação ou defesa tenham aconselhamento do juiz da causa

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Diz a lei que o juiz deve declarar que é suspeito para prosseguir no processo se tiver aconselhado qualquer das partes (art. 254, IV, do Código de Processo Penal). Caso sejam verdadeiras as mensagens entre o hoje ministro Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, pelo menos uma delas indica um ato de aconselhamento do então juiz ao Ministério Público.

Em 2018, o Supremo Tribunal Federal declarou que as conduções coercitivas para interrogatório eram inconstitucionais. Até então, a população assistira sua utilização em larga escala pela operação Lava Jato.

Um dos principais argumentos, constante em várias decisões para justificar a condução forçada de um investigado, era a necessidade de impedir que os suspeitos conversassem entre si antes dos seus depoimentos. Ou seja, impedir que discutissem estratégias comuns de defesa. Argumento equivocado, como afirmou o Supremo.

Se o suspeito não está obrigado a falar, ou se falar, não precisa dizer a verdade, é indiferente se mente sozinho ou se o faz depois de discutir com outro suspeito. Nenhuma linha de investigação séria pode se basear apenas na palavra do suspeito.

De outro lado, a parte acusatória sempre foi livre para discutir estratégias seja entre seus membros seja com funcionários de outras agências governamentais, o que constitui a verdadeira essência de uma força-tarefa.

No entanto, se as partes –acusação ou defesa– podem debater estratégias processuais entre si, é proibido que contem com o aconselhamento do juiz da causa.

Ao julgar à época no Supremo essa ação que questionava a condução coercitiva (ADPF 395) e defender a medida que foi considerada inconstitucional, assim escreveu o ministro Luís Roberto Barroso: “E agora que juízes corajosos rompem esse pacto oligárquico de impunidade e de imunidades e começam a delinear um direito penal menos seletivo e a alcançar criminosos do colarinho branco, há um surto de garantismo”.

Com essas palavras, o ministro sustentava que as medidas empregadas pelo juiz da Operação Lava Jato, dentre outros magistrados, eram uma necessidade para o enfrentamento do crime.

Não podia saber, naquela altura, que um dos juízes corajosos a quem se referia não apenas poderia ter agido com parcialidade em favor do Ministério Público (quando deveria ser equidistante e imparcial), como também discutido e aconselhado os acusadores sobre estratégias de atuação.

A contradição e a ilegalidade dessa prática são evidentes: um juiz que prende e manda conduzir suspeitos para que não conversem entre si (o que é lícito) não poderia, jamais, conversar às escondidas com a parte acusatória.

Essa prática absurda e ilegal não é sinônimo de coragem, mas de comportamento incompatível com as regras do Código de Processo Penal e uma violação dos princípios mais elementares da Justiça e do devido processo legal.

É certo que o juiz, como qualquer ser humano, pode ter uma opinião formada sobre um caso, mesmo antes de proferir a sentença. Mas quando suas opiniões se transformam em ações no sentido de favorecer, com conselhos, uma das partes, ele perde a isenção necessária para julgar o caso.

Ao se unir à parte acusatória para favorecê-la, o magistrado prejudica a defesa dos indivíduos e perde a legitimidade para prosseguir julgando o caso. Se esse mesmo juiz fosse desmascarado dando conselhos a um advogado para vencer a causa, seria igualmente errado.

Assim, caso comprovados os fatos que vieram à tona nos últimos dias, talvez o ministro Barroso queira rever a frase escrita no seu voto, mantendo, porém, o parágrafo imediatamente seguinte: “Violência policial, direito penal do autor, abuso de autoridade judicial, nada disso faz parte da minha visão de como deve funcionar o sistema punitivo no Brasil. O direito penal deve ser moderado, sério e igualitário”.

Da FSP