Liberar FGTS não nos ajudará a sair da estagnação

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Diante de evidências cada vez mais gritantes de que o quadro atual de estagnação se deve a uma insuficiência crônica de demanda, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou que pretende liberar saques de contas ativas do FGTS como forma de estimular a economia brasileira.

Se realizada, a medida pode contribuir para dar alguma injeção de ânimo ao consumo em meio à falta de dinamismo do mercado de trabalho e ao endividamento das famílias, elevando assim as vendas das empresas.

Não há dúvida de que tais efeitos serão temporários e insuficientes para neutralizar o impacto negativo do corte de investimentos públicos e da desaceleração global sobre nossa economia, mas o que chama a atenção é o contraste entre o diagnóstico da crise apresentado por Guedes em inúmeras palestras —antes, durante e após a campanha eleitoral— e o choque de realidade quando na cadeira de ministro.

Subitamente, em meio ao discurso recheado de soluções ultraliberais clichê, entre as quais a flexibilização radical das leis trabalhistas, a redução de impostos para empresários, a privatização de todos os ativos públicos e a abertura comercial indiscriminada como forma de garantir crescimento econômico e geração de empregos, Guedes incluiu uma medida cuja racionalidade está amparada no multiplicador keynesiano do gasto autônomo –no caso, os efeitos diretos e indiretos sobre o consumo e o investimento da liberação das contas do FGTS para saque.

A surpresa fica bem menor ao olhamos para trás ou ao nosso redor. Em dezembro de 2016, sete meses depois de chegar ao poder com uma plataforma baseada na Ponte para o Futuro, cujos pilares eram a reforma trabalhista e o corte de gastos públicos, Michel Temer e sua equipe apelidada de “dream team” econômico revelaram uma criatividade inesperada ao anunciar a liberação de contas inativas de FGTS e PIS/Pasep.

A medida, implementada em junho do ano seguinte, foi essencial para a variação positiva do consumo das famílias e do PIB, que cresceu 1% em 2017 após dois anos de queda (ajudado também por uma safra agrícola recorde no primeiro trimestre do ano).

Na Argentina, uma realidade um tanto quanto complexa também vem se impondo às receitas formuladas para o mundo dos livros-texto de introdução à economia.

Desde que assumiu, em 2016, com a promessa de estabilizar os preços pelo estabelecimento de um regime de metas de inflação com credibilidade, em que a taxa de câmbio passaria a flutuar livremente,Macri passou das elevações sucessivas da taxa de juros à venda de reservas cambiais, ao abandono das metas de inflação com substituição da fixação da taxa de juros pelo controle da base monetária e, finalmente, ao velho congelamento de preços de produtos essenciais e tarifas de serviços públicos.

Diante do fracasso, muitos culpam o excesso de gradualismo no ajuste fiscal implementado por Macri, ou, de modo geral, a adoção insuficiente de medidas convencionais que deveriam ter funcionado. Esperam assim que o mundo se ajuste à realidade de seus modelos econômicos, e não o contrário.

No Brasil, tampouco faltarão analistas assistindo a uma década perdida de estagnação da renda per capita e lamentando que as reformas da Previdência e trabalhista, a abertura comercial e as privatizações foram brandas demais, ou lentas demais.

Tornam-se vítimas, assim, do mesmo mal que criticam em seus interlocutores, com base, por exemplo, na célebre frase de Henry Louis Mencken: para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.

Da FSP