Para justificar gastos, presidente do PSL compra notas fiscais frias

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Presidente nacional do PSL, partido de Jair Bolsonaro, o deputado federal Luciano Bivar (PE) apresentou à Câmara e ao Tribunal Superior Eleitoral notas fiscais de duas empresas que negociam a venda desse tipo de documento.

A primeira empresa, ML Serviços de Comunicação, pertence a uma assessora de Luciano Bivar e foi destinatária de R$ 50 mil de verbas da Câmara de 2017 a abril deste ano.

Filiada ao PSL desde 2013, a proprietária, Marta Patrícia Heitor Lemos, confirma ter fornecido as notas relativas a 2017 e 2018 sem ter prestado os serviços, que teriam sido feitos, na verdade, por uma outra assessora que não tinha empresa em seu nome.

Ela afirma que, anteriormente, a jornalista Maria das Graças de Lima, que morreu neste ano, era a responsável pela assessoria de imprensa do político.

“Ela não tinha empresa. Desta forma, eu passava a nota e ela pagava o imposto”, diz Marta Lemos, que afirma ter começado a trabalhar diretamente para o gabinete de Bivar apenas em fevereiro deste ano.

Folha também teve acesso a uma conversa telefônica gravada em que ela negocia a venda de uma nota fiscal de sua empresa a uma pessoa que se passava por assessor de um deputado federal, mediante comissão de 25% a 30% do valor do documento. O negócio não chegou a ser fechado. Marta confirmou essas negociações e, questionada pela reportagem, disse ter se arrependido.

Em anos anteriores, a ML figura como prestadora de serviços de assessoria de comunicação à fundação de estudos e atividades de militância do PSL nacional, com notas mensais no valor de R$ 2.500.

Em 2014, a empresa emitiu notas no valores de R$ 6.868,76 e R$ 5.000 para organizar seminários sobre as eleições daquele ano nas cidades de Recife e Petrolina.

É relacionada a essa associação do partido que surge o nome da segunda empresa, a Associação Pró Esporte e Cultural, também de propriedade de uma filiada ao PSL, Giselle Miller do Amaral, que foi candidata a deputada estadual pelo partido em 2014.

A Pró Esporte aparece na prestação de contas do PSL nacional como tendo realizado um seminário preparatório às eleições no Rio de Janeiro, em 2014, ao custo de R$ 15 mil.

Folha também obteve acesso à troca de mensagens entre a dona da empresa e uma pessoa que se passou por assessor de um deputado federal e que adquiriu, mediante comissão, uma nota fiscal fria da Pró Esporte com valor de face de R$ 8.000.

O serviço descrito na nota, que jamais existiu, é a realização de seminário sobre participação das mulheres nas eleições de 2020.

Nessas conversas, Giselle indica ter fornecido notas frias a Bivar e afirma que sua candidatura em 2014 foi de fachada, apenas para cumprir a cota mínima de candidatas mulheres.

Essas notas da fundação foram entregues pelo partido ao Tribunal Superior Eleitoral nas prestações de contas anuais da legenda, como comprovantes do uso que a sigla fez do fundo partidário, o dinheiro público destinado às legendas.

De acordo com técnicos da Câmara ouvidos pela Folha, apresentar à Casa uma nota fiscal que não corresponde à realidade configura, em tese, crime de falsidade ideológica, com pena de 1 a 5 anos de prisão.

Luciano Bivar é fundador do PSL e é tratado como dono da sigla, considerada nanica até o ingresso de Jair Bolsonaro e seus aliados, no início de 2018.

O partido recebeu até 2018 cerca de R$ 7 milhões ao ano de fundo partidário, mas, com a onda que elegeu Bolsonaro, passará a ter direito, a partir deste ano, a mais de R$ 100 milhões ao ano —a distribuição do fundo entre os partidos é calculada com base nos votos obtidos por seus candidatos a deputado federal.

Como mostrou a Folha, a atividade partidária de Bivar —que foi candidato a presidente da República em 2006, tendo obtido apenas 0,06% dos votos— se mistura em alguns pontos com suas atividades empresariais. Dirigentes da sigla são ligados a empresas ligadas a ele. Bivar declarou em 2018 bens no valor de R$ 18 milhões.

Folha também mostrou em fevereiro que seu grupo político ​criou candidatas laranjas em Pernambuco que receberam mais de R$ 600 mil de dinheiro público do partido na eleição de 2018.

O caso é similar ao revelado pela Folha em Minas Gerais, cujo diretório do PSL era comandado à época pelo atual ministro de Turismo de Bolsonaro, Marcelo Álvaro Antônio. Os políticos negam irregularidade. Os dois casos são investigados pela Polícia Federal.

“Então não era ela que dava o serviço profissional? Então vou ter que despedi-la. Como é que ela fazia isso, meu Deus do céu? Se ela que prestava o serviço, falava comigo, mandava as notas dela e ela não prestava o serviço? O que ela fazia, então?”, disse o dirigente, se referindo à afirmação da assessora de que o trabalho era prestado por outra jornalista.

“Se ela fez essa confissão, ela é uma proxeneta [intermediária de casos amorosos] da Graça, então.”

Segundo o dirigente, Marta prestava serviço de assessoria de imprensa.

“Hoje, por exemplo, vou fazer visita em tal lugar. Ela pede umas fotos, pede umas coisas. Ela divulga na imprensa, ela me transmite o que saiu na Folha de S.Paulo, o que saiu no blog de não sei quem. Ela me põe a par de tudo. É uma assessoria de imprensa, entendeu?”

Marta Lemos afirmou que desde fevereiro presta serviços de assessoria de imprensa a Bivar, divulgando seu trabalho legislativo na imprensa de Pernambuco e fazendo o acompanhamento das notícias que dizem respeito ao deputado. Ela disse receber R$ 7.000 mensalmente e que trabalha em casa, no bairro do Fundão, na zona norte do Recife.

A jornalista afirma que não precisa de uma grande estrutura para trabalhar e diz que todos os meses entrega a clipagem, conjunto de matérias publicadas na imprensa sobre o cliente, no escritório de Luciano Bivar no Recife.

Ela já prestou serviços de comunicação para o PSL e também para o plano de saúde Excelsior, pertencente a Luciano Bivar.

A ML tem endereço no bairro de Boa Viagem, zona sul do Recife. “Não há nenhuma ilegalidade. Temos contador e endereço. Uso uma sala lá para fazer reuniões quando necessário. Basta ir lá”, disse.

De FSP