Propostas de Guedes não contribuem para construir uma sociedade mais justa
O ministro Paulo Guedes vem repetindo que, depois de “seis governos social-democratas”, chegou a hora do liberalismo puro e duro. Não são poucos os que afirmam que a agenda social reformista, estrangulada pela crise fiscal, esgotou-se.
Na realidade, aquilo que Guedes chama de social-democracia foi uma visão generosa de país gestada na luta contra o autoritarismo e cristalizada na Constituição de 1988.
Tratava-se de compatibilizar competição política, liberdades individuais e políticas públicas que reduzissem a pobreza e as múltiplas desigualdades —de renda bem como de acesso a direitos civis e sociais.
Com muito ensaio-e-erro, a agenda social reformista, implementada tanto por governos tucanos quanto por petistas, mudou o país para melhor: o contingente de pobres encolheu, enquanto os desníveis de toda ordem diminuíram algo.
Mesmo assim, o país está muito longe daquele imaginado pela geração de democratas dos anos 1980. Milhões de pessoas continuam apenas parcialmente cidadãs, sobrevivendo nas fronteiras do salário mínimo, vítimas de desrespeitos múltiplos.
Têm razão os que advertem que a expansão do gasto social nos termos em que se deu sob os governos do PSDB, e especialmente do PT, chegou ao limite por volta de 2014.
Fosse a política dos governos petistas menos focalizada no curto prazo e no êxito fácil, a bonança dos anos 2000 poderia ter sido aproveitada para promover reformas progressistas, especialmente na Previdência Social e na legislação trabalhista.
Mas sobram razões para duvidar de que as propostas ultraliberais do ministro sirvam à construção de uma sociedade minimamente decente.
Estão aí as mudanças contidas no projeto da reforma da Previdência relativas à aposentadoria rural, ao Benefício de Prestação Continuada e, sobretudo, à criação do regime de capitalização. Está aí a proposta, hoje meio esquecida, da carteira verde amarela de minguados direitos para o trabalhador.
Na verdade, o liberalismo do ministro e seus seguidores é mais próximo do darwinismo social do século 19 —com a exumação do mercado desregulado e do cada um por si— do que do liberalismo temperado, que foi um dos ingredientes do progresso social europeu ocidental, no segundo pós-guerra. Equivale a abrir mão da perspectiva de um país mais coeso porque menos iníquo.
Mudanças no sistema previdenciário e em outras políticas sociais, atentas às limitações fiscais, são necessárias e urgentes. Mas há outras respostas possíveis nos marcos de um reformismo social renovado, que continua tão vivo quanto necessário. Espera-se das oposições trazê-las à luz.