STF e as privatizações: rasga-se a Constituição?

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Voltemos à questão sobre a necessidade ou não de uma lei específica para a privatização de estatais ou a venda do controle de empresas de economia mista, como a Petrobras, o Banco do Brasil ou a Caixa Econômica Federal.

Estão em curso duas votações no Supremo, que podem ser concluídas nesta quinta. Não pretendo fazer debate ideológico sobre as estatais ou transformar a coisa em mera questão de gosto. Fosse assim, o texto poderia parar por aqui. N

Não acho que o Estado tenha de ser empresário. Em área nenhuma! Poderia, assim, dizer um “privatize-se tudo”. E o assunto estaria encerrado. Para a tristeza de alguns, no entanto, ainda há leis no Brasil. Ainda existe uma Constituição.

E, no Estado democrático e de direito, a minha escolha sempre será esta: cumpra-se o que está escrito, ou então se mude a escrita. Por meio do Parlamento. DUAS VOTAÇÕES Vamos ao ponto. Se prevalecer o que está explícito na Constituição — e o que está explícito não deveria ser submetido à interpretação —, a maioria dos ministros há de decidir que, para a venda de empresas estatais ou do controle de empresas de economia mista, o Executivo precisa, sim de uma lei específica — e, pois, da autorização do Congresso. Mas esse é o conteúdo ao menos parcial da primeira votação, que chegou a um empate nesta quarta: dois a dois.

Já na segunda votação, que diz respeito à privatização da TAG (Transportadora Associada de Gás), uma subsidiária da Petrobras, há, sim jurisprudência na Corte que autoriza a venda sem prévia autorização do Congresso.

A PRIMEIRA VOTAÇÃO Relembremos o caso: o ministro Ricardo Lewandowski concedeu uma liminar, no âmbito de quatro ADIs (Ações Diretas de Inconstitucionalidade) que questionam o Inciso XVIII do Artigo 29 da Lei 13.303, que é conhecida como Lei das Estatais, aprovada em 2016. Lá, de fato, está escrito:

“É dispensável a realização de licitação por empresas públicas e sociedades de economia mista (…) na compra e venda de ações, de títulos de crédito e de dívida e de bens que produzam ou comercializem”.

Caso se entenda que tal dispositivo legal permite a venda de estatais ou do controle de empresas de economia mista sem a autorização do Congresso, trata-se, sim, de uma inconstitucionalidade arreganhada. Porque a Carta trata do assunto com todas as letras e não deixa margem para dúvida em dois artigos: O Inciso III do Parágrafo 1º do Artigo 173 deixa claro que só uma lei pode tratar, entre outros assuntos, da alienação de empresas públicas ou de sociedades de economia mista. Lá está escrito:

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre (…) licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;

O Inciso XXI do Artigo 37 define que a alienação de bem público só pode se dar por intermédio de licitação:

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusula que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações

Já há dois votos que optaram por seguir a Constituição no caso: Ricardo Lewandowski e Edson Fachin. Dois outros entenderam, sei lá por qual razão, que não vale o que está escrito na Carta: Alexandre de Moraes e Roberto Barroso. Então que fique claro: essa é a questão de fundo, de princípio.

A venda de estatais ou do controle de empresas de economia mista precisa ou não de lei aprovada pelo Congresso e de licitação? A Constituição diz que “sim”. Dois ministros assim votaram. E dois decidiram, ora vejam”!, discordar da Carta Magna.

O CASO DA TRANSPORTADORA ASSOCIADA DE GÁS O ministro Edson Fachin concedeu liminares que suspendem a venda de 90% da TAG (Transportadora Associada de Gás), subsidiária da Petrobras, para o consórcio formado pela Engie (maior geradora privada de energia) e pelo fundo canadense Caisse de Dépôt et Placement du Québec. Valor da transação: R$ 33,1 bilhões.

A operação já foi realizada, já está em curso. E como isso aconteceu? Vamos lá. O TRF-5 havia barrado em junho do ano passado a venda do controle da TAG. E o fez com base justamente na liminar concedida por Lewandowski, que é o objeto da primeira votação no STF.

A Petrobras recorreu ao Superior Tribunal de Justiça da decisão tomada pelo TRF-5. O que fez o STJ? Ignorou a liminar de Lewandowski e autorizou a venda. É claro que não poderia tê-lo feito.

 

A SEGUNDA VOTAÇÃO

O Supremo, pois, vai decidir também o destino dessa liminar de Fachin. Se ela for endossada, a venda da TAG só será efetivada se o Congresso autorizar. Também nesse caso, embora a votação não tenha começado, creio que o placar é o mesmo: dois a dois. De um lado, Lewandowski e Fachin; de outro, Moraes e Barroso.

A JURISPRUDÊNCIA E A SAÍDA

Em 1997, o PT entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra os artigos 64 e 65 da Lei 9.478. E o que está escrito lá. Transcrevo: Art. 64. Para o estrito cumprimento de atividades de seu objeto social que integrem a indústria do petróleo, fica a PETROBRÁS autorizada a constituir subsidiárias, as quais poderão associar-se, majoritária ou minoritariamente, a outras empresas.

O PT sustentava que a criação de subsidiárias sem a autorização do Congresso feria os Incisos XIX e XX do Artigo 37 da Constituição. Dizia o XIX, depois alterado, mas sem relevância para o caso: XIX – somente por lei específica poderão ser criadas empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação pública; Estabelece o XX: XX: depende de autorização legislativa, em cada caso, a criação de subsidiárias das entidades mencionadas no inciso anterior, assim como a participação de qualquer delas em empresa privada.

E qual foi a decisão do Supremo? O acórdão está aqui. O então relator, Maurício Corrêa, entendeu que não é necessária a autorização legislativa para a criação de empresas públicas subsidiárias desde que isso esteja previsto na lei que instituiu a empresa de economia mista.

Notem: segundo, pois, jurisprudência do Supremo — embora eu considere aquele voto de Corrêa um duplo twist carpado argumentativo —, o Congresso não tem de autorizar a criação de subsidiárias. Se não tem de autorizar a criação, não tem de autorizar a venda. Qual seria o meu voto se ministro fosse? Cumpra-se a Constituição na criação ou na venda. E fim de papo.

E a privatização da TAG (Transportadora Associada de Gás) teria de passar pelo Congresso. Mas a jurisprudência vem de longe, lá de 1997.

Uma saída possível é se formar, na segunda votação, uma maioria referendando a venda dessa empresa. Na primeira votação, no entanto, entendo que a Constituição só se cumpre se a privatização de estatais e controle de empresas de economia mista contar com a devida autorização do Congresso. A jurisprudência ampara a venda da subsidiária da Petrobras sem a autorização do Parlamento. Mas, sob nenhuma hipótese, poderia ocorrer o mesmo com a Petrobras, Banco do Brasil, a CEF ou os Correios. Isso só seria possível rasgando a Constituição. Embora existam dois votos para isso.

Ah, sim: defendo a privatização de todas elas. Dentro da lei. Não contra a lei.

De UOL