Concurso para o Itamaraty exclui questões sobre governos do PT

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Foto: Adriano Machado/Reuters

O Ministério das Relações Exteriores excluiu conteúdos relacionados às políticas econômicas dos governos do PT da lista de conhecimentos exigidos na prova de ingresso para a carreira diplomática.

Publicado em 8 de julho, o edital do concurso que deve ser realizado em setembro não traz temas exigidos nas duas últimas edições do exame.

Foram retirados os conteúdos “diferenças na política econômica entre o primeiro e o segundo mandato do governo Lula”, “efeitos positivos das políticas distributivas de renda” e “nova matriz econômica” —medidas adotadas na gestão Dilma Rousseff.

Também foi cortado o item “reformas institucionais do governo Fernando Henrique Cardoso”, mas professores de cursos preparatórios ouvidos pela Folha afirmam que ainda há margem para que temas sobre a política econômica do tucano sejam cobrados na prova.

Isso porque foram preservados os pontos “economia brasileira nos anos 90” e “Plano Real.”

As alterações não se limitam a economia. O item “Políticas de identidade: gênero, raça e religião como vetores da política mundial”, que constou nas seleções de 2018 e 2017, foi trocado por “Direitos humanos, liberdade religiosa e políticas de identidade.”

O edital da seleção traz uma lista de temas que guiam os candidatos para o exame, sem descrições de cada tópico.

Em tese, o concurso não pode cobrar uma questão sobre assunto que não tenha sido descrito no chamamento. Mas, em razão do grande número de conteúdos e da forma genérica como muitas vezes eles aparecem no documento, dificilmente uma pergunta é anulada sob argumento de que o assunto não constou no edital, segundo professores de cursos preparatórios.

Felipe Estre, professor de Política Internacional do curso Ideg, que prepara aspirantes à carreira diplomática, opina que o novo edital foi feito com “alguma orientação ideológica”. “Suprimir o termo gênero e raça do edital têm alguma orientação”, diz.

“É possível que ainda seja cobrado, porque esses temas podem estar em outros itens. Mas na aparência houve uma mudança, associada a essa nova orientação do Itamaraty.”

A prova deste ano vai selecionar 20 candidatos para o acesso à carreira de diplomata, com salário inicial de R$ 19,1 mil.

A reformulação do conteúdo programático coincide com a mudança na entidade que organiza e aplica o exame. Nos últimos 26 anos ele foi organizado pelo Cebraspe —o antigo Cespe, vinculado à UnB (Universidade de Brasília).

Mas a chancelaria decidiu contratar neste ano o Iades (Instituto Americano de Desenvolvimento), sob argumento de “preço mais baixo na pesquisa de mercado e proposta técnica adequada às necessidades do Ministério de Relações Exteriores.”

Menos tradicional, o Iades foi fundado em 2009 e desde então realizou duas centenas de seleções para órgãos estaduais e estruturas do segundo escalão do governo federal.

“O conteúdo programático presente no edital normativo foi elaborado de acordo com as definições do Instituto Rio Branco [escola de formação de diplomatas do ministério], cabendo ao Iades apenas a execução do processo seletivo”, disse a entidade.

Procurado na segunda (15), o Itamaraty não respondeu aos questionamentos da Folha.

O currículo de economia sofreu um considerável enxugamento neste ano. No atual, a última matéria cobrada sobre política econômica recente é “Plano Real”. Depois, os assuntos demandados pulam para “bancos digitais, meios de pagamento e os desafios da transição do ‘dinheiro de plástico’ para o ‘dinheiro digital’ na economia do século 21”.

As alterações em temas de economia dividiram professores de cursos preparatórios.

Michelle Miltons, que leciona a disciplina para postulantes do concurso, afirma que as mudanças são positivas e que equipararam o volume de temas econômicos com as demais partes do edital.

“A mudança viabilizou mais o estudo e permite que os candidatos se aprofundem nos demais temas com qualidade melhor. Não consigo enxergar nada além de cortes temporais”, acrescenta.

A opinião não é compartilhada por Marcello Bolzan, coordenador do curso do Ideg, que também dá aulas de economia. “Vejo como retrocesso. Quando você contrata uma pessoa para ser diplomata, o mínimo que ela precisa conhecer é a história econômica dos últimos 20 anos do país.”

Apesar disso, ele afirma não ver ideologia na decisão, e sim preocupação em evitar assuntos mais recentes que, segundo o professor, são mais fáceis de serem alvo de contestação.

Isso porque, explica Bolzan, questões sobre acontecimentos contemporâneos costumam ser formuladas com base em referências bibliográficas menos consolidadas, o que aumenta as chances de apresentação de recursos.

“Como trocaram a banca [que organiza o exame], não é interessante que ela comece pelo lado avesso. Estamos falando de um dos concursos mais difíceis do país, e a banca atual não tem a mesma tradição do que a anterior”, afirma.

Outra mudança é que a prova deste ano terá apenas duas fases, e não mais três.

Exemplos de questões do concurso ao Itamaraty

Os itens listados no conteúdo programático do edital servem como base para a elaboração das perguntas do exame. A Folha selecionou duas questões dos últimos anos que, segundo professores de cursos preparatórios, foram elaboradas com base nas matérias excluídas no edital atual.

Exame de 2015 — Noções de Economia 
QUESTÃO 72 Julgue (Certo ou Errado) os itens subsecutivos, referentes à economia brasileira a partir dos anos 90 do século passado.

1. Conforme o diagnóstico do Plano Real apresentado à população, a origem da inflação brasileira estava no descontrole do gasto público, motivo pelo qual os gastos
deveriam ser reduzidos. Apesar disso, o plano propiciou o aumento do Estado, particularmente para permitir a criação de agências reguladoras, garantir a competitividade e manter a oferta de bens a preços eficientes.

2. A terceira fase de implantação do Plano Real ocorreu com a adoção da nova moeda, o real. Em julho de 1994, o cruzeiro real deixou de existir e a URV transformou-se no real. Como a URV refletia a taxa de câmbio de cruzeiros reais e dólar, a taxa de câmbio foi fixada em um real por um dólar, subentendendo-se a adoção da âncora cambial da fase anterior.

3. No primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, abandonou-se a manutenção da estabilidade monetária do governo de Fernando Henrique Cardoso, com a criação de um instrumento monetário que pode ser entendido como a fixação de uma meta de inflação para cada ano, o que, juntamente com uma adequada taxa de crescimento econômico, promoveu a inclusão social e a redução drástica da pobreza no Brasil.

4. Os efeitos da crise de 2008 observados no Brasil incluem a contração das exportações de maior valor agregado, decorrente de menor demanda externa, e a contração do crédito doméstico, tanto para o giro das empresas quanto para o
consumo das famílias.

Exame de 2017 —Política Internacional
QUESTÃO 20 Acerca dos direitos humanos e de questões de gênero na política internacional, julgue (Certo ou Errado) os itens a seguir.

1. Direitos sociais relacionados à proteção do trabalho foram incluídos na Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas em consequência da iniciativa do representante brasileiro no comitê de redação.

2. A promoção dos direitos das mulheres constituiu um aspecto importante da política externa norte-americana no período em que Hilary Clinton ocupou o posto de secretária de Estado.

3. Em 2015, o Reino Unido pôs em prática uma política externa feminista centrada na tríade: representação, direitos e recursos, o que gerou tensões com países árabes como a Arábia Saudita e o Egito.

4. Apesar dos esforços da delegada brasileira Bertha Lutz nas reuniões preparatórias, o texto final da Carta das Nações Unidas, assinado em 1945, não menciona a igualdade entre os sexos

Da FSP