Contra o próprio papo furado, Bolsonaro mantém troca de favores com Congresso

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Foto: Pedro Ladeira | Folhapress

Jair Bolsonaro foi eleito o 42º presidente do Brasil impulsionado pela onda antissistema e com a promessa de acabar com o chamado “toma lá dá cá”, o meio de obtenção de governabilidade adotado até então. Seus primeiros seis meses de gestão concluídos neste domingo (30) mostram que, apesar de algumas mudanças, o modelo continua sendo praticado.

Em pelo menos um ponto, de forma até mais enfática —a oferta concretizada na semana passada do pagamento imediato de R$ 10 milhões em emendas extras para cada deputado federal, em troca de apoio à reforma da Previdência.

O presidente da República obtém sustentação no Congresso não necessariamente com base em suas propostas para o país, mas pela negociação de emendas parlamentares e de cargos federais.

Cada um dos 594 deputados e senadores puderam apresentar R$ 15,4 milhões em emendas ao Orçamento federal de 2019, geralmente direcionando verbas para obras e investimentos em suas regiões.

A execução dessas verbas pelo governo é obrigatória, na teoria. O Planalto e os ministérios têm poder decisivo sobre o ritmo de liberação, que, em alguns casos, nem mesmo sai dos cofres federais.
É daí que surge um dos itens do balcão de negócios. O governo abre o cofre em busca do apoio que necessita.

A diferença de Bolsonaro é que ele incrementou essa cartada. Sob a chefia do ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, o governo passou a oferecer valor extra, além dos R$ 15,4 milhões, em busca de apoio à reforma da Previdência, que está para ser votada na comissão especial da Câmara.

Inicialmente, a oferta foi de R$ 10 milhões extras por ano, em negociação feita por Onyx na casa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em abril. A maioria dos partidos, porém, considerou que o Planalto não cumpriria a palavra nos anos seguintes.

Com isso, a gestão Bolsonaro dobrou a proposta, oferecendo um extra de R$ 10 milhões por semestre, não mais por ano. Ainda assim, a desconfiança continuou.

Diante do impasse, o Planalto chegou à oferta da semana passada, de direcionar R$ 10 milhões imediatamente e mais R$ 10 milhões no momento da votação no plenário.

Levando em consideração apenas os 308 votos necessários para aprovação da reforma na Câmara, seriam mais R$ 3 bilhões do Orçamento.

“Esse extra ele não pagou ainda, mas vai pagar. Ele continuou o toma lá da cá do mesmo jeito. Porque se ele pagar as emendas [extras] ele está tentando comprar prestígio, ou aprovar alguma coisa através de dinheiro público”, diz o deputado Mauro Lopes (MDB-MG), um dos poucos a falar abertamente.

Já em relação aos cargos federais de livre nomeação, preenchidos sem necessidade de concurso público, Bolsonaro inovou. Não negociou os ministérios com as cúpulas partidárias. Em vez disso, reservou parte da Esplanada aos militares e escolheu algumas pastas com base em indicações de frentes parlamentares —a ruralista emplacou a deputada Tereza Cristina (DEM) na Agricultura; a evangélica, Damares Alves(Mulher, Família e Direitos Humanos); e  a da saúde, Luiz Henrique Mandetta para a pasta da Saúde.

Cada ministro teve relativa autonomia para compor suas equipes, tendo sido reduzida a oferta de cargos de segundo e terceiro escalão aos congressistas. O modelo, porém, não deu certo, o que levou Bolsonaro a ensaiar recuos.

No final de abril, o governo passou a oferecer cargos federais nos estados, o que é considerado por congressistas como de pouco valor.

“Vejo deputado brigando por cargos nos estados que, sabe, não têm relevância nenhuma. Funasa [faz uma cara de espanto]. Vai executar alguma coisa se a presidência da Funasa ou governo aqui não libera? Não tem autonomia pra nada. Ah, o fulano no estado indicou o superintendente do Inmetro [Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia]. Vale o quê, politicamente?”, diz o deputado João Campos (PRB-GO), expoente das frentes evangélica e de segurança pública.

Outro recuo de Bolsonaro nesse sentido foi a criação do apelidado “banco de talentos”, planilha em que os parlamentares listariam os apadrinhados que gostariam de indicar para cargos públicos. Ironizada pelo próprio líder do PSL no Senado, Major Olímpio (PSL-SP) —“Tucanaram o apadrinhamento”—, a medida ainda não saiu do papel.

Em uma atitude mais direta para voltar ao modelo que havia prometido sepultar, Bolsonaro aceitou em maio recriar os ministérios das Cidades e da Integração Nacional, que seriam loteados por indicados do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Por desconfiança mútua, porém, a negociação azedou e foi descartada.

Outras deram certo. Na Educação, o ministro Abraham Weintraub nomeou Antonio Campos para a presidência da Fundação Joaquim Nabuco, por indicação do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).

Campos é irmão do ex-governador Eduardo Campos (morto em 2014) e filho da ministra do Tribunal de Contas da União Ana Arraes.

Em um ponto há um certo consenso em ambos os lados: a relação de Bolsonaro com o Congresso continua precária.

Segundo congressistas, por uma confluência de fatores: falta de confiança nas promessas palacianas, bagunça administrativa, interlocução parlamentar defeituosa e a manutenção de um discurso público de criminalização da política que, nos bastidores, o governo continuou praticando nesses seis primeiros meses.

Da FSP