Ignorando a Constituição, Bolsonaro compara Vaza Jato a crime de receptação

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Foto: Pedro Ladeira | Folhapress

O presidente Jair Bolsonaro (PSL) ignorou a Constituição e comparou nesta quarta-feira (31) ao crime de receptação a publicação de reportagens com base em diálogos vazados do ministro Sergio Moro e de procuradores da força-tarefa da Lava Jato.

O artigo quinto da Constituição afirma que “é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

O site The Intercept Brasil, do qual o jornalista Glenn Greenwald é fundador, tem publicado desde 9 de junho reportagens com base nestes diálogos. Veículos como a Folha tiveram acesso ao material recebido pelo site e também têm publicado reportagens.

Bolsonaro, por sua vez, já afirmou que, em seu entender, Greenwald cometeu um crime e que “talvez pegue uma cana aqui no Brasil”. O presidente e sua equipe, no entanto, nunca especificaram qual crime o jornalista teria cometido.

“Não podemos concordar que o jornalista, entre aspas, pegue um material criminoso e bote pra fora. É igual ao cara que é acusado do crime de receptação. Não posso pegar um carro que é roubado e vender para você.”

“Não pode pegar uma informação, sabendo que é criminosa, invasão de celulares, até o meu, e passar para frente. Todo mundo tem que ter responsabilidades: vocês, jornalistas, advogados, eu, todo mundo”, disse Bolsonaro, ao deixar o Palácio da Alvorada na manhã desta quarta-feira.

O crime de receptação é descrito como “adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte”. A pena prevista é de um a quatro anos de prisão, além de multa.

No dia 23 de julho, quatro pessoas foram presas em operação da Polícia Federal deflagrada contra hackers suspeitos de invadir celulares de autoridades. Um dos detidos, Walter Delgatti Neto, afirmou em depoimento que repassou mensagens que obteve a Greenwald, de maneira anônima, voluntária e sem cobrança financeira.

Indagado sobre o ato a favor de Glenn Greenwald, nesta terça-feira (30), no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no centro do Rio, Bolsonaro disse se tratar de um direito do jornalista. “Aqui é um país livre. Apoia quem bem entender”, disse o presidente.

SIGILO DE FONTE

Greenwald disse que a fonte que repassou conversas de autoridades da Lava Jato ao site afirmou que não pagou pelos dados nem pediu dinheiro a ele em troca do material.

Sobre sigilo da fonte, o artigo quinto da Constituição afirma: “É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

Quando as primeiras mensagens vieram à tona, em 9 de junho, o Intercept informou que obteve o material de uma fonte anônima, que pediu sigilo. O pacote inclui mensagens privadas e de grupos da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, no aplicativo Telegram, a partir de 2015.

As mensagens obtidas pelo Intercept e divulgadas até este momento pelo site e por outros órgãos de imprensa, como a Folha, revelam que o então juiz Moro atuou em parceria com os procuradores em diferentes processos, aparentemente sem a imparcialidade diante de acusação e defesa exigida a um magistrado segundo as regras do Judiciário.

Caso haja entendimento de que Moro estava comprometido com a Procuradoria (ou seja, era suspeito), as sentenças proferidas por ele podem ser anuladas. Isso inclui o processo de Lula, que está sendo avaliado pelo STF e deve ser julgado no segundo semestre deste ano.

Segundo o Código de Processo Penal, “o juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes” se “tiver aconselhado qualquer das partes”. Afirma ainda que sentenças proferidas por juízes suspeitos podem ser anuladas.

Já o Código de Ética da Magistratura afirma que “o magistrado imparcial” é aquele que mantém “ao longo de todo o processo uma distância equivalente das partes e evita todo o tipo de  comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”.

Moro tem repetido que não reconhece a autenticidade das mensagens, mas que, se verdadeiras, não contém ilegalidades.

Da FSP