Noruega só fica no Fundo Amazônia se alvo for o combate ao desmatamento
O governo da Noruega está disposto a dar continuidade às doações que faz para o Fundo Amazônia, desde que o governo brasileiro garanta que os recursos continuarão a ser utilizados para financiar ações de combate ao desmatamento e ao uso sustentável da floresta.
Com R$ 3,186 bilhões injetados no programa brasileiro, que é administrado pelo BNDES, a Noruega responde por 94% do montante já colocado na iniciativa, um total de R$ 3,396 bilhões.
Ao Estado, a Embaixada da Noruega no Brasil afirmou que “continua seu diálogo sobre a governança e a eficiência do Fundo Amazônia com representantes do governo federal” e deixou clara a sua intenção de prosseguir com a iniciativa. “Desejamos continuar a colaboração com o Brasil e faremos nossa parte para manter os pontos estabelecidos no acordo”, declarou.
A colaboração com o fundo, porém, não se dará de qualquer forma. “Estamos sempre abertos a discutir propostas que possam melhorar a eficiência e o impacto do Fundo, desde que esses ajustes contribuam para reduzir o desmatamento e promover o desenvolvimento sustentável na região amazônica.”
Na sexta-feira, 28, o Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), grupo que define os critérios para aplicação dos recursos na floresta, acabou extinto por um ato do governo federal, que atingiu centenas de comitês e comissões no Executivo.
O Estado questionou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, sobre os reflexos do fim deste grupo e o futuro do Fundo Amazônia. O ministro não deu nenhum detalhe e limitou-se a dizer que “esse assunto está em aberto ainda”.
A Embaixada da Alemanha, segundo doador do fundo, que já aportou R$ 192,6 milhões no programa, não se manifestou sobre o tema.
Durante viagem ao G-20, o presidente Jair Bolsonaro reagiu a declarações dos governos da Alemanha e França sobre questões de desmatamento na Amazônia, o que causou mal-estar e lançou dúvidas sobre a continuidade do programa. Acordos comerciais entre a União Europeia e o Mercosul, no entanto, passaram a ser vistos como uma nova plataforma para negociações e exigências sobre acordos ambientais.
Como revelou oEstado em maio, o governo Jair Bolsonaro trabalha na edição de um novo decreto para alterar as normas do fundo e permitir que uma parte de seus recursos possa ser usada para pagar indenizações a donos de propriedades privadas que vivam em áreas de unidades de conservação. Hoje essa utilização é proibida conforme previsto no próprio regimento do fundo, que é administrado pelo BNDES.
As intenções do governo de mudar as regras do fundo sem um acordo prévio dos dois países foi mal recebida por seus representantes. O Brasil tem independência para escolher os programas que serão apoiados pelos recursos. Essas iniciativas, porém, são monitoradas pelos doadores, assim como as taxas de desmatamento do País. O compromisso é que o Brasil apresente um desmatamento anual inferior à taxa de 8.143 km² por ano na região, para ter acesso aos recursos. Se superar essa marca, fica impedido de utilizá-los.
As regras do fundo são claras sobre a aplicação direta na proteção das florestas e não em regularização fundiária. Na região amazônica, predominam os casos de ocupação irregular por grileiros de terra.
Em defesa do Fundo Amazônia e da continuidade e do programa, a Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES) e a Associação dos Servidores Públicos do Ibama e ICMBio (Asibama) lançaram um portal para divulgar informações e chamar a atenção para o tema. Em seu manifesto, os organizadores lembram que, depois de dez anos desde sua criação, o fundo se consolidou “como um dos instrumentos financeiros mais eficientes e reconhecidos, no cenário nacional e internacional, em termos de transparência, governança participativa, diversidade de beneficiários, auditorias e avaliações, e resulta- dos e impactos concretos já alcançados”.
A gestão do Fundo Amazônia virou foco de uma crise, depois que Ricardo Salles declarou ter encontrado “fragilidades na governança e implementação” dos projetos do fundo em contratações feitas pelo BNDES. Paralelamente, o banco público, que administra os recursos, afastou a chefe do Departamento de Meio Ambiente, Daniela Baccas. Inconformado com a decisão, Gabriel Visconti, chefe de Daniela e responsável pela gestão pública e socioambiental do BNDES, pediu para deixar o cargo.
“O Fundo Amazônia não é um projeto de governo, mas uma conquista da sociedade brasileira, fruto de negociações internacionais climáticas, cujo consenso gira em torno da construção de um modelo economicamente sustentável na Amazônia que inclua, em sua concepção, os interesses dos povos originários e tradicionais que vivem para e pela floresta em pé”, declaram a Associação dos Funcionários do BNDES (AFBNDES) e a Associação dos Servidores Públicos do Ibama e ICMBio (Asibama).
Do Estadão