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Novo diretor da Funarte diz que se alinha ‘existencialmente’ com Bolsonaro

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reproduçãoO diretor de teatro e dramaturgo, 46, estava assistindo à missa em um dia como outro qualquer quando viu duas ligações perdidas de um número com o DDD de Brasília. Retornou e ouviu do outro lado da linha a voz do presidente Jair Bolsonaro.

“Qual é a chance de um presidente parar o que está fazendo para falar comigo? Se eu fosse um cantor pop ou uma celebridade televisiva, até vai. Mas sou a porra de um diretor de teatro”, exclama.

“O presidente foi extremamente gentil [ao telefone]. Disse que estava preocupado com o meu caso. Perguntou se eu tinha família e disse que queria ajudar. Ele falou que conversaria com o ministro [da Cidadania, Osmar Terra] para pedir que ele entrasse em contato comigo.”

Funarte

Uma semana depois, Alvim se reuniu com Terra em Brasília e foi convidado para ser o diretor do Centro de Artes Cênicas da Funarte. Sua nomeação foi publicada nesta semana.

“Depois disso, as pessoas começaram a falar que eu era oportunista e que estava querendo pegar uma carona no governo. Quando, na verdade, durante os anos do PT circulou muito dinheiro no Club Noir [seu teatro em SP]. Se fosse pra pensar no meu bem-estar, teria feito campanha para eles”, diz.

“Tem também quem fala que estou fazendo uma performance. Não. Não sou covarde e manipulador para inventar isso” segue. “Fiz um suicídio profissional”, afirma, referindo-se ao momento em que apoiou a candidatura de Bolsonaro. “Tenho certeza absoluta. Cheguei a pensar em [profissões] alternativas, porque não teria mais como trabalhar no teatro brasileiro.”

A indicação de Alvim para a Funarte alarmou o setor artístico. Principalmente quando ele convocou, em uma rede social, “profissionais conservadores” para “criar uma máquina de guerra cultural”.

Guerra Cultural

“Guerra cultural é o que fizeram comigo durante todo esse tempo”, diz. “A esquerda perpetua essa guerra permanente na história da cultura brasileira. Sempre houve defenestração brutal dos artistas que manifestassem alguma tendência à direita. Dizem que não é possível ser artista e conservador ao mesmo tempo.”

“O meu conservadorismo na arte significa ter amor profundo às grandes realizações dos mestres do passado. E tentar criar hoje obras de grandeza equivalente”, afirma. “Nunca um poema vagabundo contemporâneo vai ter a mesma grandeza de Shakespeare.”

“Querem fazer teatro político? Maravilha. Vamos fazer uma montagem de ‘Júlio César’, de Shakespeare. Agora, gritar ‘fora, Temer’ é uma coisa que você faz fora do palco. O campo da arte é o da transfiguração do real por meio de símbolos e poesia. Não é o discurso direto. Isso você faz na tribuna ou com textão no Facebook.”

Ele diz que os boicotes levaram ao fechamento do Club Noir, que era sustentado, principalmente, por oficinas que ele e a sua mulher, a atriz Juliana Galdino, davam. “Os alunos pararam de aparecer. Sofreram pressão das pessoas que diziam que se eles continuassem no Noir eles não iam arranjar trabalho no Brasil”, afirma.

Afirma que seu trabalho foi censurado. Em maio, relacionou o seu apoio a Bolsonaro ao cancelamento, pelo Sesc, da estreia de uma peça que dirigia. O Sesc nega: haveria a possibilidade de nova data para a estreia. Em outro caso, uma produtora cancelou uma peça que havia encomendado ao diretor carioca antes de ele declarar seu apoio ao presidente.

Alvim diz que já comandou mais de cem espetáculos em quase 30 anos de carreira.

Vícios

Construiu uma imagem transgressora, do artista boêmio, que vive a noite. Desenvolveu dependência química de álcool e de drogas. “Estava permanentemente dopado. E quero deixar uma coisa clara: eu funcionava desse jeito. Era um viciado operacional.”

Reabilitação não era uma opção porque ele não via problema nos vícios. “Demorei a entender que o meu talento não vinha das drogas. Cheguei a ter uma overdose, o meu coração parou. Cinco dias depois, estava usando tudo de novo. Pensei muito em suicídio. Achava que seria uma coisa interessante para coroar a minha carreira. E muita gente esperava isso de mim”, diz.

Os vícios e a vida noturna acabaram trazendo problemas com a família. “Meu filho [Theo, 11 anos] não sabia quem eu era, porque eu não ficava em casa. Minha mulher foi vítima permanente de traições e de loucuras, de agressões que eu fazia.”

Agressões? “Sim. Sim. Você acha que quando você chega em casa depois de três dias, vindo sabe Deus de onde, da esbórnia, e a sua mulher pergunta ‘onde você tava’, você acha que vira para ela e diz ‘eu tava ali, meu amor’? Não. Você mete a mão na cara dela, se for o caso, você fala para ela calar a boca.  Se ela não calar, você vai ser agressivo porque está fora de controle. E ela aguentou muita coisa por causa disso”, revela.

“E esse cara, esse filho da puta, esse merda de ser humano, para quem a vida dele era o trabalho dele… no trabalho eu dava o meu melhor. Mas, na vida pessoal, eu destruía todo mundo que estava em volta de mim.” Resultado: “A gente se divorciava ao menos uma vez por semana. Juliana me expulsou de casa várias vezes”.

Hoje, depois de algumas recaídas, está há cerca de um ano longe de vícios. Só manteve o cigarro —apesar de ter reduzido de quatro maços diários para um. “Não parei por uma questão moralista. Mas por ter chegado a um ponto de cair podre na minha vida.”

Durante os ensaios de “Leite Derramado”, começou a adoecer. “Fiquei assim pela minha obsessão de criar uma obra prima.” Chegou a pesar 75 kg —hoje, beira os 100 kg.

Descobriu um tumor no intestino —que depois se provou benigno. Foi aí que aconteceu o “primeiro milagre” de sua vida. Ele diz que a babá evangélica de seu filho pediu para fazer uma oração por ele. “Abominava qualquer tipo de religião. Já fui satanista”, diz.

“Vou usar o maior clichê do mundo, porque não tem como. Senti uma luz, uma força. No dia seguinte, fui ao médico e o tumor tinha praticamente sumido”. Passou a frequentar a missa duas vezes por semana e a estudar teologia.

Teologia

Usa, na mão esquerda, uma pulseira de couro preta com uma cruz metálica; num dedo da mão direita, um anel com o Pai-Nosso inscrito. No celular, plano de fundo com a frase “Deus dá as batalhas mais difíceis aos seus melhores soldados”.

O “segundo milagre” foi a ligação de Bolsonaro. Na Funarte, ele comandará os 13 teatros que compõem a rede federal. Os espaços serão revitalizados e Alvim nomeará um diretor artístico para cada um.

Planeja criar uma escola de formação de teatro, com sede em Brasília, e comandará uma companhia. “Minha condição [para aceitar o cargo] era a de que eu pudesse montar esses dois projetos. Não vou receber salário por eles, só na Funarte”, diz.

“Coloco muita pressão em mim. Acordo de manhã e já pago 20 flexões, é esquema Bope [risos]. Não dá para relaxar. Se te dão uma oportunidade de fazer algo para enobrecer a arte, você não pode descansar um segundo. A gente dorme quando estiver morto.”

Alvim ri de quem diz que ele poderia censurar obras. “Só uma pessoa muito tacanha pode ser favorável à censura. Não sou idiota de lançar um edital para artistas conservadores. Isso não existe. Seria um petismo com o sinal invertido.”

“O presidente nunca disse que eu deveria fazer uma perseguição à esquerda”, continua. “Talvez esteja demorando mais tempo para criar efetivamente políticas interessantes nesse campo, porque o governo foi muito atacado por artistas durante a campanha. Aos poucos, as coisas estão se soltando. E a minha entrada acena nesse sentido”, segue.

Ele afirma que não tem críticas ao governo Bolsonaro e que não entende “de política”. “Não preciso ser o Caetano Veloso que vai abrir a boca para dar posicionamento sobre tudo. O que eu sei é que o presidente declara valores e princípios com os quais eu me alinho existencialmente.”

“Tô ficando maluco? Muitas pessoas estão dizendo que sim. Tô me sentindo mais feliz e seguro na minha vida do que jamais estive? Sim. Tô demonstrando sinais de esquizofrenia latente de forma branda aos 40 anos? Pode ser. Agora, quem há de saber?”, reflete em frente à mensagem “caminho sem volta”, estampada numa vitrine do café em SP onde recebeu a coluna. “Vai ficar emblemática essa foto. Não tem como voltar para onde eu estava antes. É sem volta, completamente.”

De FSP