O general Heleno, os “esquerdopatas” e os “direitopatas”. Vamos lá, general

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O general Augusto Heleno, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), que, parece-me, está operando alguns decibéis acima do que seu cargo recomenda, discursou no protesto em favor de Sergio Moro em Brasília, no domingo. Aí já está o primeiro erro porque, por óbvio, ele não sabe o que vem pela frente. Política é um troço muito mais instável do que quartel, onde vigora a ordem unida. O segundo erro está no conteúdo propriamente. Num dos momentos exaltados, afirmou:

“Hoje é um dia histórico para esse país. Nós acabamos de chegar, o presidente da República e sua comitiva, da reunião do Grupo dos 20 (G-20), que reúne os maiores países do mundo em Osaka no Japão. Mais uma vez, as previsões dos esquerdopatas, dos derrotistas, fracassaram. O presidente do Brasil volta de Osaka devidamente homenageado pelos grandes chefes de Estado do mundo. Foi recebido com todas as honras não só pelo governo japonês, mas por todos que estavam lá presentes, incluindo o presidente [ francês Emmanuel] Macron, a presidente (sic) [alemã Angela] Merkel, o presidente [norte-americano Donald] Trump e todos os outros dignitários dos países”

Vamos lá. Eu criei a palavra “esquerdopata”. E também, entre outros, o vocábulo “petralha”. Estou arrependido? Não! Mas não posso me responsabilizar pelo mau uso que fazem de uma de outra. Começo pela segunda: “petralha”, a definição está em livro, é petista que justifica roubo de dinheiro público em nome da causa, e daí decorre, também está devidamente impresso, que nem todo petista é petralha. O “esquerdopata” é aquele que submete a realidade a um crivo puramente ideológico — no caso, com viés esquerdista —, fazendo questão de ignorar os fatos, torcendo-os para caber em sua estreiteza ideológica.

Assim, vamos lá: se houver bolsonarista a justificar a atuação de Fabrício Queiroz no gabinete de Flábio Bolsonaro em nome da causa, então não passa de um “bolsonalha”, segundo os mesmos critérios, porém com sinal ideológico invertido, que podem fazer de alguém um “petralha”. Havendo alguém que, por critério puramente ideológico, ignore o mundo real para emplacar uma pauta e sendo tal distorção motivada por direitismo, então se está diante de um “direitopata”.

A esquerda ignorou durante muitos anos a evidência de que inexiste relação direta entre pobreza e violência. Dados empíricos indicam, a exemplo do que se viu no Nordeste, que crescimento e até diminuição da desigualdade podem conviver com aumento de homicídios e outros atos violentos. Na raiz do juízo perturbado, está o que denomino “esquerdopatia”.

A direita insiste em ignorar todos os dados objetivos que evidenciam que uma maior circulação de armas leva a um maior número de eventos com… armas. Passou anos tratando o porte de armas como item de uma política de segurança pública. Como o discurso se tornou insustentável, lançou a panaceia da legítima defesa, não menos insustentável do ponto de vista técnico. O que a leva a insistir no que a realidade insiste em desautorizar: na melhor das hipóteses, é a “direitopatia”; na menos bondosa, mero exercício de lobby disfarçado de convicção. “Ah, então não pode haver a pessoa que esteja simplesmente equivocada?” Claro que sim! Assim como pode haver os equivocados de esquerda.

Bolsonaro recebeu no G-20 o tratamento protocolar que recebe os chefes de Estado. Chegou ao Japão pressionado pela questão ambiental, e de lá saiu, como sabe o general Augusto Heleno, com a oficialização de um recuo: o Brasil permanece no Acordo de Paris, segundo os termos originalmente assinados, ainda que vá haver, mais dia, menos dia, revisão de metas porque, com efeito, não estão sendo cumpridas — e o Brasil não é o único a desrespeitá-las.

A presença de Bolsonaro no G-20 se tornou especialmente relevante porque Brasil e União Europeia assinaram um acordo, que vinha sendo costurado havia 20 anos e ganhou especial impulso no governo Michel Temer, sob a liderança do então chanceler Aloysio Nunes Ferreira.

É nesse ponto que o emprego da palavra “esquerdopata” pelo general Augusto Heleno está errado, não é? Era a “direitopatia” de Ernesto Araújo, atendendo à chamada ala ideológica do governo Bolsonaro, que via na União Europeia um dos centros do mal. Araújo escreveu um texto atacando os países do bloco, que teriam perdido a sua identidade e distanciado do Ocidente cristão, que ele simbolizou num tal “Deus de Donald Trump”. O presidente americano e seu “localismo” econômico, por assim dizer, é que eram vistos como uma espécie de ideal. A Europa que interessava a Araújo estava simbolizada pela Polônia e pela Hungria, não pela Alemanha e pela França, dois símbolos do tal “globalismo”. Isso tudo está documentado. Vitorioso Bolsonaro, Paulo Guedes esculhambou o Mercosul, afirmou que o bloco não era prioridade e tratou de forma grosseira uma jornalista argentina.

Ora, general Augusto Heleno, não foram os “esquerdopatas” a apontar os desatinos do governo Bolsonaro, antevendo problemas na relação com parte considerável do mundo rico, em especial a União Europeia. Era a “direitopatia” discursiva do governo que induzia essa leitura.

Eu, em particular, aplaudo dos dois estelionatos do governo Bolsonaro: em relação ao acordo Mercosul-União Europeia e ao Acordo de Paris. E espero aplaudir outros. Como aplaudi no primeiro governo Lula os estelionatos eleitorais na área econômica. Lula se elegeu chamando o superávit primário do governo FHC — bom tempos?! — de mamadeira para banqueiro. Logo no primeiro ano de governo, ele o elevou. Estelionato eleitoral! Aplausos.

Quando a Seleção Brasileira foi derrotada pela da Bélgica, o olavete Filipe Martins, que viria a ser, depois, assessor de Bolsonaro para assuntos internacionais, escreveu, seguindo as pegadas de seu mestre:
“A Bélgica é a Babel moderna, o epicentro do globalismo, o ninho de cosmopolitas que não possuem qualquer laço nacional; não chegando nem mesmo a ser um país. Eles nos derrotaram hoje, mas em breve escalaremos um Camisa 17 para acabar com tudo o que eles representam”.

E foi isso, general Augusto Heleno, que chegou ao poder: a “direitopatia”.

A Bélgica é, por várias razões, uma espécie de símbolo da odiada — por Martins e outros do mesmo naipe — União Europeia.

Com a coerência dos bravos, o rapaz saudou assim, no dia 28 passado, também no Twitter, o acordo Mercosul-União Europeia, celebrado na… Bélgica:
Histórico! Graças ao grande empenho do Presidente Jair Bolsonaro, nossos negociadores acabam de fechar o Acordo Mercosul-UE, o maior acordo comercial entre blocos econômicos de todos os tempos, cobrindo 1/4 da economia mundial e um mercado de 750 milhões de pessoas. Grande dia!”

Há uma mentira óbvia aí: o tal empenho de Bolsonaro. Mas isso não importa agora. O que interessa é que os “direitopatas”, general Augusto Heleno, é que faziam a coisa errada nesse particular.

O tuíte de Martins, este segundo, foi endossado por Carlos Bolsonaro, com linguagem característica e a com a conhecida fixação da família por áreas situadas abaixo da linha da cintura, sempre com toques de violência:
“Parabéns a equipe internacional e o Ministério de relações Exteriores. Resta aos bostas goeludos de sempre enfiarem o dedo no rabo, rasgar e continuarem tramando!”

Direitopatas!

Não me importo que empreguem os termos que criei. Desde que ajustem o contexto.

De Uol