Quem é contra políticas de educação sexual?

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Foto: Marcelo Camargo | Agência Brasil

É de ironia que o castelo do populismo é feito. Sob o pretexto de “fortalecimento das estruturas familiares e a exclusão das menções de gênero”, pautas eleitas pelo Brasil como prioritárias na ONU, o país age contra políticas que buscam, entre outras coisas, proteger as famílias.

Nesta quinta-feira (11), em sessão do órgão máximo das Nações Unidas em direitos humanos, o Brasil se alinhou a governos como Arábia Saudita, Paquistão e China, países onde cristãos são sistematicamente perseguidos, em diversas emendas voltadas a picotar resoluções sobre discriminação contra mulheres e contra casamento infantil.

Em uma série de votos, o Brasil apoiou emenda sugerida pelo Paquistão para suprimir menção a “garantir acesso universal à educação sexual”. Brasil votou a favor da emenda proposta pelo Egito para retirar referência a “direito à” saúde sexual e reprodutiva. E Brasil apoiou emenda apresentada pelo Bahrein para indicar que informação sobre saúde sexual e reprodutiva há de ser oferecida sob direção de pais ou representantes legais.

Em violação à sua própria tradição diplomática, o governo quer que acreditemos que essa guinada na política externa em direitos humanos está sendo feita em nome da família brasileira. Não está.

Para ser contra educação sexual, é preciso saber do que se trata em primeiro lugar.

Diretrizes internacionais sobre o tema da Unesco, agência internacional sobre educação, incluem no guarda-chuva de educação sexual assuntos pouco controversos como métodos contraceptivos, gravidez, igualdade entre homens e mulheres, prevenção e tratamento de DSTs (doenças sexualmente transmissíveis).

Educação sexual nada mais é do que abordar questões como usar camisinha, como respeitar a todos, sejam LGBTs ou não, como não nutrir relacionamentos abusivos onde mulheres sejam sistematicamente discriminadas.

Quem é contra tais políticas?

Ao votar na ONU contra qualquer discussão sobre esses temas, o governo brasileiro prejudica as famílias. Primeiro porque não permite a discussão básica sobre saúde em um contexto de níveis crescentes de DSTs entre jovens e casais heterossexuais.

Em novembro de 2018, dados do Boletim Epidemiológico de Sífilis do Ministério da Saúde revelaram um aumento no número de casos de sífilis no Brasil: cresceu 28,5% a taxa de detecção da doença entre gestantes. Já a taxa de transmissão do HIV entre meninos de 15 a 19 anos triplicou entre 2006 e 2015, de acordo com estudo do Ministério da Saúde de maio de 2018.

Segundo, o governo brasileiro prejudica uma de suas principais bandeiras: o combate à exploração sexual de crianças e adolescentes. Ao não permitir que seja debatido o tema em escolas, muitos abusos continuarão encobertos.

Dados do Disque 100, serviço do Ministério de Direitos Humanos, mostram que no ano passado foram 17 mil denúncias de violência sexual contra menores de idade, sendo 70% dos casos de abuso praticados por familiares —pais, mães, padrastos ou outros—, em casa.

Isso reflete a realidade de todas as famílias? Não. Isso apenas significa que tais temas devem também ser abordados em outras esferas, inclusive na escola, para que casos de exploração sexual sejam punidos.

Parâmetros internacionais já preveem que educação sexual deve ser ajustada a diferentes idades, bem como que pode ocorrer em diferentes locais ao mesmo tempo —em escolas, famílias, comunidades.

Ao tratar de temas necessários como orientação sexual e identidade de gênero, o que se faz não é substituir valores familiares ou doutrinar. Estar-se-á apenas ensinando o respeito. No país que mais mata LGBTs no mundo e com crescentes índices de feminicídio, isso é necessário. E poucos de nós – religiosos inclusive – seríamos a favor da violência.

O que justifica o Brasil se alinhar na ONU a países autoritários com altos índices de repressão contra cristãos? Tampouco polarização direita-esquerda explica.

Política externa bolsonarista, em matéria de direitos humanos, se revela uma reconfiguração radical de forças. Antes líder do bloco de países latino-americanos, nesta semana o Brasil votou em sentido contrário a aliados como Chile, Peru, e Argentina, os três governados por líderes de direita ou centro-direita.

Desses países, depende a pretensão brasileira de se reeleger para o Conselho de Direitos Humanos pelo grupo de países da América Latina e Caribe.

Antes hábil negociador com o bloco europeu, nesta semana o Brasil deu as costas a todos os países europeus do Conselho, desde o governo socialista da Espanha até as direitistas Hungria de Viktor Orbán e República Tcheca de Andrej Babiš.

Na luta do Itamaraty contra moinhos de vento imaginários, perdem as famílias brasileiras. Todas as famílias.

Da FSP