Contrato suspenso por Weintraub trava verba de escolas-piloto

Todos os posts, Últimas notícias
Foto: Jorge William

 

Ministério da Educação (MEC) está com repasses travados, de cerca de R$ 130 milhões, destinados a 3.519 escolas em todo o país que participam do programa federal de apoio à implementação do Novo Ensino Médio .

O problema, no entanto, não é falta de dinheiro. Embora disponíveis, os recursos não podem ser transferidos porque o desenvolvimento de um sistema informatizado foi interrompido após o ministro Abraham Weintraub romper o acordo de cooperação que a pasta tinha com a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI).

As unidades que receberiam essa verba são chamadas escolas-piloto. O dinheiro seria usado na flexibilização do currículo — uma das bases do Novo Ensino Médio, que compreende a elaboração de itinerários formativos e oferta de disciplinas eletivas — e na formação de professores para esse novo modelo.

Na prática, a verba bancaria a aquisição de materiais de consumo, contratação de serviços, reparos na infraestrutura escolar e compra de equipamentos e mobiliários. O Novo Ensino Médio, estabelecido por medida provisória em 2017, será implantado nessas escolas já em 2020, e no restante da rede em 2021.

— As atividades que estão fora do currículo regular geram um custo que seria coberto por esse dinheiro — conta Vitor de Angelo, secretário estadual de Educação do Espírito Santo, estado que tem 16 escolas-piloto. — Enquanto ele não vem, seguimos com os nossos trabalhos de planejamento. Quando a verba sair, faremos as compras.

Weintraub anunciou, no início de julho, que estava rompendo unilateralmente a parceria entre o MEC e a OEI porque o contrato não teria respeitado ritos formais. Com a decisão do ministro, foram dispensados 89 consultores que prestavam serviços ao ministério contratados pelo organismo internacional, dos quais 50 atuavam na área de tecnologia da informação.

Sistemas sem suporte

Diversos sistemas em desenvolvimento ou em atualização ficaram sem suporte. Um deles é o que roda o programa Novo Ensino Médio. Sem ele, as escolas não podem enviar ao MEC as Propostas de Flexibilização Curricular — condição estabelecida em edital para a liberação da verba.

O programa informatizado é necessário para fazer a avaliação desses planos de ação. O projeto apresentado tem que estar alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC) do Ensino Médio, aprovada no fim do ano passado. Só depois da validação dessas informações, por meio do sistema, os repasses são autorizados. Segundo técnicos, é inviável fazer todo esse trabalho manualmente, sem o apoio da ferramenta digital que estava em desenvolvimento.

O dinheiro do programa, cujo valor por unidade depende da quantidade de alunos, não é alvo de contingenciamento no MEC . A verba já está, inclusive, empenhada (fase da execução orçamentária que reserva o recurso para garantir o desembolso), mas com liberação travada.

O primeiro repasse (20% do valor) do Novo Ensino Médio foi realizado no último dia de 2018. As escolas aguardavam o segundo aporte no primeiro semestre deste ano. Também estava prevista uma terceira injeção de verba nas unidades. No total, o investimento é de R$ 350 milhões. Somente Rio de Janeiro, São Paulo, Rondônia e Distrito Federal não aderiram ao programa.

Com a primeira parcela, por exemplo, a Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio José Vitor Filho, em Cariacica, região metropolitana da Grande Vitória, conseguiu pagar a manutenção de algumas salas para as aulas de Projeto de Vida e comprou equipamentos como datashow e material didático.

— Conseguimos dar esse pontapé inicial com a verba que veio. Quando chegar a segunda parte, vamos reunir o conselho escolar para decidir como gastaremos — afirma a diretora Edma Luppi Batista Salomão, que ofereceu novidades no primeiro semestre. — Tivemos eletivas de Nutrição e Fotografia que foram sucesso.

MEC , em nota, atribui a indisponibilidade do sistema a “problemas herdados da gestão anterior”, sem informar quais seriam as falhas encontradas pela atual equipe. A pasta não respondeu aos questionamentos sobre a relação entre a saída dos consultores contratados pela OEI e a dificuldade tecnológica que impede os repasses às escolas.

Solução em ‘até dois meses’

A pasta acrescentou que está empenhada em buscar uma solução “em até dois meses”. Às escolas, o MEC tem prometido a verba para até o fim do mês.

Weintraub já afirmou que o modelo de parceria entre MEC e OEI contrariava normas previstas para a formulação dos acordos de cooperação com organismos internacionais. Ele disse que parâmetros formais foram desrespeitados, como o fato de os termos do acordo não terem sido analisados pela consultoria jurídica da pasta, e o projeto básico não ter sido elaborado pelo ministério. O MEC informou que, desde que o documento passou a vigorar, em 2008, R$ 178 milhões foram transferidos à OEI.

O período de vigência do acordo engloba os governos Lula, Dilma e Temer. Neste período, os repasses aumentaram de R$ 4,4 milhões (2008) a R$ 37,4 milhões (2018). O resultado da apuração interna foi enviado para o Ministério Público Federal (MPF), Tribunal de Contas da União (TCU) e Controladoria-Geral da União (CGU), segundo o MEC.

O rompimento do acordo surpreendeu até a área técnica da pasta. Internamente, ele é visto com desconfiança e alguns acreditam que os motivos de Weintraub seriam ideológicos, por estabelecer uma suposta identificação do organismo com setores da esquerda.

Nos bastidores, comenta-se que o programa foi implementado sem irregularidades graves, como problemas na prestação de contas ou indícios de desvio de verbas.

Embora diga que sua prioridade à frente do MEC é o ensino básico, Weintraub não poupou a educação de crianças e adolescentes dos contingenciamentos e até de falhas internas, como a que atinge o Novo Ensino Médio.

Procurada, a OEI não respondeu a questionamentos específicos a respeito dos sistemas informatizados que estavam sendo desenvolvidos. O organismo internacional destacou, em nota, que “preza pelos princípios da transparência e da legalidade em todos os acordos firmados nos 23 países (…) em que atua” e defendeu que os acordos com o governo brasileiro “estão criteriosamente em conformidade com a lei e normas deste país”.

De O Globo