Hacker de Araraquara nega que quisesse vender informações ao PT

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Foto: reprodução

Walter Delgatti Neto, 30, que afirmou à Polícia Federal ter hackeado contas de Telegram de procuradores da Lava Jato e repassado as mensagens ao site The Intercept Brasil, afirmou à Folha não ter achado que seria preso porque, em sua opinião, não teria cometido crime ao acessar informações que ele diz considerar que sejam públicas.

“Utilizei da minha formação técnica para acessar informações públicas, online… Espantei-me com o seu conteúdo e tornei, pequena parte do acervo, domínio público. Tecnicamente, não tive qualquer dificuldade em acessar as informações…”, declarou por escrito à reportagem.

Delgatti é suspeito de praticar os crimes de organização criminosa e de “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo”, cuja pena é de 3 meses a 1 ano de prisão.

Ele negou ter falado que venderia as mensagens ao PT, buscou esclarecer seu contato com a ex-deputada Manuela d’Ávila (PC do B) e disse que, por ser aluno de direito, entendeu que havia ilegalidades na atuação da Lava Jato, por isso copiou as mensagens.

O suspeito cursava o segundo ano de direito em uma faculdade particular de Ribeirão Preto (SP) quando foi preso. O curso foi trancado por seus advogados no último dia 13 de agosto.

Delgatti é um dos quatro presos pela PF em julho sob suspeita de envolvimento nos hackeamentos. Ele concedeu sua primeira entrevista por escrito após a Justiça Federal ter negado pedido da Folha para entrevistá-lo na prisão.

A entrevista por escrito foi intermediada pelos advogados Luis Gustavo Delgado Barros e Fabrício Martins Chaves Lucas.

Delgatti reafirma não ter modificado as mensagens repassadas ao Intercept. “Não editei ou alterei qualquer conteúdo.”

Ele está preso na Papuda, em Brasília, no bloco F, ala G, mesmo local onde estão políticos famosos como o ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB-BA) e o ex-senador Luiz Estevão.

Segundo Delgatti, ele entregou o material ao jornalista Glenn Greenwald de forma espontânea, de graça e anônima. A PF investiga se mais pessoas participaram da invasão do aplicativo e se houve mandantes e pagamentos.

O advogado de Gustavo Elias Santos [também preso sob suspeita de hackeamento] afirmou que o sr. disse ao seu amigo Gustavo que pretendia vender as mensagens da Lava Jato ao PT. O sr. disse isso? O que exatamente o sr. disse a ele? Em relação à fala do advogado, cada um é responsável pelo que diz e faz… Minha defesa irá tomar as medidas cabíveis no que tange a essa calúnia. Vale ressaltar, mais uma vez, que nunca procurei nenhum integrante do PT e tampouco tive a intenção de vender o material. Alguém pretende provar o contrário?

Reafirmo que entendo ter cumprido as minhas obrigações como cidadão: utilizei da minha formação técnica para acessar informações públicas, online. Espantei-me com o seu conteúdo e tornei, pequena parte do acervo, domínio público, via jornalista competente.

Ainda não entendo a razão pela qual personalidades públicas, bem como funcionários públicos, tanto temem a revelação das suas atividades online. Por qual razão esconder-se? Afinal, pleiteiam e recebem atenção pública. Prestaram concursos públicos, sob regras conhecidas e pré-definidas. Muitos são selecionados por associações político-partidárias ou por laços familiares. Têm benefícios das suas exposições públicas.

Nos USA [Estados Unidos], depois do atentado às duas torres em Nova York, quase todos são monitorados por agências de Estado. Há quase 20 anos! Insisto: por qual razão parcela das autoridades e personalidades públicas brasileiras tanto temem a revelação das suas atividades online?

Na minha opinião —posso?—, para figuras públicas, quase tudo que fazem é matéria de interesse público. Tudo que fazem no exercício das suas funções públicas pode e deve ser conhecido pela sociedade.

Um ponto que gerou dúvida é a participação de Manuela d’Ávila. Por que o sr. entrou em contato e conversou com ela, em vez de entrar no celular dela e pegar o contato de Glenn Greenwald da lista de contatos dela? A lista de cada conta Telegram é composta apenas por contatos de pessoas que utilizam o app. Verifiquei que o jornalista não integrava a lista de contatos das pessoas que acessei, motivo pelo qual entrei em contato de forma anônima com a dep. d’Ávila, com o único intuito de conseguir o contato do jornalista.

Acho graça, procuro uma autoridade pública eleita e um jornalista, para conversar sobre matérias públicas que acessei online. Importante: não editei ou alterei qualquer conteúdo! As vozes estão lá… A autoria de todos os textos rastreados e seus autores identificados.

O que temem? Qual o crime cometido, quando apenas acessei informações de autoria de personalidades públicas e procurei a imprensa para conversar sobre o que descobri? A própria imprensa poderia checar a veracidade das informações e selecionar, sob a liberdade de imprensa, o que deveria publicar.

A liberdade de imprensa é importante. Não foi fácil de obter. É protegida pela Constituição. Deve ser responsavelmente praticada.

Queremos ter indivíduos tratados de maneira tão privilegiada? Atuam publicamente, são remunerados pelo setor público… mas têm segredos, que não são bem protegidos pelos serviços de provedores online, e tudo podem? Acessar e revelar o que fazem é crime; mas o que fazem e dizem deve ser protegido e mantido em sigilo, ainda que em prejuízo da sociedade? Estranho, não?

E as provedoras de serviços online e seus proprietários, seus técnicos e demais funcionários, serão presos preventivamente como eu fui? Onde está a igualdade de todos perante a lei? Quem deve monitorar e assegurar direitos iguais está cumprindo o seu dever? Nessa linha, os órgãos de Estado com responsabilidade de controlar o acesso à informação pública, inclusive sob a Lei da Transparência, têm cumprido as suas obrigações?

Como registro: tecnicamente, não tive qualquer dificuldade em acessar as informações.

Gostaria que o sr. explicasse melhor por que escolheu a Manuela d’Ávila como intermediária e qual foi exatamente a participação dela. Após pesquisas, verifiquei que a dep. Manuela tinha proximidade com Glenn e seu marido. No que diz respeito à participação dela nessa questão, limitou-se em passar o contato do repórter. Por outro lado, se tivesse procurado qualquer outro político, de qualquer outro partido que não o PT [Manuela é filiada ao PC do B], o tratamento que recebo seria o mesmo?

A dep. Manuela é representante pública, não? Procurei-a porque respeito-a, e porque tinha uma informação que me interessava. Qual é o problema?

Por que o sr. copiou somente as mensagens da Lava Jato, se o sr. teve a oportunidade de copiar mensagens de outras autoridades também? Foi uma ação direcionada à Lava Jato? A Operação Lava Jato é importante para todos os brasileiros. Tem atuado para investigar toda a nação. Sem qualquer transparência e com muitos poderes. Preocupa-me a ausência de limites com a qual opera. Venho de uma área do conhecimento onde a concentração de poder deve ser evitada. Até para promover a criatividade dos empreendedores e inovadores.

Acessei informações sobre a Operação Lava Jato, entre outras. Como cidadão brasileiro, livre, acessei informações de uma operação pública, sobre matéria pública de grande interesse. Nunca imaginei que ficaria tão surpreso pela conduta do dr. D. [Deltan] Dallagnol e de seus liderados.

Lá na ponta, a quais grupos de interesses ele serve? Como funcionário público, parte do Ministério Público, quais deveres e limites deve respeitar? Quem é o seu senhor? Comprou o Brasil e tudo pode? A qual nação dr. D. Dallagnol e equipe servem? Por qual razão têm tanta dificuldade em explicar-se?

Por exemplo, a matéria do uso de recursos desviados da Petrobras, devolvidos pelas autoridades americanas, deve mesmo ficar investido em privilégio dos procuradores do Ministério Público? Foi estratégia legal e sensata?

O sr. Sergio Moro também, tudo pode? Ser juiz é ser dono do Brasil? Quem controla e limita as suas ações e as consequências que impõem a indivíduos e à sociedade brasileira? O Brasil precisa conhecer sobre os métodos e condutas que praticam. A meu ver, ninguém deve estar acima da lei. Todos devem respeitar a lei e explicar-se.

À medida que acessei o conteúdo das mensagens, encontrei irregularidades… Após reflexões, considerei meu dever proteger tais informações, resguardá-las e torná-las públicas… Para tanto, procurei jornalista de reputação internacional para trocar ideias sobre como proceder.

Adiante serei liberado. Em algum momento, a sociedade reconhecerá que a minha contribuição foi legal e defendeu valores importantes para a nossa democracia.

O sr. tem sofrido algum tipo de pressão ou constrangimento pelos agentes da investigação? Até o momento, fora da prisão indevida, não sofri qualquer pressão ou constrangimento aqui na Papuda. A autoridade policial continua a tratar-me com respeito, conforme determinado pela legislação. Preferia, em muito, desfrutar da liberdade. Estou fazendo amigos aqui. Preferia dividir o tempo com eles em liberdade.

Mais uma vez, qual foi o crime que cometi? Por qual razão estou preso? Qual foi o crime que cometi?

Sei que cumpri as minhas obrigações perante a sociedade: acessei informações de grande interesse público. Algumas envolvendo interesses nacionais. Procurei alguns profissionais para consultar sobre como proceder. Protegi as informações.

A meu ver, outros, inclusive órgãos de Estado, devem cumprir as suas obrigações em face às informações que acessei. O Brasil estará melhor protegido. Talvez no futuro venham a agradecer. Reconhecer que a minha prisão não foi justa. Quem acredita quase sempre alcança?

Minha convicção: é preciso ficar atento e monitorar os agentes públicos e as ações de Estado. Testemunhei e escutei ruídos que, na minha opinião, prejudicam muito o Brasil. Proponho que tornemos ditas informações facilmente acessáveis por todos. Qual é o problema com a transparência? Cada cidadão formará o seu juízo sobre matérias de interesse público. Por que não?

O sr. tem medo de ficar preso? Sempre acreditei na Justiça, e devido ao meu ato não ser tipificado na lei como crime, ressaltando o princípio da legalidade formal, imaginei que não seria preso por isso.

Da FSP