Noam Chomsky: “Esquerda deve se unir pela Amazônia”

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Danilo Verpa/Folhapress

A esquerda brasileira está apática e deveria se unir em torno da crise na Amazônia para fazer uma oposição real a Jair Bolsonaro.

Para o linguista americano Noam Chomsky, 90, ícone da esquerda mundial e que está no Brasil, a esquerda de vários países abraçou o combate à mudança climática e a defesa do meio ambiente como formas de fazer oposição a líderes populistas de direita.

“O Brasil ainda não desenvolveu uma oposição [a Bolsonaro]. É preciso que a crise na Amazônia funcione como um ponto de inflexão para a oposição”, diz Chomsky.

O linguista tem visitado o Brasil uma vez por ano, ao lado de sua mulher, a tradutora e pesquisadora em linguística Valéria Chomsky, que é carioca.

Na última vez em que esteve no país, em setembro de 2018, sua agenda foi apertada.

Visitou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na prisão, em Curitiba, reuniu-se com os então candidatos Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT) e se encontrou com o amigo Celso Amorim, ex-ministro das Relações Exteriores.

Desta vez, o acadêmico passou mais tempo descansando. Visitou Poços de Caldas, um de seus lugares favoritos no país, e comeu cupuaçu.

Conhecido como “Elvis da Academia”, Chomsky não passou despercebido em São Paulo e foi abordado várias vezes nas ruas de Perdizes, bairro onde estava hospedado.

Como o senhor vê a estratégia de comunicação de Bolsonaro?

Sua retórica é muito atraente para parte da população. Isso está ocorrendo no mundo todo. Nos EUA, [Donald] Trump é muito eficiente, sabe como deixar as multidões inflamadas e direcionar o ódio e o ressentimento das pessoas para bodes expiatórios.

Bolsonaro faz o mesmo. As políticas socioeconômicas adotadas nas últimas gerações, principalmente na era neoliberal, foram muito prejudiciais à grande maioria da população.

Nos EUA, houve crescimento, mas os salários reais dos americanos estão abaixo do que eram nos anos 1970. A concentração de riqueza tem um efeito imediato sobre o sistema político —uma das razões para o declínio da democracia na Europa e outros lugares.

Como resultado, os partidos social-democratas na Alemanha quase desapareceram, o Partido Socialista na França desapareceu, e legendas marginais agora são influentes.

Nos EUA, desde os democratas clintonianos, o partido vem se afastando da classe trabalhadora. O fato mais importante da eleição presidencial de 2016 foi o colapso de ambos os partidos —Bernie Sanders saiu do nada, não tinha recursos, a mídia o odiava, e quase ganhou a indicação.

O Partido Republicano foi dominado por alguém que o establishment detestava. Estamos vendo o colapso das instituições de centro, por causa de raiva e ressentimento, que são explorados por demagogos como Trump, Bolsonaro, Matteo Salvini, Viktor Orbán.

Mas há movimentos de resistência muito promissores. Na Europa, o DiEM25 [Movimento Democracia na Europa em 2025, para combater a mudança climática e gerar empregos] e o Extinction Rebellion [grupo internacional para evitar a extinção em massa devido às mudanças climáticas] tiveram muitas conquistas.

Nos EUA, há uma guinada para a esquerda entre os democratas. O Movimento Sunrise tem jovens que pressionam o Congresso, com muito ativismo direto, e que conseguiram algo inimaginável há alguns anos —fazer o Green New Deal entrar na agenda.

Do outro lado, temos o que Steve Bannon articulou de forma clara, um esforço para criar uma Internacional Reacionária liderada pela Casa Branca, e que inclui gente como as ditaduras do Golfo, como a Arábia Saudita, o país mais reacionário do mundo, Egito sob a ditadura de Abdul Fatah al-Sisi, Israel que migrou para a extrema direita, [Narendra] Modi na Índia, Bolsonaro, Orbán, Salvini e Nigel Farage [defensor do brexit].

Alguns argumentam que, se o Partido Democrata migrar demasiadamente para a esquerda, pode perder votos dos moderados…

Sim, pode. Programas mais progressistas podem afastar alguns eleitores mais ricos e conservadores, e a mídia vai atacar sem trégua esses programas.

Aliás, não me surpreenderia se a eleição americana de 2020 for muito parecida com a brasileira de 2018, com onda massiva de propaganda enganosa transmitida em redes sociais. No Brasil foi absolutamente chocante, acho que nos EUA não chegaria a esse nível.

Uso de dados e microdirecionamento, tudo isso será usado. Pode ser mais refinado nas próximas eleições, mas é muito tentador para ser ignorado pelos partidos.

A esquerda no Brasil está fragmentada e sem uma liderança clara. O que deveria fazer para se reorganizar?

O PT está desacreditado devido às acusações graves de corrupção, que têm base, afinal de contas. Se Lula pudesse reaparecer, seria o tipo de pessoa que conseguiria reconstruir uma esquerda ativa e forte.

Mas, durante a campanha do ano passado, que ele poderia ganhar, silenciaram-no com uma pena que, mesmo que se acredite nas acusações contra ele, são, no mínimo, dúbias.

Ele não podia nem fazer pronunciamentos, ou dar entrevistas —não fazem isso nem com assassinos condenados. Era uma maneira de garantir que uma campanha incrivelmente forte em redes sociais colocasse uma figura de direita no poder.

Minha impressão é que a esquerda brasileira está completamente desordenada, há muita apatia, as pessoas estão apenas assistindo a tudo que está acontecendo, pensando “não podemos fazer nada então vamos esperar passar”.

Que tipo de autocrítica a esquerda no Brasil deveria fazer?

Especificamente em relação ao PT, o partido deveria refletir sobre seus erros, porque se juntou à cultura generalizada de corrupção no país. Eles não inventaram essa cultura. Durante o governo Fernando Henrique Cardoso devia ser até pior, mas juntar-se a essa cultura foi um erro enorme.

Eles também não conseguiram fazer com que os beneficiários dos programas sociais, como o Bolsa Família, entendessem que o partido era responsável por essas políticas.

Recentemente o ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica reconheceu que o governo de Nicolás Maduro é uma ditadura. O senhor concorda?

A avaliação que ele faz sobre o governo Maduro é correta. Maduro fez muitas coisas erradas, a política econômica foi atroz, decisões equivocadas. E, durante todo esse período, houve constante sabotagem feita pelos EUA e pelas elites, chegando ao ponto de apoiar abertamente um golpe militar.

O governo Maduro tem reagido à oposição popular de forma violenta e opressiva, e as últimas eleições presidenciais tiveram problemas sérios. Obviamente, as sanções de Trump transformaram uma crise em uma catástrofe.

Mas o senhor acredita que se trata de uma democracia?

Há elementos democráticos. Ao contrário do que dizem muitos críticos estrangeiros, a imprensa é razoavelmente livre, há enormes críticas ao governo e apoio à oposição. O governo é repressivo, mas a imprensa continua crítica. E Maduro merece a crítica.

O senhor vê oposição eficaz a líderes populistas de direita no mundo?

Sim, em muitos países. Nos Estados Unidos, a migração dos integrantes mais jovens do Partido Democrata para posições do [Green] New Deal, de democracia social.

Bernie Sanders é uma das figuras políticas mais populares no país, assim como Elizabeth Warren.

Na Europa, a mesma coisa. Já o Brasil ainda não desenvolveu uma oposição [a Bolsonaro]. Talvez agora, no contexto de duras críticas internacionais à destruição da Amazônia, isso surja. Talvez a partir disso surja a oposição real que deveria estar sendo feita.

É preciso que a crise na Amazônia funcione como um ponto de inflexão para a oposição. Se a crise na Amazônia continuar, o mundo inteiro vai sofrer.

Estamos chegando a um ponto em que os danos ambientais são irreversíveis. Se passar disso, será o fim da vida humana organizada no planeta.

E temos gente como Trump e Bolsonaro negando que exista aquecimento global e adotando políticas que o exacerbam.

Para mim, eles são os maiores criminosos da história. Hitler queria matar todos os judeus, mas essas pessoas estão dizendo: “Vamos matar toda a sociedade, destruir tudo e ter lucros”.


Noam Chomsky, 90

Considerado o fundador da linguística moderna, o americano é professor emérito do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e professor da Universidade do Arizona.

Também é filósofo e autor de mais de cem livros. Ativista de esquerda e um dos acadêmicos mais citados, é crítico da política externa americana, do capitalismo e ganhador de inúmeros prêmios

Da FSP.