Marcelo Camargo / Agência Brasil

Paulo Guedes é refém da Lava Jato

Todos os posts, Últimas notícias
Marcelo Camargo / Agência Brasil
Marcelo Camargo / Agência Brasil

Era 2007 e Carlos Felisberto Nasser era um simples assessor do então prefeito de Curitiba, Paraná, Beto Richa (PSDB-PR), quando montou a empresa Power Marketing. Advogado e jornalista, Nasser era figura recorrente nas campanhas políticas tucanas e nos gabinetes de políticos do partido no estado. Mas, além de assessorar o prefeito como servidor comissionado de seu gabinete, Nasser decidira inovar a carreira. Naquele ano, fechou um contrato milionário entre a Power Marketing e a empreiteira Triunfo.

O trabalho de Nasser seria dar consultoria à companhia, que preparava sua abertura de capital na bolsa de valores. Tratava-se de um trabalho solitário, já que a Power Marketing não tinha funcionários registrados.

Não fosse a Lava Jato, o suposto trabalho de Nasser de traçar a estratégia de divulgação dos feitos da Triunfo passaria batido. Mas, ao olhar com lupa as contas da empreiteira, num inquérito que investiga pagamento de propina a políticos tucanos no estado, investigadores do Ministério Público Federal (MPF) depararam com detalhes curiosos. Descobriram que os pagamentos de empresas do grupo da Triunfo a Nasser foram excessivamente vultosos (chegaram a R$ 3 milhões), despertando a suspeita de lavagem de dinheiro. O valor, segundo a investigação, foi sacado em espécie, em várias parcelas. A suspeita dos investigadores era de que os pagamentos a Nasser eram uma forma de ocultar o real objetivo do dinheiro: comprar agentes públicos no Paraná.

Ao passar um pente fino nas contas da Power Marketing, um novo nome saltou aos olhos dos investigadores: a GPG Consultoria Econômica, que tem como sócios o então economista e hoje ministro da Economia Paulo Guedes e seu irmão, Gustavo. Em 14 de agosto de 2007, a companhia de Guedes fez pagamentos no valor de R$ 560.834,24 para a Power Marketing. No dia 21 do mesmo mês, Nasser sacou R$ 500 mil da conta de sua empresa — tudo em espécie. Naquele mesmo período, Guedes integrava o conselho de administração da Triunfo.

Reportagem da Folha de S.Paulo publicada nesta terça-feira mostrou que a Lava Jato de Curitiba ignorou as suspeitas detectadas contra Guedes, não investigou a fundo sua participação nos fatos e não o denunciou no caso. ÉPOCA teve acesso às provas que implicaram Paulo Guedes na história e à complexa narrativa que mostra como o hoje ministro da Economia apareceu no meio de uma investigação da Lava Jato e, pouco tempo depois, sumiu repentinamente do caso.

Em 2 de abril do ano passado, o MPF apresentou uma denúncia contra Nasser à Justiça Federal do Paraná. Nela, o ex-assessor, morto em dezembro do ano passado, aos 78 anos, vítima de um câncer, é acusado de lavagem de dinheiro e associação à organização criminosa, em razão dos recursos não explicados que passaram por sua empresa. Na avaliação dos investigadores, a Power Marketing era meramente uma firma de fachada. Guedes é citado na denúncia, mas não chegou a ser alvo da acusação.

A denúncia do caso foi recebida pelo então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, em 4 de abril do ano passado. Por ter sido citado nas acusações, Guedes e sua empresa GPG foram arrolados como testemunhas de defesa por dois réus. Moro acolheu as indicações e, em 30 de maio, expediu um ofício para a empresa de Paulo Guedes com três perguntas sobre a relação com Carlos Nasser. Poucos dias depois, em 11 de junho, em resposta a pedidos dos advogados de defesa, Moro reconheceu a incompetência da 13ª Vara para julgar o caso, por não haver conexão direta com crimes da Petrobras, e o caso foi remetido para a 23ª Vara Federal de Curitiba, onde ainda tramita.

O atual ministro da Economia e seu irmão Gustavo foram intimados para prestar depoimento como testemunhas na ação penal, no dia 27 de agosto de 2018, quando já integrava a campanha de Bolsonaro. Porém, poucos dias antes, no dia 24, a defesa de Carlos Nasser pediu ao juiz que desistisse de tomar os depoimentos deles. No ofício, a defesa afirmou que os questionamentos enviados à empresa de Guedes já seriam suficientes para esclarecer o caso.

Os esclarecimentos, contudo, nunca chegaram aos autos. O ex-sócio da Triunfo, Antônio Queiroz, denunciado sob acusação de ter ordenado a assinatura dos contratos fraudulentos com Carlos Nasser, desistiu do envio das questões à GPG. Nasser também. Depois de ser informada pela 23ª Vara que o oficial de Justiça não havia localizado a empresa e de ser solicitada a apresentar o endereço atualizado, a defesa de Queiroz protocolou petição em 13 de maio deste ano informando que não tinha mais interesse nas perguntas e que considerava a questão já esclarecida.

O inquérito sobre as suspeitas envolvendo a Triunfo ainda tramita na Justiça. Questionado sobre o andamento atual das investigações e se o ministro Guedes consta da lista de investigados, o MPF informou, por meio de sua assessoria, que não comenta sobre alvos e sobre apurações em andamento.

A defesa de Nasser informou, nos autos, que a GPG havia sido responsável pelo planejamento estratégico e econômico da abertura de capital da Triunfo. Contudo, a defesa não explicou ao MPF a razão de a companhia de Guedes, apesar de ter prestado serviços à Triunfo, ter feito pagamentos à Power Marketing no mesmo ano.

Em nota, a defesa de Paulo Guedes informou que o ex-ministro prestou assessoria para o processo de abertura de capital da Triunfo e que Nasser recebeu os pagamentos como comissão por ter indicado Guedes para atuar no caso.

“A consultoria prestada pela GPG Consultoria ao grupo Triunfo resultou na oferta primária de ações (IPO) da Triunfo Participações, operação de enorme sucesso no mercado, executada com total lisura e regularidade, de tal forma que jamais foi questionada por qualquer instância do Poder Público. A defesa do ministro da Economia, Paulo Guedes, esclarece ainda que, desde dezembro do ano passado, ele se retirou de todas as atividades empresariais, exatamente como exige a lei aos ocupantes de cargos públicos, destacando, por fim, a legalidade e correção da atuação das empresas das quais foi sócio”, afirmam os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso.

De Época