Witzel, Janaína e Bolsonaro sujam ação certa da PM

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Não vejo como se possa criticar a ação da PM do Rio de Janeiro, que matou Willian Augusto da Silva, que sequestrou um ônibus em que estavam ao menos 39 pessoas. No momento em que foi alvejado por um sniper — levou, ao todo, seis tiros —, havia ainda 33 no veículo. Soube-se apenas depois que a pistola que portava era de brinquedo. Consta que tinha ainda uma faca, um “taser” — arma de eletrochoque e carregava gasolina. Não havia alternativa para os policiais. Mesmo um tiro não letal poderia resultar em uma tragédia se a arma não fosse de brinquedo. Havia ainda o risco de incendiar o ônibus. Em casos assim, o criminoso não deixa alternativa às forças de segurança. A operação de salvamento dos reféns foi bem-sucedida. O dano colateral, mas inevitável, do ponto de vista humano, foi a sua morte.

A PM do Rio cumpriu o seu papel. O desastre veio depois, com o discurso e o comportamento detestáveis do governador Wilson Witzel e, para não variar, a fala infeliz do presidente Jair Bolsonaro, para surpresa de ninguém com miolos e gáudio da súcia que o aplaude nas redes sociais. E, ainda assim, nem um nem outro superaram a alucinação verdadeiramente cósmica da deputada estadual Janaina Paschoal, do PSL de São Paulo. Witzel e Bolsonaro se acotovelaram para ver quem emplacava a narrativa mais asquerosa sobre o cadáver. Janaina decidiu ver a mão de Deus. Um dia, com o devido distanciamento, constataremos que essa era de horror é ainda pior do que podemos caracterizar agora, no calor dos fatos.

O GOVERNADOR WITZEL

Witzel, chegado à bufonaria truculenta, desceu do helicóptero e vibrou, dando socos para o alto, como se comemorasse um grande acontecimento. Ainda que estivesse satisfeito com o bom trabalho da polícia, a hora recomendava contenção. Não com ele. Aproveitou para defender a sua tese do abate: “Se não tivesse abatido esse criminoso, muitas vidas não seriam poupadas. E isso está acontecendo nas comunidades. Eles estão de fuzil nas comunidades aterrorizando as comunidades. E isso é o que a gente viu. Mas e o que a gente não vê que está nas comunidades? Se a polícia puder fazer o trabalho dela de abater quem estiver de fuzil, tantas outras vidas serão poupadas”.

Witzel quer usar “snipers” para atingir supostos portadores de fuzis, num trabalho de assassinato preventivo. Na prática, pessoas consideradas suspeitas já estão sendo assassinadas a esmo no Rio. Entre os dia 9 e 13 deste mês, seis jovens foram mortos pela Polícia sem que houvesse nenhuma evidência de ligação com o crime. O açougue de carne humana de Witzel também é seletivo. Segundo levantamento do UOL, no primeiro semestre, sua polícia matou 881 pessoas — nenhuma delas em área sob o domínio das milícias. Isso quer dizer alguma coisa? Sim, quer dizer e já fala por si.

E o governador avançou na cantilena em favor do morticínio: “Há uma dúvida interpretativa de alguns juristas sobre o momento que se pode fazer a neutralização de uma pessoa com uma arma de guerra. […] Se hoje esse foi baleado, por que os que estão de fuzil não podem ser abatidos?

Em primeiro lugar, não há dúvida nenhuma sobre a ilegalidade do que quer Witzel. De resto, comparar a situação de alguém que mantém 33 pessoas como reféns — seis haviam sido liberadas — com o “abate” (para usar palavra de sua predileção) de alguém que porta ou supostamente porta fuzil vai uma distância imensa. Até porque se fará mais uma vítima preta de tão pobre e pobre de tão preta, e outro pegará o seu fuzil para dar sequência à rotina de terror e mortes.
O PRESIDENTE BOLSONARO
O presidente não fez por menos. Antes ainda do desfecho do caso, defendeu o emprego de “sniper”. E afirmou a seguinte indignidade sobre o famoso caso do ônibus 174, sequestrado por Sandro Barbosa do Nascimento no dia 12 de junho de 2000: “Não foi usado o ‘sniper’, o que aconteceu? Morreu a professora inocente. E depois esse vagabundo morreu no camburão. Os policiais do camburão foram submetidos a júri popular. Foram absolvidos por 4 a 3. Quase você condena alguns policiais a 12, 30 anos de cadeia, por causa de um marginal daquele do ônibus 174”.

Vamos ver:
1: foi mesmo um erro não ter usado “sniper” naquele caso;
2: quando um policial tentou alvejá-lo a curta distância, numa ação desastrada, acabou atingindo de raspão o queixo da refém Geísa Firmo Gonçalves, que Sandro usava como escudo. Ele, então, disparou três tiros contra a mulher, matando-a;
3: Sandro foi preso e morreu por asfixia dentro de um carro de polícia. Foi executado; 4: de fato, os policiais foram absolvidos.
TRAGÉDIA BRASILEIRA
Uma curta memória. Sandro era a cara da tragédia social brasileira. Era sobrevivente da chacina da Candelária, de 23 de julho de 1993, que resultou na morte de oito adolescentes entre 11 e 19 anos. Milicianos, que viviam a sua pré-história — não eram ainda o segundo poder no Rio, só perdendo hoje para o governo do Estado, com quem vivem uma relação harmônica —, chegaram atirando contra dezenas de jovens que dormiam na praça. O caso ganhou o mundo. Quando sequestrou o ônibus tinha 21 anos. Abandonado pelo pai desde sempre, passou a viver nas ruas aos oito anos, quando a mãe foi assassinada a facadas na sua frente, na favela em que morava. Bolsonaro poderia ter parado na defesa do uso de “sniper”. Mas ele foi além. Justificou o assassinato de um preso depois de rendido pela Polícia. Notem que, na sua fala, está a defesa do que chama de “excludente de ilicitude”, que está no “pacote anticrime” de Moro. Aliás, se a mudança pretendida pelo ministro for aprovada, também os “abates”, como defende Witzel, passariam a ser permitidos.

JANAINA PASCHOAL
Apesar dessas falas revoltantes, ninguém superou Janaina Paschoal. Ela é, Santo Deus!, professora de direito penal da USP. Em campanha contra o projeto, já aprovado pelo Congresso, que muda a lei que pune abuso de autoridade, afirmou: “Esse caso ter acontecido hoje talvez seja a mão de Deus. Porque o presidente Bolsonaro está para sancionar a lei de abuso de autoridade. E essa lei vai permitir, da maneira como redigida, que as pessoas que estão trabalhando para o bem da sociedade sejam perseguidas como criminosas. Quem sabe esse caso não aconteceu hoje para o presidente refletir?” É uma fala nojenta. Aquela que faz questão se deixar claro ser uma católica fervorosa está nos dizendo que o sequestrador desta terça é o segundo cordeiro que Deus enviou ao mundo. Antes dele, veio Cristo. Aquele morreu para nos salvar. Willian foi alvejado com seis tiros para nos proteger dos supostos riscos do texto que pune abuso de autoridade. A fala costeia a insanidade, se é que não atravessa a linha.
A PIOR SAFRA DA HISTÓRIA .
Se Janaina estiver certa, Deus inspirou Willian a fazer o que fez — pouco importando o tanto que sua família iria sofrer — só para que a católica Janaina pudesse tirar a sua casquinha de mais essa tragédia brasileira. Janaina era uma advogada que resolveu ser política, tornando-se famosa por ser uma das três signatárias da denúncia que resultou no impeachment da Dilma. Para ela vale a máxima: aqueles a quem os Deuses querem destruir, começam por lhes tirar a razão. A deputada é mãe. Espanta-me que acredite que Deus escolhe os filhos de outras mulheres para atos sacrificiais. Com um pouco de decência, viria a público nesta quarta pedir desculpas pela fala indigna. O Brasil experimenta a pior safra de políticos de sua história.
Pense aí se alguma responsabilidade lhe cabe nessa colheita de insanos.

Do UOL.