Caso Janot piora situação da Lava Jato no STF
O futuro da operação que nos últimos cinco anos se consolidou como referência no combate à corrupção está coberto de incertezas. Em um cenário de crescente tensão entre instituições e poderes, uma série de revezes se abateu sobre a Lava-Jato e seus integrantes. Os abalos vão desde o vazamento de mensagens privadas dos procuradores a julgamentos decisivos no Supremo Tribunal Federal (STF). De um lado, apoiadores denunciam uma articulação para livrar políticos de investigações, enquanto, de outro, os críticos apontam parcialidade nas decisões judiciais e exploração política e até financeira da operação.
Os membros da força-tarefa começam a semana com mais uma grande preocupação. Na quarta-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, vai apresentar uma proposta para delimitar o alcance do entendimento da Corte de que réus que não firmaram acordos de colaboração premiada devem apresentar as alegações finais depois dos delatores. Segundo levantamento da Lava-Jato, essa tese, firmada durante julgamento na semana passada, poderá levar à anulação de 32 sentenças, favorecendo 143 condenados na operação.
A preocupação é ainda maior porque o plenário da Suprema Corte vai discutir a questão ainda sob o impacto das recentes confissões do ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Em entrevistas, ele contou que, em maio de 2017, entrou armado no STF com a intenção de matar o ministro Gilmar Mendes. O episódio é considerado o mais tenso da conflituosa relação entre a força-tarefa, da qual Janot era o líder maior, e o tribunal.
O entendimento do STF sobre a ordem das alegações finais foi tomada na mesma semana em que a Lava-Jato recebeu mais uma péssima notícia: em sessão conjunta do Congresso Nacional, deputados e senadores derrubaram 18 dos 33 vetos presidenciais à lei de abuso de autoridade, retomando boa parte dos dispositivos vistos pelos críticos como inibidores da atuação das polícias, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
A derrubada dos vetos foi vista, no meio político, como uma resposta à operação de busca e apreensão realizada dias antes pela Polícia Federal nos gabinetes do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), e do filho dele, o deputado Fernando Coelho Filho (DEM-PE), dentro de uma investigação sobre desvio de recursos em obras no Nordeste.
Essa avalanche de dificuldades começou a desabar sobre a força-tarefa neste ano, justamente quando se esperava o contrário, em razão da promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro de “fortalecimento” da Lava-Jato.
Ironicamente, foi a pedido da defesa de um dos filhos do chefe do governo, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), que o presidente do STF impôs à operação de combate à corrupção um de seus maiores revezes. Em julho, o ministro Dias Toffoli suspendeu todas as investigações que estivessem utilizando dados do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) — hoje transformado em Unidade de Inteligência Financeira (UIF) — sem autorização judicial. Assim, o senador se livrou, pelo menos momentaneamente, de um inquérito do Ministério Público do Rio de Janeiro sobre as movimentações financeiras atípicas dele e do ex-assessor Fabrício Queiroz, amigo da família Bolsonaro.
Cobranças
A partir deste ano, os principais atores da Lava-Jato, que ao longo de todo esse tempo se mostraram destemidos na apuração de desvios de dinheiro público e na punição de pesos pesados da política, passaram a ser cobrados a dar explicações sobre os procedimentos adotados nas investigações.
Quase ninguém podia imaginar que um dia veria o ex-juiz e hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sendo interrogado por deputados e senadores sobre as mensagens divulgadas pelo site The Intercept Brasil, em reportagens que põem em dúvidas a atuação imparcial dele e de membros da Lava-Jato. Da mesma forma, nem de longe se cogitava que o prestigiado procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa agraciada com o Prêmio Innovare, o mais alto reconhecimento a iniciativas do Judiciário, se tornasse alvo de processos disciplinares no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
O professor Aninho Mucundramo Irachande, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB), considera que a Lava-Jato tem prestado grandes serviços ao país, mas foi duramente abalada pelo vazamento de mensagens trocadas pelos procuradores. Segundo ele, os diálogos revelam “transgressões de normas processuais à revelia das normas correntes, como a Constituição”.
“Uma prova disso é que o pacote anticrime do ministro Sérgio Moro propõe regulamentar uma série de procedimentos adotados pela Lava-Jato, como o estabelecimento de provas por inferência e não por comprovação material. Se é necessário regulamentar, então por que a Lava-Jato adota práticas como essas?”, questionou o docente, que defende a continuidade do trabalho da força-tarefa, “mas dentro da normalidade jurídica”.
Para a advogada constitucionalista Vera Chemin, “a despeito de toda a artilharia direcionada à operação, a esperança é de que o combate à corrupção continue, até porque o novo procurador-geral da República afirmou publicamente que pretende estimular a Lava-Jato, embora pense em tolher certos ‘abusos’ que se teriam cometidos no âmbito daquela operação, como prisões preventivas alongadas”.
Segundo Vera Chemin, o trabalho da força-tarefa constitui um marco histórico de combate à corrupção no Brasil. Ela destaca que as investigações conseguiram fazer com que a sociedade civil adquirisse a consciência dos seus deveres e direitos, tomando a iniciativa inédita de controlar e intensificar a vigilância sobre a conduta dos representantes políticos.
“Não obstante as campanhas que vêm sendo feitas para acabar com a imagem dos protagonistas da operação Lava-Jato, a tendência é de que os seus integrantes continuem trabalhando para promover o efetivo combate à corrupção. Ademais, aquela operação já estendeu os seus tentáculos em todos os estados federados, o que equivale a afirmar que os seus membros se nacionalizaram e não se restringem mais à República de Curitiba”, concluiu.
Boas práticas
Para o advogado criminalista Tiago Turbay, coordenador adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do Distrito Federal (IBCCRIM-DF), “o futuro da Lava-Jato está no cumprimento da lei e da Constituição, condizente com o respeito às instituições e às garantias individuais”.
Ele afirmou que apenas por meio da legalidade dos procedimentos é que se fortalecerá o combate à corrupção e o aprimoramento no uso do dinheiro público, com resultados a serem comemorados.
“A partir de agora, haverá uma cobrança maior por transparência, e isso permitirá o aperfeiçoamento de boas práticas na condução de investigações e processos, condizentes com o Estado Democrático de Direito. O fim de projeções políticas ou da monetização em razão da operação também ajudará a Lava-Jato a se reerguer, dessa vez sem violações às normas jurídicas”, acrescentou o criminalista. “O controle técnico e procedimental e a aproximação à ciência jurídica farão da Lava-Jato a grande ferramenta de combate à corrupção. Acredito que o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, terá essa incumbência”, conclui Turbay.
Já o advogado Fernando Parente, professor de processo penal do Instituto de Direito Público (IDP), afastou a possibilidade de a recente decisão do STF a respeito da ordem de apresentação das alegações finais ter sido tomada para prejudicar a Lava-Jato.
“O Supremo nada mais fez do que respeitar a regra do jogo. Se um delator acusa um corréu, um delatado, ele adere à tese da acusação, ele tem que falar primeiro, e o delatado falar por último. Então, segue a ampla defesa, o contraditório, segue o princípio básico de um processo penal democrático. Eu não me preocupo com o resultado disso na Lava-Jato, porque esse julgamento não é relacionado à Lava-Jato, ou a qualquer outra operação. Ele é direcionado a solucionar uma situação que estava em aberto”, opinou o professor.
“O controle técnico e procedimental e a aproximação à ciência jurídica farão da Lava-Jato a grande ferramenta de combate à corrupção. Acredito que o novo procurador-geral da República, Augusto Aras, terá essa incumbência”
Tiago Turbay, coordenador adjunto do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do Distrito Federal.