Entre o autoritarismo e a lei de abuso de autoridade

Opinião, Todos os posts, Últimas notícias

Leia o artigo de João Chaves, advogado e colaborador do Blog da Cidadania

***

Na tarde desta quinta-feira (05/09), foi publicada no Diário Oficial da União a lei contra o abuso de autoridade. Em relação ao texto aprovado pelo Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro vetou 36 dispositivos.

Na lei 13.869/2019, entre outros pontos, Bolsonaro vetou: 1) a criminalização de juízes que decretem prisão fora das hipóteses legais; 2) a realização de busca e apreensão fora de situações de flagrante delito ou sem ordem judicial, 3) a captura e exposição ilegal da imagem de presos; 4) a criminalização do obstrução do acesso do preso ao advogado; 5) invasão de domicílio fora das hipóteses de flagrante delito ou sem ordem judicial; 6) a negativa de acesso do interessado ou sua defesa a investigações inquéritos ou processos em curso; etc.

Ainda é possível que alguns vetos sejam derrubados pelo Congresso Nacional. Segundo líderes partidários, havia acordo entre o Legislativo e o Executivo para veto somente da hipótese de uso ilegal de algemas.

Alguns dos trechos vetados, contudo, efetivamente atacavam dificuldades cotidianas enfrentadas por profissionais da advocacia na defesa de seus clientes. As prerrogativas profissionais dos advogados existem para salvaguardar os interesses de seus clientes. Mesmo a Constituição Federal consagra a atividade do advogado como indispensável à administração da justiça.

Alguns bons exemplos de abuso de autoridade podem ser identificados nas mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil, em que membros do Poder Judiciário e do Ministério Público atuaram em conluio para promover seus interesses políticos. É extensa a lista de abusos praticados no âmbito da Operação Lava-Jato, então conduzida pelo ex-juiz Sergio Moro. Conduções coercitivas ilegais, prisões abusivas, exposição pública de informações sigilosas, dentre outras arbitrariedades.

Em outras partes do mundo, existem dispositivos legais para impedir abusos praticados por autoridades.

Em Portugal, a Constituição local, assegura a todo o cidadão o direito de resistência, “contra qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública”. A carta constitucional portuguesa foi promulgada em 1976, dois anos após a debacle do regime salazarista.’1Nos Estados Unidos, um dos lugares frequentemente mencionados por Moro e por Procuradores da República como referência no combate à impunidade, em estados como Nova York, policiais não são dotados de fé pública, por exemplo. Isso significa que a palavra de um único policial não é bastante para condenar a quem quer que seja, diferentemente do que ocorre no Brasil.

Os números indicam que a violência policial cresceu exponencialmente em 2019, sobretudo em São Paulo e Rio de Janeiro. Os governadores João Doria e Wilson Witzel emplacaram uma política de carnificina na segurança pública e deram carta branca para que seus esquadrões da morte atuem livremente. Em função disso, a lei contra abuso de autoridade serviria para impor limites a uma escalada de autoritarismo em um país onde existe uma demanda por abusos praticados por agentes de coturno.

A ascensão de Jair Bolsonaro ao poder é também reflexo desta demanda e tem provocado erosão das instituições republicanas mediante desrespeito reiterado aos direitos fundamentais assegurados pela Constituição e enfraquecimento dos órgãos de fiscalização. O presidente jamais escondeu seu apreço por toda e qualquer ditadura de direita que tenha se instalado mundo afora.

Por outro lado, o autoritarismo não se faz presente somente em ditaduras. Sob o regime do último militar eleito presidente pelo voto direto antes de Bolsonaro, Eurico Gaspar Dutra, foram assassinados 55 opositores por agentes do estado brasileiro. Atualmente, o governo brasileiro sofre acusações de violações ambientais, de direitos humanos e de liberdade de imprensa.

Ambientalistas e ativistas de direitos humanos são considerados opositores do governo pelo presidente.